Artistas criam rede de apoio a profissionais da cultura
Por meio de vídeos colaborativos, iniciativa cearense criou uma rede de apoio aos profissionais da cultura. O projeto Unidos Venceremos vem construindo conexões dentro e fora do Brasil e levantando fundos para combater a crise que veio por conta da pandemia
19:21 | Abr. 28, 2020
Antes de se juntar à iniciativa que leva os nomes de Silvia Moura e Eduardo Bruno, batizada de "Unidos Venceremos", Gustavo Portela, multiartista cearense, no ambiente de casa, cumprindo isolamento com a esposa, também artista, Maria Vitória, percebeu que poderia fazer algo. Movimentar-se online. Referência não lhe faltava. Abastecido de experiências de outros países, logo que a regra do distanciamento começou a valer no Estado, colocou no ar uma live com um espetáculo da esposa.
O objetivo, que poderia sobrar de arte, e sobrou, além de envolvimento por parte do público, tinha uma finalidade específica: arrecadar recursos em benefício da dupla. E deu certo! Se a história fosse essa, só até aqui, até que tudo bem. Mas, não. Vai mais longe. Foi mais longe. E Gustavo, atento ao cenário, por hora um tanto incerto, em relação aos que sobrevivem da cultura, soube entender, a partir de relatos de colegas que, diferente dele, viam-se sem perspectivas de ganho algum. Então agiu.
"Já se iam duas semanas de isolamento e todas as apresentações canceladas para todos nós. Soubemos de uma rede que já estava arrecadando e distribuindo cestas básicas e resolvemos fortalecer essa iniciativa", conta como deu partida à ação, somada à atitude de ajudar ao próximo, vinda de Silvia e Eduardo. "Resolvemos receber qualquer tipo de doação. Qualquer tipo. Inclusive financeira. Infelizmente temos profissionais da cultura necessitando de diversos níveis de apoio. Água cortada, luz, remédios, gente que foi despejada e precisa de uma rede para se alojar no galpão emprestado por alguém", diz já ter pensado até em criar uma lista de adoção.
Mas só ter boa vontade não basta. Tem de ir ao encontro. "Às vezes chegar nessas pessoas é difícil. É um exercício diário de divulgação e de buscar na memória quais colegas tinham menos estabilidade e que podem estar nesse momento sem comunicação", preocupa-se o artista, em prol dos colegas de ofício, todos da cultura, não só músicos, parte técnica e produtora. "Temos ajudado mais trabalhadores da cultura de Fortaleza, mas já conseguimos socorrer gente em Acopiara, Crato, Quixeré e até Salvador. Os artistas que estão apoiando com seus dons são de diversos lugares", explica ele que tem recorrido a vídeos colaborativos, divulgados em seu perfil no Instagram, como forma - musical - de dar voz à causa, que é do Ceará, mas conectando o mundo ao redor.
Entre os nomes que já gravaram a convite de Gustavo: dois da turma de Lenine, Pantico Rocha (CE) e Guilla (RJ), além de Maurice Durozier, do Theatre du Soleil de Paris, Marta Aurélia, Silvero Pereira, Igor Ribeiro, Marcelo Holanda, Nonato Lima. "O que nos motivou inicialmente foi mostrar que a arte é importante, tocar as pessoas mesmo num processo criativo tão distante e com pouco recursos tecnológicos. Tudo é gravado com celular. De quebra ainda ajudamos nossos colegas com a doações", diz o cearense já em contato com artistas de outros países, como Suécia, Cabo Verde, Argentina e Peru.
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Por enquanto, avisa: "Já estou programando um vídeo com o querido Gero Camilo, em Sampa, e Maria Gomide, do grupo Carroça de Mamulengos no Cariri. Está faltando a autorização da família do Belchior para iniciarmos. E estou com um reggae do Bob Marley que vai conectar Nayra Costa, que está isolada em Jaguaribe, com Anderson Moura em Estocolmo e a cantora caboverdeana Zubikilla Spencer", abre, com exemplos, como tem casado as sintonias, para o produto audiovisual. "Meus planos são chegar também no Criolo, Manu Chao e Chico César. O Chico chegou a compartilhar uma versão que fizemos dele. Vamos tentar", afirma o multiartista Gustavo Portela, consultor musical, à espera de chegar em mais pessoas, por meio da campanha "Unidos Venceremos". "Por hora temos que captar recursos e essa é apenas uma forma. Talvez a única divertida", comenta.
