Hepatite: conheça a 2ª doença infecciosa que mais mata no mundo

Lívia Carone, médica hepatologista, explica em detalhes os diferentes tipos de hepatite, como prevenir e tratar a doença

00:02 | Set. 24, 2024

Por: Alexia Faustino
Hepatite é a segunda doença infecciosa que mais mata no mundo (foto: Pexels/Lespa)

Segundo dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), infecções virais por hepatite B e C matam 3.500 pessoas por dia em todo o mundo.

O estudo também aponta a doença como a segunda principal causa de morte por infecção, com 1,3 milhão de mortes por ano, empatando com a tuberculose.

Com o aumento de 18% dos casos de hepatites virais entre 2019 e 2022 em 187 países, é importante conhecer os tipos da doença, suas causas, sintomas e tratamentos.

Lívia Carone, hepatologista do Centro do Fígado e médica assistente do Serviço de Transplante Hepático do Hospital Universitário Walter Cantídio, explica em detalhes cada tipo de hepatite, como prevenir e tratar a doença.

O que é hepatite?

Hepatite é a inflamação do fígado, órgão responsável pela filtragem e eliminação de toxinas do organismo.

Essa condição pode ser causada por vírus, consumo excessivo de álcool, má alimentação, abuso de substâncias medicamentosas ou por doenças autoimunes, podendo evoluir para cirrose, câncer ou até mesmo exigir um transplante de fígado com urgência. 

É a partir de cada uma dessas causas, que são identificados os diferentes tipos de hepatite, classificados como virais, autoimune, medicamentosa e esteatose hepática. Conheça cada um deles e saiba como prevenir.

Hepatites virais tipos A e E

Transmitidas por via oral-fecal, ou seja, por meio do consumo de alimentos e água contaminados, o tipo A é uma das hepatites virais mais comuns no Brasil, enquanto o tipo E é mais comum em países asiáticos e africanos.

Conforme o Ministério da Saúde, apesar de ser uma doença de caráter benigno na maioria dos casos, o risco de letalidade da doença e a ausência de sintomas, podem aumentar com a idade, o que torna mais difícil o diagnóstico e tratamento.

Logo, Lívia Carone alerta que “as hepatites causadas por vírus podem ter muitas vezes um início silencioso e depois evoluir com sintomas inespecíficos.” Dentre eles estão fraqueza, mal-estar, náuseas, vômitos, febre, dor abdominal e icterícia (pele e olhos amarelados).

O paciente também pode não apresentar nenhum sintoma até que seu quadro evolua para uma cirrose hepática. Neste caso, os sintomas que aparecem geralmente são mais graves, como líquido na barriga, sangramento digestivo, desorientação e outros.

Qual o tratamento para as hepatites A e E?

Os tipos A e E não tem um medicamento específico para o tratamento. Dra. Lívia explica que “o curso da doença geralmente é autolimitado, ou seja, acontece, apresenta os sintomas e logo passa.”

Por isso, a abordagem deve focar no alívio e controle dos sintomas, para que a doença não avance.

Ela também alerta que, caso a doença não seja controlada ou caso o paciente tenha idade mais avançada, o tipo A pode evoluir para um quadro de hepatite fulminante, quando apenas o transplante é a solução.

A hepatite E também pode se desenvolver a ponto de resultar em uma hepatite fulminante, principalmente em mulheres grávidas.

Como prevenir as hepatites A e E?

De acordo com o Ministério da Saúde, ambas podem ser prevenidas por meio de cuidados básicos de higiene. Confira algumas medidas que ajudam a prevenir a contaminação pelos vírus HAV e HEV:

  • Lavar as mãos com frequência, principalmente ao sair do banheiro, ao trocar fraldas e antes do preparo de alimentos;
  • Higienizar legumes e verduras corretamente, deixando-os em uma solução de água e hipoclorito de sódio ou água sanitária por pelo menos 15 minutos;
  • Lavar alimentos crus com água clorada ou fervida e deixá-los de molho por pelo menos 30 minutos;
  • Cozinhar bem os alimentos, principalmente frutos do mar, peixes e mariscos;
  • Lavar adequadamente copos, pratos, talheres e mamadeiras;
  • Evitar tomar banho ou brincar perto de valões, riachos, chafarizes, enchentes ou locais com esgoto;
  • Usar preservativos em todas as relações sexuais;
  • Não compartilhar objetos de uso pessoal, como lâminas de barbear, escovas de dente, alicates de unha, material para tatuagem e piercings, e equipamentos para uso de drogas;
  • Realizar o pré-natal e exames para detectar hepatites, HIV e sífilis, disponíveis no SUS.

Hepatites virais tipos B e D

Transmitidas por  meio de fluidos corporais, do contato com o sangue contaminado ou por meio de secreções durante o parto, ambas podem evoluir nas formas aguda ou crônica.

