"Pacarrete" é aplaudido de pé na abertura do Festival de Vitória
Filme do cearense Allan Deberton foi recebido calorosamente pela crítica e público na Capital do Espírito Santo, onde participa da mostra competitiva nacional de longas
13:49 | Set. 25, 2019
"Pacarrete" nasceu para brilhar. Aparentemente, não em vida, mas nas telas de cinema. Quando viva, a ex-bailarina cearense viveu um eterno embate com os moradores de sua cidade natal, Russas, no interior do Estado, ao externar a necessidade de resistir com a sua arte. Já nas telas de cinema, o final parece ser bem mais feliz, com a trajetória do filme de Allan Deberton, "Pacarrete" (2019).
Enquanto os créditos subiam e acenderam as luzes do teatro Glória, em Vitória (ES), não se escutava a trilha final do filme, mas, sim, o som dos aplausos efusivos do público, que lotou a sala para ver o mais novo fenômeno do cinema brasileiro. Depois de vencer oito Kikitos no Festival de Gramado, incluindo melhor filme, e fechar o Cine Ceará 2019 com duas sessões esgotadas, coube a "Pacarrete" abrir o 26º Festival de Cinema de Vitória (ES), na noite da última terça-feira, 24.
O drama cômico segue a tentativa de Pacarrete (Marcélia Cartaxo), ex-bailarina profissional e professora de dança, que quer dar à sua cidade um presente pelos seus 200 anos de fundação: uma apresentação de balé clássico, não apenas assinado, mas interpretado por ela. O recado está iluminado na tela, com uma protagonista que luta por sua arte, que resiste em viver uma realidade a qual não existe mais, e por isso resiste em expressá-la. Em paralelo, acompanhamos também a relação da personagem com a cidade de Russas, e sua família, composta por uma irmã doente e Maria (Soia Lira), que cuida da casa.
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E se há uma cumplicidade e química na tela entre as personagens de Pacarrete (Marcélia Cartaxo) e Maria (Soia Lira), ele é explicada não apenas pelos ensaios e texto sensível do filme, mas vem da vida. “Eu e Marcélia temos praticamente a mesma idade, nascemos e crescemos juntas na mesma rua, em Cajazeiras, no interior da Paraíba. Começamos juntas no teatro ainda crianças, e após uma separação de 20 anos, nos encontramos de novo no cinema”, relembra Soia Lira.
Vista pela cidade do interior simplesmente como uma louca, Pacarrete é uma mulher forte e se mostrou um grande desafio até mesmo para Marcélia Cartaxo, que já havia se consagrado pela atuação de A Hora da Estrela (1985), pelo qual venceu o Urso de Prata em Berlim de melhor atriz.
“Nunca me imaginei assim tão agitada em tela, não tenho esse perfil, mas sempre sonhei em ser uma bailarina, e o cinema me proporcionou isso. Foi um trabalho físico intenso, passei um mês fazendo ballet, tendo aulas de piano de francês. Criamos uma postura, uma forma de andar para a personagem, e a partir da proposta de Allan eu mudei a voz, falei diferente, foi um processo de criação da personagem. Ia experimentando a voz, ia para a rua, falava com as pessoas, mas aí lembrei de uma antiga vizinha minha, e daí saiu a voz rouca de Pacarrete. Fiquei com medo de ficar caricato, fiquei chocada quando vi e ouvi pela primeira vez, me causou estranheza, mas pela recepção, acredito que todo sacrifício tenha valido a pena”, explicou a protagonista.
Para reconstruir uma personagem real em tela, e que poderia cair no caricato para se consagrar ao abraçar a arte como última esperança, Allan Deberton, ele mesmo natural de Russas, pesquisou muito, mas só chegou ao ponto que queria no sexto tratamento de roteiro. “Começamos com uma história muito rígida, focando apenas em fatos biográficos de Pacarrete, que conheci de vista, mas só fui me apaixonar mesmo por ela depois que ela já havia partido. Foi aí que percebemos que precisávamos de uma relação mais sensível, e fomos buscar suas histórias com a Cidade, e encontramos o tom do nosso roteiro quando entramos nas dificuldades de fazer arte hoje em dia. E é algo muito vivo no que vivemos hoje no Brasil, com a criminalização do artista, e aos nos tornarmos seres resistentes, ou seja, somos todos Pacarrete”, pontua o cineasta cearense.
