Pandemia agrava fragilidade das academias de dança de Fortaleza, que tentam se reinventar
Diante da crise financeira e da evasão de alunos, as academias de dança se aproximam para pensar em alternativas futuras para o setor
00:00 | Jun. 13, 2020
Em meio à paralisação de atividades em escolas e academias de dança, bem como o cancelamento de espetáculos e apresentações artísticas, profissionais da dança têm sentido ainda mais as dificuldades históricas da área. Contas atrasadas, evasão de alunos e pouca adesão às aulas remotas são algumas dificuldades que passaram a fazer parte do cotidiano de muitas academias de Fortaleza, que, diante da crise, tentam projetar um futuro ainda incerto sobre os caminhos de sobrevivência da classe artística no cenário pós-pandemia. As dificuldades vividas pelo setor, em contrapartida, têm feito surgir diversas iniciativas de solidariedade e apoio que agregam professores, bailarinos e funcionários e buscam traçar um recomeço feito pela união do trabalho coletivo.
“Tem sido muitíssimo difícil, principalmente porque os alunos se sentem muito desmotivados com a interrupção das aulas”, conta Ramolise Ferreira, diretora administrativa e financeira do Instituto de Dança Goretti Quintela, que iniciou as atividades em março deste ano e precisou interrompê-las ainda na metade do mesmo mês, com o início do decreto de isolamento no estado. Dos mais de cem alunos que fazem parte do Instituto, apenas 38 seguem atualmente pagando as mensalidades e a maioria segue inadimplente. “A gente vem se reinventando, propondo modelos de aula diferentes para escapar da monotonia do virtual, criando novos desafios para movimentar os alunos. Mas é muito complicado fazer dança sem haver o professor ao lado, corrigindo, interagindo”, explica.
“Muitos têm uma dificuldade imensa de assimilar que não irão dançar no palco este ano, que não vai ter festival. E as apresentações são um momento super importante pro bailarino, mas também para toda a escola”, pontua Ramolise. A bailarina também projeta um recomeço para a dança em um contexto pós-pandemia. “Todos nós estamos avaliando como serão realizados esses protocolos de retomada. Teremos de pensar em grupos de bailarinos menores nas salas, nos palcos, bem como plateias mais vazias.Teremos que pensar em outros formatos de apresentação. Tudo isso irá gerar um custo financeiro maior. A gente ainda não sabe como a dança como um todo passará por isso”, avalia Ramolise.
A contar do início da pandemia, a escola Hugo Bianchi, uma das mais tradicionais de Fortaleza, sofreu a evasão de cerca de 50% de seus alunos, mesmo dando continuidade às aulas no formato remoto. O presidente da Associação das Academias de Dança do Ceará (AADANCE), Félix Ramazzotti, que também é coordenador da escola, ressalta que o novo contexto trouxe prejuízos para todos os profissionais que trabalham no setor, não apenas professores e coordenadores. “As escolas têm faxineiros, porteiros, seguranças, que são alguns dos mais prejudicados. Com nossa pequena reserva financeira estamos buscando também ser suporte para essas pessoas, às vezes pagando conta de luz, distribuindo cesta básica para professores, porteiros, para que o profissional não se sinta desvalorizado nesse momento”, explica.
Rede de solidariedade
Em meio ao clima de incertezas sobre o futuro, uma rede de solidariedade se formou entre bailarinos e escolas de dança de Fortaleza. Em maio deste ano, por exemplo, mais de 200 bailarinos de diferentes academias (nacionais e internacionais) se uniram para fazer acontecer uma edição virtual do Festival Internacional de Dança de Fortaleza (Fendafor), realizado há 20 anos na capital cearense. “Percebi essa tristeza assolando as escolas e os próprios bailarinos. Era necessário fazer algo que inspirasse eles a continuarem acreditando na dança, mesmo nesse momento de dificuldades”, explica Janne Ruth que, além de ser a idealizadora do evento, atua como Delegada do Conselho Brasileiro da Dança.
“Foi muito emocionante ver os alunos se sentindo motivados novamente, se arrumando em casa, enviando os vídeos para a competição. Muitos deles até me relataram que sentiram a mesmo frio na barriga de quando participavam de festivais presencialmente, nos teatros”. Um dos destaques do Festival foi o 1º Concurso de Dança Solo à distância. Entre as premiações, convites para dançar em outros Festivais Internacionais após o fim da pandemia, oferta de passagens aéreas para qualquer festival nacional em 2021 e a parceria com as quatro maiores empresas de artigos de Dança do país, que ofertaram vouchers em artigos de dança que foram sorteados na página oficial do Festival. Além disso, 20% do lucro do evento foi revertido para as escolas inscritas.
“Estava sendo muito difícil manter a rotina de aulas, passar esse estímulo para os alunos sendo que nós ainda nem assimilamos direito tudo isso. Com o Fendafor, eu vi nossas alunas motivadas novamente. Foram dias de muita alegria, motivação, preparação de coreografias, desafios”, conta Lucymeire Aires, diretora do Ballet Lucymeire Aires. Durante a pandemia, as escolas têm realizado reuniões semanais não só para discutir acerca do futuro das academias de dança com o fim da pandemia, mas também para formar uma rede de apoio em um momento de dificuldades não só financeiras, mas também artísticas e emocionais. “Estamos conseguindo estabelecer uma união muito bonita entre as escolas neste momento, sendo suporte umas às outras”, conclui.