Meningoencefalite amebiana: o que é doença rara que deteriora o cérebro?

Conheça os sintomas da condição, como ela pode ser desenvolvida, letalidade e sua relação com a ameba ‘comedora’ de cérebros

20:52 | Dez. 13, 2024

Por: Penélope Menezes
Meningoencefalite amebiana primária: entenda relação da doença com ameba comedora de cerébros (foto: BUDDHI Kumar SHRESTHA/Unplash)

Um caso de meningoencefalite amebiana primária (MAP) foi confirmado em Caucaia, Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). A vítima, uma criança de 1 ano e 3 meses, morreu em 19 de setembro, cerca de sete dias após o início dos sintomas, incluindo febre, sonolência, irritabilidade e vômito.

A condição é causada pela Naegleria fowleri, popularmente conhecida como “ameba comedora de cérebros”. Ao entrar em contato com a pessoa infectada, ela é capaz de destruir o tecido cerebral.

A contaminação da criança, possivelmente, ocorreu pelo contato de água não tratada com suas narinas durante o banho ou lavagem do rosto.

Anteriormente, o único relato na literatura científica do Brasil sobre casos de meningoencefalite amebiana em humano causada por Naegleria sp. ocorreu em 1975, no estado de São Paulo.

Entenda os sintomas da meningoencefalite amebiana e as principais características da doença.

Meningoencefalite amebiana primária: o que é?

A meningoencefalite amebiana primária (MAP) é descrita como uma infecção rara que ocorre por via nasal, através da inspiração, inalação e aspiração de água pelo nariz, com maior frequência durante o mergulho.

É a partir das narinas, segundo informe da Secretaria Estadual da Saúde do Ceará (Sesa), por meio da Secretaria Executiva de Vigilância em Saúde, que a ameba Naegleria fowleri migra pelo nervos olfatório até o cérebro.

É preciso destacar que Naegleria fowleri não é transmitida pela ingestão de água contaminada. Além disso, também não pode ser transmitida de pessoa para pessoa.

Naegleria fowleri: a ameba ‘comedora’ de cérebros

Naegleria fowleri faz parte de um grupo que conhecemos como amebas de vida livre (ou AVLs), que estão presentes em diversos ambientes e que são quase sempre inofensivas. Poucas espécies de AVLs podem causar infecções em humanos e N. fowleri é uma delas”, explica a professora Adriana Oliveira Costa, bióloga e doutora em Ciências na área de Parasitologia pela UFMG.

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Atuando há 20 anos em pesquisa com amebas de vida livre com potencial patogênico, Adriana Costa descreve que, geralmente quando o indivíduo inala a água ou gotículas contendo as amebas, estas entram pelas narinas e as formas de N. fowleri (chamadas de trofozoítos) se movimentam na mucosa até chegar a ramos dos nervos olfatórios.

“Estes nervos passam por uma placa óssea do nariz, comunicando com o cérebro, onde as amebas conseguem chegar causando a meningoencefalite. Durante este processo, elas vão se dividindo e aumentando em número, causando destruição no tecido cerebral”, adiciona. “Infelizmente, as células de defesa do organismo humano não conseguem conter a sua multiplicação”.

Meningoencefalite amebiana primária: sintomas

Em sua nota técnica, a Secretaria Executiva de Vigilância em Saúde do Ceará (Sevig) destaca que os sintomas iniciais são inespecíficos. Nesse caso, podem ser apresentados como dor de cabeça, febre, náusea e vômito.

Na progressão dos sintomas, considerada rápida, verifica-se rigidez nucal, desorientação, convulsões e coma.

Como é feito o diagnóstico?

“A suspeita da MAP é difícil de ser estabelecida incialmente. Geralmente se investiga outros tipos de meningoencefalites, até mesmo iniciando o tratamento para outros agentes. Não há um protocolo específico justamente por ser uma infecção incomum”, detalha a bióloga.

