Jogos de tabuleiro são alternativa de entretenimento e diversão em família, durante a pandemia

Jogos coletivos vividos em família são importantes pela apropriação das práticas culturais e a partilha de histórias e tradições

Durante a quarentena, jogos de tabuleiros, cartas e similares ganharam destaque, nacional e internacionalmente, como alternativa de diversão entre famílias nesse período de reclusão. Com maior tempo em casa, pais e filhos passaram a conviver mais e encontram nos jogos tradicionais novas oportunidades de interação e entretenimento. Segundo a psicóloga Ticiana Santiago de Sá, os jogos também são aposta para o desenvolvimento pessoal, criação de vínculos e promoção da saúde mental.

Rondinelli Desteffani, 47, é um fã dos chamados gameboards (em português, jogos de mesa) desde os 15 anos. Ele conta que os jogos tradicionais, de tabuleiros às cartas, tiveram um crescimento na procura durante a pandemia. Entretanto, isso vem sendo observado sobretudo nos últimos dois anos, quando a empresa Galápagos passou a investir mais na tradução e distribuição de jogos no Brasil.

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Conforme o CEO da Galápagos, em entrevista à Exame, apenas no primeiro semestre de 2020 as receitas da distribuidora cresceram 84%. Isso demonstra uma tendência na busca pelo entretenimento mais próximo, diante de um cenário em que famílias estão convivendo e interagindo mais, devido à reclusão motivada pelo distanciamento social.

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Para Desteffani, que trabalha com comércio exterior, os jogos foram essenciais para ocupar o tempo que, em outras circunstâncias, disporia para um encontro ou evento social. Antes da pandemia do novo coronavírus, ele conta que costumava se divertir jogando tabuleiro com amigos. No entanto, devido ao distanciamento, passou a ocupar parte do seu tempo em casa curtindo os jogos com os sobrinhos e os irmãos.

“Como não tem mais grandes reuniões de pessoas, em casamentos, batizados, aniversários, e até mesmo aqueles churrasquinhos e resenha de amigos; os jogos de tabuleiros foram uma das opções para a nossa família. A gente tem jogado mais por conta da pandemia e tem sido muito legal”, comenta Desteffani, que é produtor do podcast Deixa o Google Aberto

Para ele, os jogos em família os aproximam da fala e do contato, além das frustrações e da competitividade saudável. “Ele aumenta a interatividade e o grau de aproximação que a gente tem um com os outros; tem vários pontos positivos de se jogar jogos assim. Não só em família, mas entre amigos também”, salienta. “Aqui, durante a quarentena, está sendo mais em família. Mas as minhas experiências anteriores, jogando com amigos e até com pessoas estranhas, foram muito positivas”, reconhece.

Jogos são aposta para a promoção da saúde mental e criação de vínculos familiares

Os jogos cumprem um papel importante de promoção à saúde mental, criação de vínculos e desenvolvimento pessoal. Quando praticado em família, se tornam ainda recurso de diálogo intergeracional e de fortalecimento das relações, conforme a psicóloga e doutora em educação, Ticiana Santiago de Sá. Ela destaca que os jogos coletivos vividos entre famílias, são importantes pela apropriação das práticas culturais e a partilha de histórias e tradições.

Para as crianças, os jogos se tornam recurso de elaboração simbólica, por onde elas expressam o que estão vivendo. “Ela [a criança] consegue simbolizar no jogo a fantasia, os mitos que são colocados dentro desse contexto; e consegue desenvolver fortalezas e saídas para aquela situação problema”, detalha. Segundo a psicóloga, a entrada nesse universo simbólico é potencializado pelo jogo, que se torna uma ferramenta para o desenvolvimento da criança.

“Não só os videogames, mas os jogos tradicionais e artesanais têm esse potencial criativo. No videogame, você executa as técnicas e as estratégias para conseguir avançar as etapas”, pontua Ticiana. “No brinquedo, também tem uma dimensão muito criativa que você desenvolve na infância, e, quando se tornar um adulto, vai ter desenvolvido essa habilidade de criar diante de um desafio, de ter que trabalhar em grupo, entender uma situação social”, elenca.

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Conforme a psicóloga, todas essas habilidades são potencializadas pelo jogo, por meio desse universo simbólico, que é essencial para crianças e adultos fortalecerem vínculos, lidarem com regras, entenderem o contexto social mais amplo, a empatia e o lugar do outro, além de o momento de jogar promover a própria saúde mental. A criação de jogos, segundo a psicóloga, também são importantes para famílias que estão tendo dificuldades de relacionamento com os filhos, ou que não conseguem dar conta do conteúdo formal passado pela escola. “

Ela sugere que inserir esses recursos lúdicos no cotidiano, pode cooperar para pais e mães, que não têm vínculos tão fortes, desenvolverem esses laços familiares. Ticiana destaca, por exemplo, que o Instituto da Primeira Infância (Iprede) do Ceará, passou a utilizar os jogos e brincadeiras como forma de aproximar pais e mães, que apresentavam dificuldade de se relacionar com os filhos. “Foi apostando nesse lúdico que eles criaram vários espaços para jogos de tabuleiros e faz de conta, que é onde a criança se expressa”, afirma. Essa medida foi adotada após o Instituto perceber que quadros de desnutrição estavam relacionados à falta dessa parentalidade.

