Crônica: Caio em si bemol

Caio é hacker, músico e meu amigo.

*por Hamilton Nogueira

Tomei um café com Caio. Mais um. Já foram vários. Devaneamos sobre projetos frios, aquela coisa da cibernética. Ele é hacker. Tem nomes melhores para isso, mas ficarei com o hacker porque impacta. Hacker, sob o ponto de vista de que entender de invasões, porém para evitá-las e ajudar as pessoas.

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Voltando à pauta da nossa conversa, poderíamos fazer isso ou aquilo. Uma plataforma assim, ou assada. Que faz isso ou aquilo. Seria um sucesso, e tal. Ganhar muito dinheiro...aquela coisa... Ficar rico para realizar aqueles sonhos que não precisam de dinheiro para serem realizados e tal.

Mas não vamos ganhar dinheiro algum. Vamos é gastar, com café. Na verdade, estamos lá para quebrar várias semanas de silêncio. Meus 51 anos de idas e vindas, bagagens de muitas viagens, com seus 26 anos de solidão construtiva. Anos em si.

Quando eu tinha os 26 anos do Caio, mergulhei nos quebra-cabeças. Montei vários. Três mil peças espalhadas. Era o algoritmo materializado da minha época. As peças não queriam se encontrar, mas eu ficava tentando encaixá-las, ao som o velho e bom rock. Tentando dar sentido aqueles fragmentos.

Então, como encaixar uma conversa de um sujeito, 51 anos, com um jovem de 26? Música! É que ele toca piano, violão, compõe e eu entendo um pouco de palavras. Mando a letra, ele coloca a música; ele manda a música, ponho a letra. Pois bem, preciso explicar como se faz música antes de dar continuidade. Para construir uma música que vai marcar momentos é preciso uma soma de dois momentos. O momento musical e o momento narrativo.

O primeiro tem como insumo, as notas musicais, os sons emitidos por meio de um domínio, mesmo que básico, de um instrumento. Porque você provoca o instrumento a fim de que ele emita o som. E os sons precisam têm uma lógica, demandam um encadeamento, uma organização que faça um sentido objetivo para quem tem conhecimento subjetivo. Se der certo, teremos a música. Em seguida vem a mensagem, normalmente mais palatável. Você vai fazer a mensagem para encaixar nos espaços adequados da música. O que gera uma necessidade que nos leva ao segundo momento: o domínio das palavras, do vocabulário, do recado a ser dado.

Para o primeiro, tempo, dedicação, errar, errar, errar, até começar a acertar. Trocar horas de vida por tentativa e erro. Ou entender que a vida é justamente aquilo, aquela troca, aqueles erros. Afinal, “Viver é afinar um instrumento”, trouxe-me a dedicatória do meu irmão em um livro com o qual me presenteou. A frase é de uma música de Walter Franco.

Pois bem, quanto ao primeiro, fiz pouco; o segundo, me veio mais natural. Veio-me pelas vozes ouvidas ou lidas de Saramago, Dostoiévski, Machado, Clarice, Florbela, Buarque, Belchior, Elis, Tom e João. Pois está aí, uma das poucas coisas que chegaram com relativa facilidade: a palavra. Foi talvez a única coisa pela qual não paguei grandes preços.

Para esse uso, também há um instrumento, mas ele é inato. Que é a voz que sai pela boca. Ou pela voz invisível que tem no pensamento. E o pensamento do Caio é cibernético apenas até poder tocar a vida fazendo música, sem que precise mais se preocupar com o preço do pão. Juntar dinheiro para viver. Viver e tal. Com palavras, notas musicais, sons, café e tal, em sustenido e bemol.

 

 

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