Projeto de mulheres cearenses versa sobre o olhar feminino diante da pandemia

Projeto "Escritas em pandemia", composto por 24 mulheres cearenses, terá publicação independente e virtual lançada no dia 1º de junho no Instagram

00:00 | Mai. 27, 2020

Por: Ivig Freitas
Publicação independente retrata o olhar feminino sobre a pandemia (foto: Ilustração de Alice Dote)

Em tempos de crise, as palavras abundam. Tomam forma pelos blocos de notas, na tela do computador e crescem nos rabiscos feitos em meio à rotina entrecortada pelo silêncio de dias atípicos. Movido pela escrita íntima de 24 mulheres cearenses, o projeto “Escritas em pandemia”, iniciativa de Glória Diógenes, Lara Denise Silva e Alice Dote, irá publicar um livro digital, independente e sem financiamento sobre o que as grafias pessoais revelam, a partir desse lugar do íntimo, sobre a experiência de mulheres durante a pandemia. O resultado poderá ser conferido no Instagram do projeto (@escritasempandemia) a partir da próxima segunda, 1º de junho.

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A publicação traz textos de 24 mulheres cearenses, a saber: Alice Dote, Day Araujo, Ediane Soares, Eleuda de Carvalho, Ethel de Paula, Fran Nascimento, Glória Diógenes, Irlys Barreira, Isadora Gurgel, Isadora Ravena, Ivna Girão, Juba (Lidiane Cordeiro), Lara Denise Silva, Lídia Valesca, Liduína Rocha, Marília Oliveira, Naiana Gomes, Nina Rizzi, Paula Yemanjá, Raisa Christina, Sablina Cavalcante, Sabrina Morais, Silvia Moura e Stella Girão. “Escritas em pandemia” é a soma de textos feitos por mulheres com trajetórias diversas e será publicado em formato digital e hospedado em uma plataforma na internet para ser baixado gratuitamente.

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A iniciativa partiu da pesquisadora Glória Diógenes, que já vinha publicando textos nas suas redes sociais sobre suas vivências da pandemia, assim como Lara Denise. “Nós três já nos conhecíamos e nos animamos com a ideia. Nos reunimos virtualmente e começamos a imaginar como seria essa publicação. Então, fomos lembrando de postagens de mulheres amigas ou conhecidas que versavam, a partir desse lugar do íntimo, sobre os tempos atípicos que vivemos”, explica Alice Dote, artista visual e integrante do projeto. “Nem todas as participantes se conhecem, e isso talvez isso tenha sido o mais interessante no processo: a mistura entre mulheres de trajetórias diversas, entre perspectivas distintas na escrita desses tempos, entre prosa e poesia”, pontua.

Os textos que compõem a coletânea não tratam de estatísticas, números, medidas de prevenção sobre a pandemia. “Tratam, sim, de como isso é vivido para cada uma, nessa ótica do pequeno (desde os novos e simples gestos cotidianos, até as dores e esperanças que marcam os dias). Que sentimentos e sensações compreendem, que lembranças disparam, o que as fazem pensar”, detalha Alice.

“Foi muito interessante perceber a tessitura de todo o processo durante o mês de maio. E mais importante do que o resultado de tudo isso é poder perceber que existem realidades distintas de mulheres diante de uma crise como a pandemia que vivemos”, conta Glória Diógenes, professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFC e fascinada por leitura e escrita desde a infância. Além de ter um de seus textos na publicação, ela organizou a iniciativa juntamente com Lara Denise Silva e Alice Dote, que também realizou as ilustrações e o projeto gráfico da publicação.

Para Glória, que sempre cultivou o hábito de ler diários e biografias, realizar o projeto tem sido uma oportunidade de ter uma percepção íntima da existência e notar que escrever pode ser muito mais do que simplesmente grafar. “É ter essa percepção do como vamos construindo quem somos, que narrativas criamos sobre nós, porque a escrita também é pulsação, é potência de vida. Mais do que uma antologia, 'Escritas em pandemia' é um acontecimento em nossas vidas”, pondera.

Para a pesquisadora Lara Denise, a construção do projeto foi uma experiência sinérgica, leve e prazerosa. “Pude conhecer muitas mulheres, a gente se aproximou muito com o projeto. Tivemos uma parceria muito bonita na construção de tudo isso. Todas nós somos mulheres que escrevem a partir de nossas outras crises”, relata. Todo o projeto é independente e realizado sem financiamento. “Somos fotógrafas, escritoras, ilustradoras. Sem precisar de uma autorização de uma editora, a chancela de um especialista, e acho isso tudo muito positivo para o projeto”, analisa.

Confira trechos de alguns dos textos presentes em “Escritas em Pandemia”:

"Há muita coisa acontecendo dentro (de casa), a vida é mesmo essa travessia íntima por cursos d’água intermináveis. para além das pontas, quero nossos pulmões inundados de ar."
Trecho de Naiana Gomes

"não falo minha história, às vezes eu nego fingindo tá bem, taco na cara um sorriso sincero eu sou empolgada, mas por dentro quebrada vivo com bandaid por toda minha alma os dias se passam, os rios levam tudo até o corpo do menino, que enfim, permaneço em luto e o que são os frutos que vou colher quando o dia acabar? ou será que pra colher esses frutos, o grito engulo junto com meu chorar?"
Trecho de Fran Nascimento