"Não é um projeto. São ações. Redes de apoio a pessoas que estão em situação financeira delicada. E se sustentam a partir de doações", enfatiza Maria Vitória, que não se sente à frente da campanha. "Estou junto com muitas pessoas", amplia a artista, que cita outras redes, além da Unidos: a de apoio aos artistas; a do Sindicato dos Músicos; da comunidade LGBTQI ; da rede de apoio às comunidades circenses; entre as mencionadas. Para ajudar a primeira, que estão Maria, Gustavo, Silvia Moura e Eduardo Bruno, a contribuição, que é voluntária, é em forma de depósito, bancário, podendo ser qualquer valor, ou por meio de um link específico informado online (aqui um deles: mpago.la/49uHVm para doar R$ 5). No cartaz de divulgação, o destino que será dado à verba: "Todo dinheiro é revertido para cestas básicas, remédios e contas de emergência dos artistas".
Silvero Pereira, artista local, é dos que contribuem à rede, indo além. Solidarizando-se doando parte de si, que é a arte que lhe toma. "Quando me foi feito o convite não pensei duas vezes, pois além de construirmos algo juntos, mesmo isolados nessa quarentena, seria uma grande oportunidade de ainda demonstrar a arte viva e pulsante", celebrou em nome da amizade e profissional que o une ao músico, Gustavo Portela, para Silvero, amigo.
"Como disse Marquês de Sade 'é na adversidade que o artista mais cria'. Nós artistas temos uma necessidade de estar em movimento, pensando, refletindo e construindo. Portanto, acho que o projeto é valioso em dois pontos: fortalecer nossa contatos criativos e construir solidariedade", aproveita o ator para dar liga à diversos conteúdos, de arte à saúde, produzidos por ele para o IGTV do Instagram.
Com Marta Aurélia, da lista de apoio ao "Unidos Venceremos", a vontade de ajudar foi ao mesmo tempo em que queria concluir seu canto novo ao mundo. Marta já ia à procura de Gustavo, consultor musical, para instruí-la com a parte técnica de um projeto paralelo - que envolve outro nome da cena musical cearense, Caio Castelo - quando foi surpreendida pela proposta de, assim como Silvero, espalhar boa ação - cantando em um vídeo com Maurice Durozier, ligando Fortaleza a Paris. "Foi nesse encontro assim, de milhares de conexões pré-existentes, que esse novo encontro aconteceu, celebrando e fazendo novas informações, novas conexões", revelou.
Para Marta, tudo que possa gerar afetividade, está no centro hoje. "É o que nós estamos precisando", avalia às novas conexões, segundo ela, frente ao invisível, ao novo coronavírus, que desestabilizou não só seu conceito de mundo, mas o mundo todo. "Claro que muitas tensões vão continuar, mas eu acho que a gente vai está com uma nova consciência, e com novas ações para construir um mundo novo, ou, quem sabe, reconstruí-lo", continua a multiartista, que além e com justificativa aos vídeos da rede de apoio aos artistas, revê o próprio momento, de parceria, multiplicação. "Precisamos estar num mundo com aquilo que nos faz sentido. E, para mim, é justamente isso. Esse encontro com as pessoas que estão atentas, com esse movimento de transformação que estamos vivendo", acredita na arte, assim como na ciência e educação, como uma importante potência à travessia.
"Em qualquer época, a união dos artistas é, de certa forma, esclarecedora. Agora mais ainda, porque nós estamos passando por um momento muito delicado da nossa história. O artista não deixa de ser um funcionário que vive da sua própria obra, do seu próprio trabalho, por isso, está havendo uma adaptação. São pessoas que precisam do trabalho delas para viver o dia a dia. Dentro desse contexto, conseguimos fazer o que acho que é uma das funções da arte: olhar para uma obra e ela causar um sentimento em você. O artista é esse vetor, essa seta que guia até o outro lado. Nesse período, somos uma palavra de conforto, de esperança", acolhe o artista Marcelo Holanda, músico e professor, no município de Itapipoca, convidado de Gustavo Portela na campanha em assistência aos profissionais da cultura, "Unidos Venceremos", que continua.