"Pequeno Manual Antirracista", de Djamila Ribeiro, ganha força no duro cenário atual
No contexto dos protestos pela morte de George Floyd, segurança negro asfixiado por policial branco, leitura ganha força para quem deseja desconstruir preconceitos e compreender a história do racismo no BrasilNo dia 25 de maio, em Minneapolis, Estados Unidos, George Floyd foi assassinado por um policial que permaneceu com o joelho em seu pescoço mesmo quando ele insistia em dizer que não conseguia respirar. A ação policial aconteceu supostamente porque o ex-segurança, que era negro, foi acusado de tentar pagar uma conta em uma mercearia com nota falsa de US$ 20, segundo a imprensa norte-americana.
A ação durou mais de oito minutos e foi gravada por outro policial, que também está sendo investigado. As imagens geraram revolta e após a repercussão do vídeo, vários protestos se espalharam por todos os EUA e pelo exterior. Diversas cidades chegaram a decretar toque de recolher e acionaram a Guarda Nacional para tentar conter os distúrbios, e mais de 9 mil pessoas foram detidas. Os protestos continuam por todo o mundo. Nos atos, pessoas pedindo justiça, dizendo que vidas negras importam, querendo o fim do racismo e da hostilização da população negra.
É + que streaming. É arte, cultura e história.
Foi nesse contexto que diversas pessoas começaram a postar em suas redes sociais sobre os acontecimentos. Uma parte dos usuários negros passaram a cobrar atitudes dos usuários brancos, pedindo que eles utilizem os privilégios e reconhecimentos para contribuir com a luta antirracista. Entretanto, nem todo mundo tem conhecimento dessa luta e não sabe como pode contribuir. Existem pessoas, inclusive, que não acreditam que existe racismo no Brasil.
Diante disso, o Vida&Arte republica resenha do livro Pequeno Manual Antirracista, de Djamila Ribeiro, que pode contribuir para começar a entender sobre o racismo e suas vertentes.
Pequeno Manual Antirracista
Você se considera antirracista? Em seu livro Pequeno Manual antirracista”, Djamila Ribeiro, escritora, filósofa e ativista a favor da luta negra propõem questionamentos que envolvem a sociedade e o racismo nela intrínsecos. De acordo com dados da Pesquisa Datafolha de 1995, a mais recente publicada sobre o assunto, a cada 23 minutos um negro morre no Brasil.
Após os países da África, o Brasil é o local que mais tem negros em sua população, que soma cerca de 56%. Além disso, em levantamento de campo, o Datafolha registrou que 89% das pessoas afirmam que existe racismo no Brasil, mas que 90% se identifica como não racista. Para a autora, que cita a escritora e ativista norte-americana Angela Davis, não basta não ser racista, é necessário levantar a bandeira do antirracismo.
No começo do livro, Djamila escreve sobre a nossa história corrompida. Será mesmo que o Brasil foi descoberto? Como foi o início da perseguição aos negros e a escravidão? Será mesmo que a escravidão terminou? São com esses questionamentos indiretos que ela introduz o começo do livro e o conceito do racismo estrutural, no qual diz que mesmo que você não seja racista de pensamento, muitas vezes pode desenvolver falas e atitudes que são racistas, talvez não porque você teve a intenção, mas porque tais ações são pertencentes a sociedade.
Djamila ao decorrer do livro também questiona o porquê do negro ser considerado diferente. A cor da pele não interfere no intelecto e nem em habilidades físicas, então porque a sociedade age como se tal especificidade acontecesse? Além disso, ela também conta um pouco da sua própria história. Como mulher negra, muitas vezes as pessoas não a aceitavam dentro da universidade, como mãe, mulher, negra e filósofa. “Você tem cara de que dança samba”, essa e outras frases relacionadas ao estereótipo da mulher negra foram ditas a ela, como se aquele não fosse o lugar dela. É, ou ao menos deveria ser também.
No livro é possível ler várias ocasiões em que mulheres negras são empreendedoras, CEOs ou possuem algum cargo alto em uma empresa e são confundidas com secretárias, funcionárias da limpeza e prostitutas. Djamila deixa claro que não desmerece tais profissões, mas porque a mulher negra só é associada e elas?
