IA na preservação da Floresta Amazônica
Aplicar inteligência artificial em ferramentas que monitoram a Floresta Amazônica pode ajudar muito na sua preservação.Um animal desliza pela densa vegetação da floresta colombiana no escuro da noite. Escondida no meio da mata está uma armadilha fotográfica que tira rapidamente uma foto. Uma ferramenta de IA chamada MegaDetector identifica e classifica os resultados, agilizando o processo – que costumava levar dias – em minutos. A imagem é então enviada a especialistas em vida selvagem para avaliação.
Essa imagem do animal da espécie Dasyprocta, uma criatura parecida com um roedor, mais conhecida como cutia, poderia ajudar a resolver o quebra-cabeça do desmatamento que assola a Amazônia há anos?
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A Amazônia é a maior floresta tropical do mundo, cobrindo uma área tão vasta que abrange nove países, incluindo a Colômbia e o Brasil. De acordo com o Observatório da Terra da NASA, ela ocupa um território de aproximadamente 6 milhões de quilômetros quadrados. A importância da Amazônia para a saúde geral do planeta, com a absorção de dióxido de carbono, ajudando a regular os padrões climáticos e fornecendo um lar para a flora e a fauna, não pode ser subestimada.
No entanto, o desmatamento continua sendo um problema urgente. De acordo com uma pesquisa da Amazon Conservation, quase 2 milhões de hectares (aproximadamente 5 milhões de acres) da Amazônia foram alvo de desmatamento em 2022, um aumento de 21% em relação ao ano anterior, à medida que as terras são desmatadas para agricultura, criação de gado ou operações de mineração ilegal. Na Colômbia, quase 1 milhão de hectares de floresta foram perdidos em 2022, principalmente em áreas do noroeste, como Caquetá. Se o desmatamento continuar sem controle, pode desequilibrar permanentemente o ecossistema do planeta, afirmam especialistas ambientais internacionais.
Então, como alguém enfrenta um problema tão grande e complexo como tentar reverter o desmatamento em grande escala? Aí entra a IA. Graças ao poder dos dados, aprendizado de máquina, tecnologia em nuvem, ciência de dados e análise aplicada, especialistas estão desenvolvendo programas inovadores e colaborativos que facilitarão o reconhecimento de padrões de desmatamento e fornecerão ferramentas para o poder público usar na criação de planos de ação que possam interromper o curso do desmatamento.
“Precisamos usar a tecnologia e a inovação para pensar fora da caixa e endereçar os problemas que temos”, diz Diego Ochoa, diretor de Assuntos Externos do Instituto Alexander von Humboldt, em Bogotá, Colômbia. “Temos ferramentas poderosas à mão para promover mudanças na sociedade.”
Ochoa e sua equipe na Humboldt uniram forças com várias outras organizações na Colômbia, incluindo o Centro de Pesquisa CinfonIA da Universidad de Los Andes, o Instituto Sinchi e o Microsoft AI for Good Lab para criar o Projeto Guacamaya, que usa os melhores modelos de IA da categoria para monitorar o desmatamento e proteger a biodiversidade do ecossistema. Os algoritmos aplicados permitem que as informações sejam desenvolvidas em um décimo do tempo em comparação com a análise manual.
O Projeto Guacamaya (MACAW em inglês) usa uma mistura de novos modelos de IA para análise de satélites e modelos de IA modificados de projetos já existentes na Microsoft para a análise de armadilhas de câmera e bioacústica. Os bancos de dados são armazenados na nuvem e o grupo está usando as máquinas virtuais e o poder computacional do Microsoft Azure para projetar e treinar os modelos.
“Se pensarmos nas áreas do mundo que precisam ser salvas, uma destas áreas é a Amazônia”, diz Juan Lavista Ferres, vice-presidente e cientista-chefe de Dados do AI for Good Lab da Microsoft. “Esse projeto não vai resolver todos os problemas que a Amazonia tem, mas vai endereçar um que eu acho fundamental: mensurar os danos à Amazônia. Ao fazer isso, podemos realmente começar a resolver o problema.”
