Corpos reais na tela: quarentena traz reconexão e rede de apoio
Um ideal de corpo após o isolamento social - período de mudanças em diversos aspectos - pode ser prejudicial como referências de perfeição. Entenda os pontos prejudiciais e conheça perfis que apoiam a temática de "corpos reais em tela"
13:36 | Out. 07, 2020
O Instagram comemora seus dez anos diante de um contexto muito particular do novo coronavírus. Entre as publicações durante a quarentena com a hashtag #beautiful - uma das mais utilizadas na plataforma -, discursos sobre gordofobia e outras mobilizações sociais relacionadas à estética padrão na sociedade foram aos poucos constituindo o seu espaço.
Os “perfis reais” mostram diversas situações do cotidiano e subvertem magreza, prática extrema de exercícios e outras ações nada positivas de serem consumidas durante o isolamento. O debate sobre um possível “corpo de quarentena” - ligado ao ganho de peso durante o distanciamento social - foi tema de diversos conteúdos da influencer cearense Stephanie Reis.
Em apresentação pessoal, ela define-se como “social mídia, produtora de moda e mulher gorda”. Stephanie já desenvolvia conteúdos sobre gordofobia e sua rotina diária ligada à moda fat fashion no Instagram, mas foi durante a quarentena em que percebeu que ainda precisava falar mais. “Havia casos de gordofobia acontecendo o tempo todo, todo mundo falando sobre peso e sobre como iríamos ficar depois da quarentena. E eu falei que não ia ficar por isso”, destaca.
A influencer desenvolveu diversos vídeos relacionados à temática durante o isolamento, também criticando o sensacionalismo por parte da mídia em algumas matérias envolvendo a obesidade e a Covid-19. "Passou a ser algo baseado em medo, onde as pessoas gordas se sentiam pior ainda por novamente serem tratadas como doentes. As pessoas que estavam em casa 'comendo e achando que iam engordar' também ficaram mais comovidas", conta.
Além dos conteúdos de entretenimento, Stephanie passou a trazer vídeos informativos sobre a doença e também relacionados à saúde mental em seu perfil. A rede social da cearense possibilitou a criação de uma rede de apoio entre mulheres gordas durante o isolamento. “Foi como um respiro”, conta.
"Se você tiver que contar calorias em tudo que consome, fazer exercícios sete dias da semana... talvez esse corpo que você está fazendo tudo isso para se punir não seja seu corpo. Vamos repensar, você não precisa disso". A frase é de Ellen Valias, criadora do Instagram @atleta_de_peso e do Rachão Basquete Feminino, grupo que reúne mulheres em quadras de São Paulo.
A influencer diariamente posta conteúdos de exercício físico e contrariam gordofóbicos sobre o estereótipo de que gordos não podem praticar atividades físicas. Apaixonada pelo basquete, Ellen sempre esteve ligada à área esportiva e hoje mantém um Instagram focado em exercícios, autoestima, gordofobia e assuntos relacionados a negritude.
“É muito importante pessoas gordas verem pessoas gordas se exercitando. Isso salva vidas e traz alívio pra quem ainda não entendeu que tem o direito de movimentar o corpo”, explica em uma postagem de seu perfil.
Quando o padrão estético torna-se prejudicial
Afinal, por que há o culto a padrões estéticos quase inalcançáveis? Desde a infância, é normal formarmos critérios de autoavaliação. Dentro destes, há uma impasse entre quem nós somos X quem desejamos ser - esse é um dos pilares que permeiam a construção da nossa autoestima, junto a imagem corporal e outros fatores externos.
"Experiências com bullying geram uma avaliação negativa de si, influenciam em outros aspectos da saúde mental e são fator de risco para desenvolvimento de depressão e outros transtornos alimentares", exemplifica a psicóloga Thaís Castro, no qual há oito anos trabalha com a temática em atendimentos particulares.
O uso do Instagram possibilita a percepção a partir do olhar do outro e há o risco de não nos reconhecermos devido ao uso de tantos filtros e efeitos disponíveis na plataforma. Apesar de adaptações na rede - como a retirada da visualização de curtidas -, ainda há a construção do que Thaís chama de "Espetáculo virtual". "Ainda há um padrão muito forte de uso, que é movido pelo desejo de sermos olhados, valorizados, desejados. Parecer ser e parecer ter infelizmente vale mais que ser ou ter, de fato", conta.
Por isso a importância de postagens "reais" ou sem filtros. Elas são fundamentais para diminuir a insatisfação corporal entre os seguidores e usuários do Instagram, pois visualizam que corpos perfeitos e vidas perfeitas de fato não existem. Foi com a plataforma, inclusive, que Stephanie Reis conseguiu se identificar como uma mulher gorda.
"Eu me via totalmente perdida, não via ninguém parecida comigo no mundo. E aí eu fui atrás dessas mulheres e vi que elas tinham o corpo parecido com o meu. O Instagram foi uma grande ferramenta quando comecei esse meu processo de aceitação", relembra.
Mas a variedade de perfis na rede social pode ser um fator de risco para alcançar corpos ilusórios. Um mesmo feed de notícias que agrega publicações de receitas culinárias, perfis de docerias e restaurantes também reúne fotos de amigos praticando exercícios físicos ou de blogueiras fitness.
"Essa oscilação de estímulos em tantas mensagens divergentes pode gerar mal estar, aumento do sofrimento e agravamento das relações com a comida", explica Thaís. O primeiro afetado é o corpo e surge quando a pessoa se olha no espelho e aquela imagem refletida não é a que é elogiada pelos outros.
O ciclo pode se repetir diariamente, de acordo com o uso do Instagram. A partir disso emoções e sentimentos ruins surgem como consequência, sendo fundamental pedir ajuda profissional para conseguir estabelecer um bem estar. "Devemos sempre questionar que "padrão magro" é esse que a mídia insiste em nos fazer acreditar", aponta Thaís.
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Perceber as modificações da rotina é muito importante para construir um equilibrio entre autoimagem e autoestima antes de recorrer a procedimentos estéticos favorecidos pelas postagens em redes sociais. "O corpo ideal nunca existirá para pessoas que se avaliam de maneira depreciativa, reforçando a ideia de que sempre há algo errado com o seu corpo", explica. "Mesmo após executar procedimentos ou alcançar a meta estabelecida, persiste o sentimento de insatisfação consigo mesmo. Não há nada errado em praticar atividades físicas ou recorrer a cirurgias plásticas para conseguir sentir-se bem, desde que a pessoa esteja emocionalmente bem também".
Confira alguns perfis "reais" do Instagram:
Joan MacDonald
Bielo Pereira
A apresentadora traz bastante conteúdo sobre beleza e moda focada em corpos gordos e LGBTQI+.
Projeto Mulheres Reais
O perfil traz ilustrações retratando o dia a dia delas de uma forma bem divertida e informativa.
Sarah Nicole Landry
A jornalista e escritora segue a premissa de inspirar mamães após o parto.
Stephanie Rios
A influencer traz diariamente dicas sobre sua rotina de beleza de uma forma saudável e acessível.
Danae
Andressa Almeida
A psicóloga traz diversos vídeos sobre amor próprio e outras reflexões ligadas à vida.
Lílian Sá
A brasileira traz questionamentos sobre vida à dois, maternidade e padrões estéticos ainda pregados.