Artistas incluem intérpretes de Libras em suas lives

A profusão de lives nas redes sociais tem sido vitrine para a importância do trabalho dos intérpretes da Língua Brasileira de Sinais

19:46 | Mai. 11, 2020

Por: Agência Estado
Gessilma Dias (no detalhe) fez a tradução em Libras da live da cantora sertaneja Marília Mendonça (foto: reprodução)

Quando fez sua primeira live na quarentena, em 8 de abril, a cantora goiana Marília Mendonça possivelmente não imaginou que, além de fazer a alegria de mais de 3 milhões de espectadores isolados em suas casas e arrecadar toneladas de alimentos e produtos de limpeza, chamaria atenção por colocar no canto da tela os intérpretes de Libras - a Língua Brasileira de Sinais. A sertaneja anunciou com antecedência que ofereceria o recurso de tradução para surdos. Foi uma das primeiras.

Um dos tradutores que participaram da live foi Gessilma Dias, de 46 anos, que, há 21, trabalha com a língua de sinais na área educacional. "Me ligaram em uma terça-feira e a live era no dia seguinte. Recebi um repertório prévio para estudar as letras", conta. A intérprete explica que a tarefa foi árdua - a apresentação durou 3h30min - e que a parceria com Viny Batista, com quem dividiu a tradução, foi fundamental para chegar ao final do show e lidar com os improvisos no setlist. "Saímos de lá exaustos, pois o raciocínio para a tradução tem que ser muito rápido", diz Gessilma.

O trabalho em equipe também foi fundamental na live do cantor Thiaguinho, no dia 23 de abril. Foram 5h30min de música e participações especiais de nomes como Neymar e Luciano Huck. Tudo com tradução simultânea em Libras, feita por quatro intérpretes liderados por Carol Fomin, que tem uma empresa de acessibilidade. "Dividimos o repertório para estudar, mas uma música que caiu comigo foi estudada pelo meu colega. Nesses momentos, um ajuda o outro", conta Carol.

Apesar do desafio, Gessilma e Carol afirmam que é extremamente gratificante e positiva a experiência dos artistas abrirem espaço para a tradução em Libras em suas apresentações online. "Os surdos também estão em casa, na quarentena, passando o mesmo que nós todos. Por que não se comunicar com eles, permitir que se divirtam?", diz Gessilma.

Carol conta que, ao final de cada live, é marcada nas redes sociais por surdos que agradecem e elogiam sua performance. "É um público que ficou esquecido por muito tempo e agora merece atenção", observa.

Segundo estimativa da Federação Brasileira das Associações dos Profissionais Tradutores e Intérpretes e Guia-intérpretes de Língua de Sinais (Febrapils), no Brasil, há 10 milhões de surdos e cerca de 3 mil intérpretes de Libras, que podem ter formação em nível técnico, de graduação e especialização. A Lei Brasileira de Inclusão, também chamada de Estatuto da Pessoa com Deficiência, de 2015, determina que a pessoa com deficiência deve ter direito à igualdade entre as demais pessoas em programas de televisão, cinema, teatro e outras atividades culturais. "Em muitos casos, ela é negligenciada até pelo governo", diz Fernando Parente, presidente da Febrapils.

Além de Marília Mendonça e Thiaguinho, outras lives como a da dupla Simone e Simaria e a de Vitor Kley, contaram com o recurso em Libras.

A Língua Brasileira de Sinais não é apenas mera tradução da língua portuguesa em gestos. Ela tem diferentes níveis linguísticos e, por isso, para expressá-la, não basta apenas conhecer os sinais e, sim, combinar mãos, movimentos, articulações e expressões faciais para que a tradução seja clara para o público-alvo.

Cabe ao intérprete, no caso de uma apresentação musical, passar para o surdo o ritmo da música. "Com equilíbrio, podemos transmitir o ritmo. Uma música lenta e um RAP precisam ser expressos de maneira diferente", exemplifica Carol Fomin. Em situações como essa, a impressão é que o profissional está dançando. As abstrações das letras também precisam ser traduzidas.

Por ser um trabalho novo no universo das apresentações online, os profissionais ainda estão se adaptando e vendo os contratantes se adequarem. Assim como em programas de TV, eles precisam ter acesso a um monitor para ver o que o artista está fazendo, para onde está olhando ou apontando. Toda informação é importante. Há, ainda, a questão de direito de imagem, já que muitas apresentações ficam disponíveis no YouTube.

O cachê dos tradutores também é algo que está se moldando. O site da Febrapils traz uma tabela com valores de referência - a hora de trabalho sugerida é de R$ 160, mas pode chegar a R$ 400, dependendo da preparação necessária. (Agência Estado)