O projeto de IA multimodal adota uma abordagem em três frentes para monitorar a Amazônia e desenvolver soluções, combinando dados de satélite, câmeras ocultas e registros acústicos para mostrar resultados aéreos e terrestres, apoiar conservacionistas colombianos e acelerar o ritmo das análises. Isso ajuda todas as partes a obter uma imagem melhor do ecossistema e desenvolver relatórios críticos para órgãos governamentais e organizações de conservação que podem então tomar medidas para reduzir o desmatamento.
“Por exemplo, há uma instituição pública na Colômbia chamada IDEAM que tem a missão de construir mapas que localizam especificamente o desmatamento a cada ano”, explica Pablo Arbeláez, diretor do Centro de Pesquisa e Formação em Inteligência Artificial da Universidade dos Andes. “Eles elaboram manualmente esses resultados, até ficarem perfeitos, porque isso é usado para a estatística oficial da Colômbia sobre desmatamento. Com o processo manual, eles gastam meses de trabalho”.
“Se pudermos produzir modelos com 90% de precisão em vez de 80, reduzimos um esforço de meses para semanas”, acrescenta Arbeláez. “As autoridades podem disponibilizar essas informações ao público em um prazo muito menor. Isso seria um divisor de águas, porque, por exemplo, se você planeja implementar um projeto de conservação, você quer saber quanto carbono é neutralizado no reflorestamento. É necessário ter este mapa para medir e converter o carbono que está sendo neutralizado. Portanto, até para isso, essa informação é fundamental”.
A primeira fase começa do alto, quando os satélites do parceiro de tecnologia Planet Labs PBC fornecem, diariamente, imagens de alta resolução de cada ponto da Terra. O Projeto Guacamaya está desenvolvendo modelos de IA para rastrear rapidamente essas imagens ao longo do tempo, destacando áreas onde o desmatamento ou a mineração ilegais estão ocorrendo. Essas imagens de satélite permitem que as autoridades colombianas e organizações científicas mapeiem facilmente a Amazônia a partir do espaço – uma definição literal do que é ter visão do quadro geral da situação. Um sinal revelador de que o desmatamento ou a mineração estão prestes a ocorrer é a presença de estradas não autorizadas. Se forem vistos em imagens de satélite, as autoridades podem ser alertadas sobre a atividade.
“A capacidade de analisar grandes quantidades de dados é crítica aqui, porque sabemos que é uma floresta tropical que abrange países e milhões de quilômetros quadrados”, disse Arbeláez. “Então, para ter uma visão global da bacia amazônica, você realmente precisa do poder da IA e desses novos modelos”.
O próximo passo é fundamental para a biodiversidade da floresta tropical. Foram colocadas câmeras em toda a Amazônia colombiana. Sempre que as câmeras detectam um movimento, elas tiram uma foto. Uma única câmera pode tirar até 300.000 fotos. Mas ter um pesquisador folheando cada imagem levaria anos.
Assim, os programas de IA ajudam a acelerar o processo. O Departamento de Ciências Biológicas da Universidad de Los Andes contribuiu com 110.000 imagens coletadas nos últimos quatro anos. Com a ajuda da IA, os pesquisadores treinaram um modelo que detecta quais imagens contêm animais e aquelas que não contêm. Agora, apenas 10% das imagens precisam ser validadas manualmente, liberando horas valiosas para outras pesquisas. Além disso, ser capaz de determinar rapidamente quais imagens foram capturadas é fundamental, porque se algo parecer inusitado, pode ser um sinal de mudanças ecológicas que precisam ser abordadas.
“É como uma imagem no tempo”, diz Ochoa. “O monitoramento nos permite ver como plantas e animais vivem e prosperam. Mas, se virmos a espécie errada na câmera, isso é chamado de bioindicador. Por exemplo, se virmos uma ave que normalmente é encontrada na savana e agora está na Amazônia, isso é uma bandeira vermelha. Podemos dizer às autoridades: ‘Estamos recebendo informações de uma espécie que antes não estava nesta área. Há uma mudança no ecossistema’”.
“Essa tecnologia, e os dados que ela gera, permite-nos levar informação aos tomadores de decisão na área de monitoramento para nos auxiliarem, especialmente quando lidamos com espécies invasoras”, acrescentou Ochoa.