A autora também ressalta a importância da população branca reconhecer seus privilégios. O termo minoria nesse sentido, apesar da população negra ser maioria no país, em relação à representatividade os números ainda são baixos. É importante a representatividade na mídia e em produções culturais como filmes, livros, música, novelas etc. Uma criança negra deve crescer brincando somente com bonecas brancas? Assistindo filmes com personagens brancos em destaque? Como ela vai se enxergar na sociedade dessa forma? O que isso vai passar para ela sobre a sua imagem? Como ela vai se auto aceitar se a própria sociedade não incentiva isso?
Djamila finaliza o livro enaltecendo autores negros que na maioria das vezes não recebem o mesmo destaque e reconhecimento que autores brancos. Quem melhor para falar sobre racismo e suas vertentes se não aqueles que sentem na pele a dificuldade de enfrentar diariamente a desigualdade racial da sociedade? Djamila cita diversos autores, dentre eles Angela Davis, Conceição Evaristo e Lélia Gonzalez.
O livro tem leitura fácil, apesar de ser estruturado como uma espécie de artigo, com diversas referências bibliográficas, é possível ampliar a pesquisa sobre o tema ao conhecer novos autores dos quais Djamila nos apresenta.
Com isso, o livro traz de novo atitudes que a população branca pode tomar para ajudar a evitar a perpetuação do racismo na sociedade. É claro que nunca sentirão na pele o que é passar por isso, mas podem corrigir atitudes e conscientizar pessoas que ainda não reconhecem o problema, além de reconhecer os privilégios brancos e utilizá-los para dar voz e lugar para a população negra, ser de fato, antirracista. O livro de Djamilia é uma abertura inicial para contribuir com a luta.
Sua fala é racista?
Djamila ressalta a importância de se autoperceber racista em falas e ações. Você sabia que muitos termos comumente usados em nossas falas no dia a dia tem origem racista? Conheça alguns deles:
Criado Mudo: a origem do nome veio de da época da escravidão, quando os negros eram chamados de criados e alguns passavam dia e noite imóveis ao lado da cama do “senhor” com um copo de água. Na época, eles tinham que ficar calados, mudos, porque alguns “senhores” achavam incômodo o fato de eles falarem. Muitos chegavam até a perder a língua.
Lista Negra: usar negro para descrever algo que é ruim tem peso negativo, tornando-o pejorativo.
Inveja branca: a ideia do branco como algo positivo é impregnada nessa expressão.
Denegrir: segundo o dicionário Aurélio, a palavra denegrir é definida por "tornar negro, escurecer". Substitua por difamar.
Mulata: a palavra vem de mula, um ser híbrido originado pela reprodução de burro com égua. Correspondia ao filho do homem branco com a mulher negra. Esqueça palavras como mulato, moreno (pele) e pardo. Se refira como negro já que dentro da população negra existem diversos tons de pele.
Não sou tuas negas: associa a mulher negra como objeto, como um ser que deve servir outro, ou que "faz tudo".
Mercado negro: o termo refere-se ao mercado paralelo, ilegal.
A coisa tá preta: Você já ouviu alguém dizer isso quando as coisas começam a ficar ruins, certo? E novamente traz a imagem do negro como desagradável.
Cabelo ruim: não existe cabelo ruim. Existe cabelo afro, crespo e cacheado.
Tem um pé na cozinha: a expressão se refere à negra escravizada, que vivia para servir a família branca.
Da cor do pecado: normalmente usada como elogio, refere-se a uma pele branca queimada do sol. É uma objetificação do corpo negro. Não é um pecado ter a pele negra.
Meia tigela: os negros que trabalhavam à força nas minas de ouro nem sempre conseguiam alcançar suas “metas”. Quando isso acontecia, recebiam como punição apenas metade da tigela de comida e ganhavam o apelido de “meia tigela”, que hoje é usado para se referir a algo sem valor e medíocre.
Sobre a autora
Djamila Taís Ribeiro dos Santos nasceu em Santos, São Paulo, no dia 1 de agosto de 1980. É filósofa, feminista, escritora e acadêmica brasileira. É também pesquisadora e mestra em Filosofia Política pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Tornou-se conhecida no país por seu ativismo na internet, atualmente é colunista do jornal Folha de São Paulo. Em 2016, foi nomeada secretária-adjunta de Direitos Humanos e Cidadania da cidade de São Paulo. Djamila Ribeiro tornou-se o nome mais conhecido quando se fala em ativismo negro no Brasil e tem outras publicações como “O que é lugar de fala?” (2017) e “Quem tem medo do feminismo negro?” (2018).