"Deixemos de coisa, cuidemos da vida": morte de Belchior completa três anos

Figura importante da cultura para o Ceará e o Brasil, o sobralense Antônio Carlos Belchior faleceu, aos 70 anos, em 30 de abril de 2017

10h39min do dia 30 de abril de 2017. Mensagem no grupo do trabalho no WhatsApp dá conta de que Belchior havia morrido. Belchior. O rapaz latino-americano. O "sumido". O mítico Belchior. Desde o dia 27 daquele mês, a equipe havia sido dividida para dar conta da cobertura da quarta edição da Maloca Dragão. Era meu plantão naquele 30 de abril e o que estava previsto relacionado ao evento que comemorava o aniversário do Dragão do Mar foi revisto. Pouco depois das 11 horas, já estava na redação para dar conta da cobertura da morte de Belchior. Foi um dia de expediente intenso e extenso, um dia em que equipe se juntou para produzir um belo caderno especial que sairia em 1º de maio sobre o artista. Esse dia completa, hoje, três anos. Três anos sem Belchior, três anos desde o dia em que saí do expediente tendo escrito o obituário do cantor sobralense direto para a Maloca Dragão para extravasar no show do BaianaSystem, que já tinha sido previsto para aquela noite, e de chorar abraçado a amigas e amigos na homenagem a Belchior que o evento produziu.

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Belchior, para mim, era quase uma lenda. Ele passou a ser considerado sumido no início da minha pré-adolescência, mais ou menos ali pelo final dos anos 2000. Antes disso, na minha infância, se havia conhecimento sobre a figura, não havia exatamente interesse. Lembro com alguma precisão, porém, de reportagens televisivas que falavam sobre os motivos que poderiam ter levado o cantor à decisão de se esconder do mundo. Dívidas, questões pessoais, relações.

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Na adolescência, as composições do cearense já falavam mais comigo e sobre mim, de dada maneira. Os conhecimentos sobre a carreira do artista foram crescendo. Houve surpresa em saber que eram dele composições de outros artistas que eu gostava, houve interesse em ouvir discos clássicos como Alucinação (1976) e Coração Selvagem (1977), houve identificação com aquele "desespero que era moda em 76", o sentimento de que "uma nova mudança, em breve, vai acontecer" ou a certeza de que "Deus é brasileiro e anda do meu lado".

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Ele nunca foi um nome essencial ou norteador da música para mim, mas tornou-se, sim, uma voz familiar e mais próxima. O que me aproximou ainda mais, certamente, foi a entrada no Vida&Arte. Começando meu estágio, em setembro de 2016, via uma equipe comprometida e preparada acertando os últimos detalhes da produção de Belchior 70 anos, projeto transmídia em homenagem ao aniversário do cantor que foi lançado no fim de outubro, com direito a caderno especial, site e evento.

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A dimensão que o sobralense ganhou para mim ia se fortificando. Dizem que, de repente, "todo mundo" vira fã de um artista quando ele morre. Minha relação com Belchior, talvez, tenha se tornado de fã e ídolo, sim, num momento próximo ao contexto de despedida do cantor, mas não exatamente como consequência direta dele. Foi fruto, sim, de um processo acumulativo que teve um momento especial, na verdade, na noite anterior.

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A Maloca Dragão teve como destaque na noite do dia 29 de abril - ou seja, horas antes do cantor falecer - o show da banda As Bahias e a Cozinha Mineira, para o qual também fui. As vocalistas Assucena Assucena e Raquel Virgínia tiraram, por coincidência, um momento da apresentação para cantar "Hora do Almoço", de Belchior. Era uma música, confesso, que desconhecia, mas mesmo assim o choro me foi inevitável. Não eram exatamente lágrimas ruins, mas de emoção - até porque, como a música sugeria, "eu ainda sou bem moço pra tanta tristeza / Deixemos de coisa, cuidemos da vida / Pois se não chega a morte ou coisa parecida / E nos arrasta moço sem ter visto a vida".

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Tamanha emoção foi marcante e seguiu ressoando, ainda mais, a partir daquelas 10h39min do dia de 30 de abril. A memória da noite anterior foi acumulada com a experiência daquele dia, desaguando forte e copiosamente no Poço da Draga, no tributo a Belchior, em especial ao memorável som da artista cearense Lorena Nunes entoando os versos de "Pequeno Mapa do Tempo": "Eu tenho medo e já aconteceu / Eu tenho medo e inda está por vir".

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