O elemento final do Projeto Guacamaya é o som. Usando bioacústica, os pesquisadores podem capturar o som da Amazônia e usar um modelo de IA de áudio para diferenciar sons que são ou não de pássaros , para classificar aves e outras espécies animais. Guacamaya consolida mais de 100.000 sons em 1.000 gravações para ter uma linha de base e, em seguida, treina um modelo para detectar os diferentes sons e classificá-los. Isso ajuda os cientistas a obterem identificação de aves com confiabilidade acima de 80%, o que é um marco importante, considerando que existem mais de 2.000 espécies de aves na Colômbia.
“O uso da tecnologia nos permite diminuir o custo da pesquisa de campo”, diz Ochoa. “Para alguém ouvir a biodiversidade durante três meses, é algo custoso. Essa tecnologia nos permite fazer isso de uma maneira econômica.”
Proteger a floresta amazônica é uma questão de grande escala que nenhuma organização ou entidade pode enfrentar sozinha. A colaboração é uma parte crítica do Projeto Guacamaya, com vários grupos se reunindo para trazer sua própria experiência para a mesa e, em seguida, criar modelos que possam ser usados em todo o país e na região para o bem maior.
“Nosso objetivo aqui é reunir todos na mesma sala e trabalhar em conjunto para o bem comum, porque cada um dos parceiros e instituições pode ter um papel complementar no projeto”, reforça Arbeláez. “Para proteger a maior floresta tropical do mundo dos efeitos das mudanças climáticas, é necessário um esforço conjunto de todos os países que têm participação na Amazônia. Esperamos realmente que os líderes da região e todos os nossos vizinhos da América Latina tomem este projeto para si”.
No Brasil, onde os efeitos do desmatamento e da mineração na Amazônia têm sido mais proeminentes, uma colaboração entre a Microsoft, a organização ambiental Imazon e a Fundação Vale, instituição sem fins lucrativos, chamada PrevisIA também está abordando o problema usando tecnologia.
A plataforma PrevisIA usa a IA da Microsoft para analisar dados e imagens de satélite para prever e monitorar o desmatamento na Amazônia brasileira. O Imazon usa imagens de satélite e as armazena na nuvem do Azure, onde algoritmos de IA detectam estradas não oficiais e outros fatores de risco de desmatamento. O resultado é um mapa interativo, destacando as áreas de risco. Essas informações são usadas para apoiar a tomada de decisões para proteger a floresta tropical.
“Usamos a PrevisIA para antecipar as áreas de risco e implementar ações para evitar o desmatamento”, explica Carlos Souza, pesquisador sênior do Imazon. “Quando as pessoas vão para a região trabalhar, a floresta ainda está lá, em vez de receber o alerta de desmatamento e ir ao campo para descobrir que a floresta já se foi. Essa é a verdadeira motivação”.
À medida que os dados e resultados do Guacamaya e da PrevisIA continuam aumentando e sendo refinados, o objetivo é que outros países repliquem esses projetos para ajudar a proteger a Amazônia em seus territórios.
“Todos os modelos que faremos serão de código aberto”, diz Lavista Ferres. “Idealmente, quando terminarmos esses modelos, podemos olhar para o Equador e para o Peru e dizer: ‘Temos isso. Podemos nos conectar e ver como vocês podem usá-los?’”
Na Colômbia, a esperança é que, ao mostrar o poder da IA e apresentar dados fáceis de serem compreendidos, a população entenda melhor a importância de proteger a Amazônia não apenas para os dias atuais, mas também para as gerações futuras.
“Uma das coisas que queremos fazer aqui é uma transformação da sociedade”, explica Ochoa. “Somos um país mega diverso, mas nossa economia é baseada no uso de matérias-primas. Os dados e informações que esse projeto está gerando vão ajudar a nossa sociedade a se inspirar no que é a biodiversidade”.
“Não se trata apenas de monitoramento, inteligência artificial ou gerar um artigo científico”, ressaltou Ochoa. “Precisamos inspirar a sociedade e, com esse tipo de projeto, usando tecnologia, inovação e IA, esperamos inspirar os colombianos a mudar a maneira como pensam sobre a biodiversidade e a natureza. Isso vai ajudar as pessoas a se aproximarem do que temos nessas áreas”.
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