Um sinal de alerta pode ser acendido nos casos em que o paciente apresenta desconforto nasal ou sinusite após nadar ou ter contato com fontes aquáticas.

“Alguns testes podem ser feitos com o líquido cefalorraquidiano (LCR), depois de realizar a punção ou retirada deste material biológico do paciente suspeito”, indica Costa.

O material é levado para análise laboratorial e o profissional faz a identificação por microscopia, cultura ou por PCR, esta última analisando o DNA obtido da amostra.

“Um problema atual é que, devido à raridade da infecção, os serviços laboratoriais não estão preparados para realizar e retornar o resultado rapidamente”, reflete a profissional. “É por isso que a maior parte das identificações são realizadas após a morte”.

Existem alguns casos de MAP identificados e tratados com sucesso, mas a maior parte se localiza nos Estados Unidos.

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Meningoencefalite amebiana primária: risco de exposição

A professora Adriana Costa destaca que a maioria dos casos de MAP são de pessoas que nadaram ou mergulharam em coleções de água doce, como rios, lagos, lagoas e até piscinas sem cloração adequada.

“Desta forma, uma medida de redução de risco seria não submergir a cabeça durante atividades recreativas, principalmente em água doce e de maior temperatura, evitando a entrada de água pelas narinas”, alerta.

Um outro comportamento de risco detalhado por Costa está em “mergulhar em lagos ou locais com água mais estagnada”, levantando ou agitando o sedimento do fundo.

“Alguns casos registrados apontam a lavagem nasal como uma fonte de contaminação. Assim, este procedimento só deve ser feito com solução fisiológica ou água esterilizadas, nunca com água de fontes naturais ou de torneira”, diz.

Meningoencefalite amebiana primária: letalidade

Quando as amebas infectam o ser humano, liberam enzimas e outros componentes que ajudam a destruir o tecido, além de englobarem as células cerebrais. “N. fowleri é considerada uma espécie termofílica, ou seja, é capaz de se desenvolver em temperaturas altas, de 42º C a 46º C, diferentemente das outras AVLs”, indica a professora.

É essa resistência às temperaturas mais altas que se torna um fator capaz de influenciar na sua sobrevivência no corpo humano, mesmo em estado febril (acima de 37º C).

Quanto à mortalidade da doença, Costa reconhece ser “de, fato, bem alta, atingindo 95% a 98% dos casos”. Entre os fatores que podem contribuir para este quadro, está “a rápida capacidade multiplicação das amebas”, que leva a uma evolução acelerada a partir dos sintomas neurológicos, com a morte ocorrendo, em geral, de três a sete dias.

“E como os sintomas são parecidos aos de outras meningoencefalites, é comum que o diagnóstico, e consequentemente, o tratamento, não sejam realizados a tempo”, explica.

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Meningoencefalite amebiana primária: avanços científicos

O número anual de trabalhos publicados sobre N. fowleri no PUBMED, principal plataforma de busca de trabalhos científicos de área biomédica, aumentou muito nos últimos 10 anos, segundo indicação da professora associada na Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Adriana Oliveira Costa.

O acréscimo pode representar, avalia a profissional, “uma preocupação crescente dos cientistas sobre estas amebas e sobre a MAP”.

“Quando se alcança o diagnóstico da MAP, o tratamento é realizado com uma combinação de antifúngicos e antibióticos. Há estudos buscando avaliar se medicamentos usados para outras doenças, em uma estratégia de reposicionamento, são efetivos contra N. fowleri”, relata.

Alguns casos de sucesso no tratamento, por exemplo, foram alcançados com a adição de um medicamento antitumoral, a miltefosina, no esquema terapêutico.

Outro ponto levantado pela pesquisadora é o monitoramento de espécies de AVL no ambiente. “Alguns pesquisadores no Brasil têm se dedicado a este tópico. Saber onde estão os focos de colonização de N. fowleri no ambiente pode auxiliar a prevenir as infecções”.