Se para Marcélia Cartaxo, “o mais foi difícil foi manter a voz e a emoção, no mesmo nível, já que a emoção sempre transbordava”, para nós, aqui do lado de cá da tela, como público, é um filme essencial, pelo simples fato de lembrar que a gente não perde o poder de se emocionar com a arte. "Pacarrete" é um filme necessário, e quem fala não sou apenas, mas outros colegas críticos de cinema pelo Brasil:
“Eu não sabia nada sobre a história real do filme e nem sobre a pessoa Pacarrete... E que surpresa! Marcélia Cartaxo domina a tela e o coração de quem estiver assistindo. Mesmo com todas as atitudes duvidosas da protagonista, não tem como não se apaixonar, torcer e sofrer com ela. A comédia e o drama se intercalam de uma forma que há muito tempo não via. Pacarrete, o filme, é pura arte na tela.” (Anne Braune, Canal Like, RJ).
“"Pacarrete" já chega como um clássico do cinema brasileiro. Com uma atuação espetacular da Marcélia Cartaxo e todo o elenco, é um filme de uma sensibilidade única, ao mesmo tempo que mistura comédia e o drama muito bem. Allan Deberton tem uma direção muito sensível ao registrar três personagens tão únicas (Pacarrete, a irmão, e Maria), e costura bem a história da sua protagonista com a cidade de Russas e seus habitantes... É um filme lindo, e um presente para o cinema brasileiro.” (Vítor Búrigo, do CineVitor, SC).
“É um filme que vejo pela terceira vez em um curto espaço de tempo, e é um daqueles raros filmes que a cada revisão, só cresce para mim. Tem camadas e significados, e de construção muito apurada de personagens, pois a gente consegue ver o amor do diretor por sua protagonista, principalmente. Além da interpretação memorável de Marcélia Cartaxo, é uma obra tecnicamente bem construída, de roteiro apurado dramaticamente, e que se vê na tela que foi um filme feito com muito amor. "Pacarrete" funciona na chave da emoção e sensibilidade, e é algo que está faltando para o Brasil de hoje, um país embrutecido e regressivo, por isso precisamos de obras como essa, que nos emocionam.” (Luiz Zanin, O Estado de São Paulo, SP).
“"Pacarrete" é uma relação de puro afeto. Marcélia Cartaxo nos entrega um desempenho singular, que brilha mesmo quando holofote algum lhe procura. Construída com sensibilidade e segurança pelo cineasta Allan Deberton, é um personagem tão irresistível e que mostra o quanto é dona da própria arte, e dela não irá resistir. Um filme necessário do Brasil e muito necessário ao Brasil.” (Robledo Milani, Papo de Cinema, RS).
Confira o trailer do filme:
Outras informações:
A Tenda Musical recebe atrações nacionais e internacionais, incluindo um pocket-show do cantor Johnny Hooker, um show-performance de Rita Cadillac, show da Baiana System, e uma apresentação da multi-instrumentista grega Katerina Polemi;
A Atriz Vera Fischer será uma das homenageadas do ano, e ela receberá na quinta-feira, 26, o troféu Vitória por sua contribuição ao audiovisual nacional;
Após sair da competitiva devido à incompatibilidade de agenda de lançamento e estratégias de exibição, “Espero Tua (Re)volta”, de Eliza Capai, será exibido, em sessão especial de lançamento, na sexta-feira, 27, às 14h;
O viradão cultural de sábado, 28, para domingo, 29, iniciará com show de Zéu Britto (à meia-noite), passando pela 3ª Mostra Nacional de Videoclipes, uma sessão especial com a exibição de “Vitória Delas” e encerra com a 1ª Mostra do Outro Lado - Cinema de Horror e Fantástico, às 6 horas.
Daniel Herculano é membro da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), vice-presidente da Aceccine (Associação Cearense de Críticos de Cinema) e crítico Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). O jornalista viajou a convite do Festival de Cinema de Vitória.
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