A hepatite D, por sua vez, é uma superinfecção em uma pessoa que seja portadora do vírus da hepatite B. Portanto, o tratamento é o mesmo para ambos os tipos.

Qual o tratamento para as hepatites B e D?

Segundo Lívia Carone, pessoas diagnosticadas com esses tipos de hepatite podem passar anos em tratamento, ou até mesmo, a vida inteira.

De acordo com a médica, isso acontece porque “o tratamento controla o vírus mas, não o mata em definitivo”. Dessa forma, a abordagem tem como foco evitar a cirrose, o câncer e morte.

O tratamento é realizado em via oral, a partir de antivirais a serem utilizados por pelo menos 6 meses para a hepatite B e pelo menos um ano para o tipo D.

Como prevenir as hepatites B e D?

Carone indica como prevenção da doença a imunização contra o tipo B, uma vez que o paciente só há risco de infecção pelo tipo D caso o paciente já esteja infectado pelo tipo B.

Além disso, a médica recomenda alguns cuidados, como:

  • Sempre fazer o uso de preservativos em relações sexuais;
  • Evitar compartilhar objetos pessoais como barbeador e alicate de unha;
  • Procurar profissionais que utilizem materiais descartáveis ou que trabalhem com objetos esterilizados, como manicures, tatuadores e body piercers.

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Hepatite viral tipo C

Esse tipo de inflamação do fígado é causado pelo vírus HCV e pode evoluir para as formas aguda ou crônica, dificilmente apresentando sintomas.

Ao contrário do que muitos pensam, a hepatite C não tem transmissão por compartilhamento de objetos como copos e talheres, uma vez que o vírus é transmitido via contato com sangue contaminado.

Qual o tratamento para a hepatite C?

Hoje em dia o tratamento é mais simples e eficaz do que há alguns anos. Lívia Carone lembra que na década de 90, por exemplo, o tratamento era prolongado e muito tóxico para o organismo, além de ter uma taxa de sucesso muito baixa.

Hoje em dia, a hepatite C é tratada por meio da ingestão de um comprimido por dia, pelo período de três meses, e tem uma taxa de cura maior que 90%.

Como prevenir a hepatite C?

Ao contrário dos demais tipos, ainda não existe uma imunização disponível para a hepatite tipo C. No entanto, segundo o Ministério da Saúde, existem medidas que podem evitar a contaminação do vírus VHC, confira:

  • Não compartilhar objetos que possam ter entrado em contato com sangue, como seringas, agulhas, alicates, escovas de dente, lâminas de barbear, lixas de unha e espátulas;
  • Usar preservativos em todas as relações sexuais;
  • Não compartilhar objetos usados para o consumo de drogas;
  • Evitar locais com esgoto a céu aberto ou águas possivelmente contaminadas;
  • Verificar se agulhas e outros objetos que entrem em contato com sangue são descartáveis ou esterilizados;
  • Antes de engravidar, fazer um teste para saber se é portadora do vírus;
  • Ter atenção ao momento de fazer uma tatuagem ou colocar piercing, verificando a higiene do local e dos instrumentos do profissional.

Esteatose hepática (gordura no fígado)

Lívia Carone explica que a esteatose hepática ou gordura no fígado — também chamada de esteato hepatite — tem sido um grande problema pela falta de conscientização das pessoas a respeito do risco de uma má alimentação e do excesso do consumo de álcool.

A frequência desse tipo de hepatite ocorre por causa que, cada vez mais, pessoas “estão ingerindo produtos industrializados, com muito conteúdo de açúcar, de gordura e aumentando o peso.”

Síndrome metabólica é predisposição para a doença

A partir daí, “começam a desenvolver hipertensão, diabetes, obesidade e esse combo de doenças, que geralmente vêm agrupadas, é chamado de síndrome metabólica. Quem tem síndrome metabólica tem uma grande chance de ter gordura no fígado”, explica a médica.

É nesse contexto que alguns pacientes desenvolvem a esteatose hepática, que é a inflamação do fígado pelo excesso de gordura, tornando possível a evolução para casos de cirrose, que danifica as células do órgão e facilita o desenvolvimento do câncer.

A médica conta que não é raro receber pacientes com gordura no fígado que só descobrem o problema quando já estão com cirrose. Por isso, ela destaca a importância de uma boa alimentação para evitar a aparição do problema em pessoas saudáveis e exames de rotina para aqueles com a síndrome metabólica.

Hepatite medicamentosa

Esse tipo de hepatite é causada pelo uso indiscriminado de substâncias como medicamentos, fitoterápicos e suplementos.

