Felicilab: acerca do design que nos cerca
Esse texto é sobre o Felicilab, mas também sobre design, função do estado, abstração, tecnologia, felicidade e outras questões que demandam tempo para entendimento.Sabe a expressão, meio pedante, meio reativa, “quer que eu desenhe”? Sai como uma lufada agressiva em cujo interior está a revolta de ser incompreendido. É que desenhar traz algo de infantil. É um processo de criação e comunicação em que um vasto espaço em branco se vê seduzido pelo arrastar de um lápis. Daí surgem famílias, casas, céu, sol, a lua, um guarda-chuva e uma infinidade de respostas para os sonhos, para as expectativas, para as explicações necessárias, de maneira fácil. Como alguém não entenderia uma espaçonave?
A espaçonave se dá a partir da linha que separa tudo. O que é árvore está dentro da linha da árvore. O que é chão está abaixo da linha do chão. Curvas infinitas geram uma bola, que para ser de futebol, basta que alguém ali coloque os gomos. Desenho portanto é design, que já há muito deixou o mundo das coisas e chegou ao planeta dos processos, dos fluxos, do papel das pessoas, da função das instituições. Delimitando, explicando, organizando.
É + que streaming. É arte, cultura e história.
“Embalagem vende”, ensinou-me uma amiga publicitária, mas a venda também depende de um design por meio do qual se compreenda o que está em jogo desde a retirada da matéria prima até a manufatura do objeto, e em seguida pelo funcionamento de cada profissional que pegará aquele produto e dará a destinação correta. Nesse momento esse desenho se conecta com o desenho tributário do estado onde ele está sendo produzido e comercializado. Se o produto for um fármaco ou uma arma de fogo, imagine aí outros desenhos complexos que precisarão chegar junto.
Foi no Felicilab (Laboratório de Inovação no SUS do Ceará), na manhã de uma terça-feira, que tudo acima se conectou com a função do estado, tecnologia, políticas públicas e muito mais. O Felicilab é uma instituição especializada em design e a essa altura já não preciso explicar que o termo está sendo usado no sentido macro, portanto não peça para que eles produzam um card. Mas pode pedir para que expliquem o que desenvolvem sobre governança corporativa, árvore de problemas e melhoria colaborativa. É ligada à ESP (Escola de Saúde Pública), abriga 22 colaboradores, sendo 3 doutores e 6 mestres. Surgiu em 2019, mas brotou em 2020.
Em conversa com Uirá Porã que é Coordenador do Laboratório; Jorge Godoy, Designer de Serviços e Ranielder Freitas, Líder de Design, eu pude conhecer o Mapa da Saúde, o IDSaúde e muito da forma como pensa um design voltado para serviços públicos. Caso você ainda tenha dúvida do que se trata, vou dar um exemplo. Pensemos em quando uma criança nasce. Ele precisará de documentos do hospital. Ao sair de lá, precisará de documentos de um cartório. Anos à frente, documentos da escola. Mais a frente dos serviços militares. Da faculdade, da Receita Federal, do Departamento de trânsito, do município onde reside e muito mais. Dados, informações e papéis, todos fragmentados pelas muitas instituições que compõem o estado.
Os meus três interlocutores em poucas telas desenham soluções para minimizar esse transtorno, os gastos inerentes, o tempo perdido, a ineficácia de tanto processo. Se todo mundo passa por isso, porque esse desenho de emissão de documentos e interdependência de informações entre instituições não é mais automatizado? O que traria economia e felicidade - esta, por que não, uma nova função para o estado?
Em um informativo que tive acesso, há três pilares interessantes no trabalho do Felicilab: “os problemas são nossa matéria-prima”, “o seu problema também é nosso” e um compromisso em formar um “banco público de problemas validados por dados e pessoas reais”. Peço atenção para o pessoas reais. É que um dos “papéis” sobre os quais nos detivemos mais demoradamente havia no centro uma gravura representando o cidadão, a cidadã. Ou seja, eu e você. Um trabalho bem concebido nessa área tem como princípio e fim, as pessoas. E isso não é pouco. A pessoa se beneficia, a pessoa fiscaliza, a pessoa se apropria.
No entanto há uma contradição que enriquece essa seara. O design aplicado ao serviço retira dos problemas a energia para viver. É sua seiva. Por óbvio, deveria se fortalecer infinitamente, não fosse exatamente um problema que implode essa lógica: o nível de abstração do trabalho que é entender o fluxo de necessidade das pessoas trabalha com o invisível. Então como ser percebido?
Não é de hoje que serviços ruins, chamam a atenção, geram debates, leis e mudanças, ao passo que aqueles serviços que funcionam, resultam em silêncio. Estar feliz não nos leva ao email da ouvidoria do estado. Estar feliz nos leva à praia, isto é, se o design da cidade deixar.
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