“As mães e os pais podem conhecer muito dos seus filhos pelas brincadeiras que se coloca, desde a tolerância e a frustração até as preferências e o nível de desenvolvimento em que ele está”, pontua Ticiana. Ela acrescenta que, para adultos, os jogos são formas de resgatar a ludicidade perdida ao longo da vida e são recursos para ressignificar e partilhar experiências difíceis ou traumáticas; além de ajudar no desenvolvimento de habilidades, que podem agregar a sua saúde mental e vida social.

Por onde começar a jogar?

Iniciantes nos boardgames podem começar por jogos tradicionais, antes dos jogos considerados mais “geeks” - como são reconhecidos os produtos mais elaborados, com narrativas aprofundadas e dinâmicas mais complexas. Segundo Rondinelli Desteffani, considerando o contexto familiar, onde os jogos estão sendo mais praticados nesse momento de pandemia, deve-se levar em conta o tamanho da família e a faixa etária das pessoas que a compõe.

“Para as famílias que têm crianças, eu aconselho os jogos mais tradicionais possíveis, como o Jogo da Vida, um ludo ou um xadrez chinês, para elas pegarem o gosto. Eles são de fácil aprendizagem e bem coloridos também”, comenta. “Tem ainda os jogos de baralho e dominós, que fogem dos tabuleiros, mas podem iniciar”, acrescenta Desteffani. Outra dica, para famílias mais adultas, seriam os jogos de Detetive ou Banco Imobiliário.

Para aqueles que buscam um jogo de mesa/tabuleiro mais avançado, com maior grau de dificuldade, Desteffani sugere o Sagrada, o Potion Explosion e similares. Além do Pandemic, jogo onde uma equipe de médicos e cientistas tentam combater uma pandemia que afeta o planeta. “Mas esse eu aconselho as pessoas mais adultas, porque as crianças e os pré-adolescentes têm dificuldades. Então, para quem quer iniciar, tem esses graus e essas levas de jogo”, explica.

Professor da USP cria jogo de tabuleiro para ensinar história medieval

Também na quarentena, há quem prefira construir jogos. Esse é o caso de Vinicius Marino Carvalho, pesquisador do Laboratório de Estudos Medievais (Leme) da Universidade de São Paulo (USP). Em parceria com o Grupo de Pesquisa em Arqueologia Interativa e Simulações Eletrônicas (Arise) da Instituição, ele desenvolveu o Triunfos de Tarlac, jogo de tabuleiro e estratégia online, ambientado na Irlanda dos séculos XIII e XIV.

Jogo de tabuleiro que está sendo produzido na USP mostra que os games são uma maneira de explorar, entender e até questionar a História de forma lúdica e divertida
Jogo de tabuleiro que está sendo produzido na USP mostra que os games são uma maneira de explorar, entender e até questionar a História de forma lúdica e divertida (Foto: REPRODUÇÃO/USP)

O game produzido por Vinícius tem como proposta ensinar a história do período medieval de forma lúdica. Na época em que o game ocorre, ingleses tentam expandir seus negócios na Irlanda, criando reinos vassalos da coroa inglesa na região. Também há guerras entre dinastias, assassinatos, fome e catástrofes climáticas, devido a “Pequena Era do Gelo” pela qual o planeta passava.

“Neste jogo, cada jogador controla um dos clãs, alguns dos vassalos irlandeses ou as terras de um magnata chamado Thomas de Clare, que era a principal autoridade inglesa na região”, explica Marino em nota. O objetivo do jogo é garantir que o clã apoiado saia vencedor, com gerenciamento dos reinos e das adversidades. “A cada turno, novas tragédias acontecem, eventos fracassam e os jogadores vão poder ver como isso afetava os reinos. Em tese, como a economia e o ambiente afetam as ações humanas”, comenta.

Triunfos de Tarlac está em fase de testes, com previsão de ser lançado no segundo semestre de 2021. Além da mídia física, com tabuleiros, os pesquisadores devem lançar o jogo em formato virtual, por meio do software Tabletop Simulator. Conforme Vinicius, a ideia é produzir uma versão 100% gratuita, com materiais disponíveis para download e impressão.

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