Autismo e seletividade alimentar: como lidar? Especialistas explicam
Condição é comum entre autistas e deve ser abordada corretamente. Profissionais indicam como proceder nesses casos
Uma condição bastante comum entre as pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) é a seletividade alimentar, o que pode ser um desafio para a alimentação e nutrição adequada. Ter alimentos totalmente rejeitados por fatores como textura ou até a cor pode ser um indício de seletividade.
Você sabe lidar com isso? O POVO conversou com profissionais para esclarecerem o assunto. Confira.
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Seletividade alimentar é comum em crianças?
Gabrielle Sampaio, psicóloga especialista em análise do comportamento, aponta que, conforme estudos, entre 50% e 80% das crianças com TEA apresentam algum grau de seletividade alimentar.
A profissional também indica que os motivos para essa seletividade estão frequentemente relacionados a:
- questões sensoriais,
- dificuldades na flexibilidade cognitiva e
- experiências anteriores negativas com a alimentação.
Existe tratamento para a seletividade alimentar?
Gabrielle comenta que existem tratamentos e intervenções eficazes para a seletividade alimentar, os quais podem fazer uma criança ampliar sua aceitação de alimentos ao decorrer do tempo.
“No entanto, o sucesso desse processo depende de diversos fatores, como a intensidade da seletividade, a abordagem utilizada e principalmente o engajamento com a família”, complementa.
Quem também fala sobre o assunto é a nutricionista Joice Mazzini. Ela afirma ser importante aplicar estratégias para incluir e aproximar novos alimentos, trabalhando uma terapia alimentar.
Isso pode ajudar a reduzir ou até reverter a seletividade, mas a profissional enfatiza que cada caso é diferente e deve ser acompanhado profissionalmente.
A seletividade alimentar pode atrapalhar o desenvolvimento infantil?
A seletividade pode atrapalhar o desenvolvimento de crianças, tanto nutricional quanto socialmente. Por isso, é importante buscar tratamento adequado para a condição.
Gabrielle especifica que o impacto varia de acordo com o grau de seletividade, os alimentos que a criança aceita e a forma como a situação é conduzida pela família e profissionais envolvidos.
“A falta de certos nutrientes pode afetar a concentração, a memória e o aprendizado, dificultando o desempenho escolar. Alterações no microbioma intestinal, associadas a uma dieta restrita, podem influenciar o comportamento e o humor, aumentando sintomas de irritabilidade e ansiedade”, destaca.
A profissional também ressalta que se a criança é forçada a comer ou criticada por sua seletividade, pode passar a ter ansiedade alimentar, tornando estressantes os momentos de refeição.
A nutricionista Joice Mazzini diz que a desnutrição é quase certeira em crianças com seletividade. Completa seu raciocínio afirmando que criança desnutrida não responde a terapias e que todo corpo precisa de uma nutrição adequada, de preferência sem adulterações como conservantes, corantes ou substâncias tóxicas.
“Se a criança não ingere nutrientes que produzem neurotransmissores responsáveis por comportamentos e emoções, como vai se desenvolver?”, pergunta.
"Neurotransmissores são responsáveis também por funções cognitivas, pelo crescimento e pelo desenvolvimento do ser. Se já temos um corpo neurodivergente, precisamos dar suporte para que ele tenha substrato nutricional ideal"
Joice Mazzini, nutricionista
Seletividade alimentar: o que fazer quando a criança vai a outro ambiente?
Em caso de a criança sair do seu ambiente de segurança, alguns problemas podem surgir — e existem formas de lidar com isso.
Para momentos de interação na casa de amigos da criança, por exemplo, Gabrielle defende que é essencial preparar tanto a criança quanto os adultos ao redor para evitar situações desconfortáveis.
“Explique de forma simples e objetiva para a criança que pode haver alimentos diferentes do que ela está acostumada naquele local. Use frases como: ‘Talvez tenha comidas que você não conhece, e tudo bem se você não quiser comer. Podemos pensar em uma alternativa’”, instrui a psicóloga.
Tanto a psicóloga como a nutricionista alertam ser importante que a família que receberá a criança saiba da condição e procure lidar tranquilamente. Assim, um momento leve terá menos chances de se tornar uma situação de crise.
“Envie um lanche ou uma opção que a criança coma sem dificuldades. Se for algo que a família anfitriã possa servir sem problemas, melhor ainda. Combine com a criança para que, se ela não gostar da comida disponível, coma o que levou sem se sentir mal ou envergonhada”, sugere Gabrielle.
VEJA sinais que ajudam a identificar autismo em crianças
Seletividade alimentar: qual a abordagem correta dos responsáveis?
Por entender os perigos da desnutrição na infância, Joice enfatiza que essas crianças possuem necessidade de assistência dos pais ou responsáveis para reduzir os danos que a seletividade alimentar pode causar.
Gabrielle traz outros olhares para o tema e também dá dicas do que fazer para lidar com a condição:
“A seletividade alimentar no autismo não é frescura, nem uma simples teimosia da criança. Trata-se de um comportamento frequentemente relacionado a dificuldades sensoriais e rigidez cognitiva. Portanto, a forma como os pais lidam com essa questão pode facilitar ou dificultar ainda mais a alimentação”, reflete a psicóloga.
Ela também dá encaminhamentos práticos, como: nunca forçar a criança a comer, para não criar uma associação negativa com os alimentos e gerar ainda mais recusa.
"Exponha o alimento de forma gradual e sem pressão. Deixe-o visível no prato ou na mesa sem exigir que a criança o coma imediatamente "
Gabrielle Sampaio, psicóloga
A profissional também defende que comida não é “moeda de troca” e não indica frases como “se você não comer, vai ficar sem brinquedo”.
É importante incluir a criança no preparo dos alimentos, mesmo que seja apenas mexendo uma colher, pois “isso ajuda a reduzir a resistência e aumenta o interesse pela comida”.
“Devemos ter paciência e entender que a seletividade alimentar no TEA exige estratégias, tempo e acompanhamento adequado. Pequenos avanços devem ser comemorados, e a alimentação deve ser um momento positivo, sem punições ou imposições”, finaliza.
Em todos os casos, o acompanhamento profissional é essencial. Procurar apoio tanto para a criança quanto para quem cuida dela é um passo importante para entender as peculiaridades da comdição e lidar da melhor forma possivel.