A médica cita esse tipo de hepatite como um dos mais frequentes no dia a dia de consultas e alerta para os riscos de toxicidade de determinadas substâncias para o fígado, que são tratadas como inofensivas ao organismo por muitas pessoas. Confira algumas delas:

Chás de ervas medicinais

Feitos a partir da infusão de plantas medicinais frescas ou desidratadas, alguns chás podem oferecer riscos de contaminação química, a partir de resíduos herbicidas, fungicidas ou inseticidas, e contaminação biológica, por meio de bactérias, vírus, fungos e parasitas.

Chá verde, cavalinha, cáscara sagrada, erva-andorinha, espinheira-santa, losna, sene, confrei e valeriana são algumas das plantas que prejudicam o funcionamento do fígado e que, por isso, devem ser evitadas.

Noz-da-índia, chá verde, hibisco e pholia negra, frequentemente consumidos com o objetivo de diminuir o peso, também podem causar hepatite medicamentosa quando usados em excesso.

Suplementos naturais

Já os suplementos naturais incluem vitaminas, minerais, aminoácidos, ácidos graxos e outros compostos, como óleo de peixe, que é rico em ômega-3, e whey protein, feito a partir da proteína do leite.

Um estudo realizado por instituições da Espanha e América Latina concluiu que as lesões no fígado causadas por suplementos naturais são potencialmente mais graves do que as causadas por remédios e anabolizantes.

Para a pesquisa foram analisados 367 casos de lesões hepáticas registradas entre outubro de 2011 e dezembro de 2019 no Registro Latino-Americano de Lesões Hepáticas Induzidas por Drogas.

A partir da análise, o artigo mostra que suplementos naturais causaram danos severos ou fatais ao fígado em 21% dos casos, exigindo até mesmo transplante em alguns deles. Já os anabolizantes e remédios convencionais ficaram com um índice de 13% e 12%, respectivamente.

Fitoterápicos

Também feitos à base de plantas mas produzidos industrialmente, os fitoterápicos podem causar danos ao fígado quando utilizados em uma dosagem acima do nível recomendado.

Fitoterápicos feitos à base das plantas kava-kava, chapéu-de-couro e tanchagem estão inclusos nesta lista de potencial risco de hepatotoxicidade.

Contraceptivos e anabolizantes

Terapias hormonais como anticoncepcionais e anabolizantes também podem lesionar o fígado.

O uso de anticoncepcionais à base de progestogênio é contraindicado para mulheres com histórico de doenças no fígado, enquanto os contraceptivos à base de estrogênio têm seu uso contraindicado para aquelas que já tiverem a presença de gordura no órgão.

No entanto, mesmo sem essa predisposição, sua utilização pode sobrecarregar o órgão com o tempo e causar problemas.

Os anabolizantes, por sua vez, podem causar lesões e tumores no fígado.

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Remédios

Alguns medicamentos também causam lesões no fígado que podem evoluir para uma hepatite medicamentosa, se não tratadas. Dentre os mais comuns estão:

  • Antibióticos: amoxicilina/clavulanato e eritromicina;
  • Anticonvulsivantes: fenobarbital, fenitoína e valproato;
  • Antidepressivos: fluoxetina e paroxetina;
  • Antifúngicos: cetoconazol, terbinafina e voriconazol;
  • Anti-hipertensivos: captopril, losartana, lisinopril e outros;
  • Antipsicóticos: clorpromazina e risperidona;
  • Medicamentos cardíacos: amiodarona e clopidogrel;
  • Analgésicos: paracetamol e AINEs.

O omeprazol, baclofeno, acarbose, estatinas e outros também estão inclusos. Clique aqui e confira a lista completa desenvolvida pelo laboratório MSD.

Hepatite autoimune

Lívia explica que esse tipo de hepatite é “causada por uma alteração no sistema imunológico que ao invés de combater bactérias e vírus, acaba agredindo uma parte do nosso organismo, como o nosso fígado.”

Para o tratamento são usados imunossupressores com o objetivo de “baixar essa imunidade e reduzir essa agressão”.

Dentre os sintomas, estão: 

  • Cansaço excessivo;
  • Mal-estar;
  • Dores musculares e nas juntas, geralmente mais intensas pela manhã;
  • Perda de apetite;
  • Perda de peso;
  • Náuseas;
  • Irritações cutâneas;
  • Diarreia;
  • Alterações no ciclo menstrual;
  • Inchaço e dores abdominais. 

No entanto, a doença pode se agravar de maneira silenciosa, com a ausência de sintomas.

Hepatite: onde encontrar a vacina e testes rápidos?

Principal forma de prevenção das hepatites A e B, as vacinas estão disponíveis no SUS para todos que ainda não foram vacinados, independente da idade.

Segundo a Secretaria de Saúde do Estado do Ceará (Sesa), para crianças, a recomendação é que sejam feitas quatro doses da vacina, sendo a primeira ao nascer, seguida de reforços aos 2, 4 e 6 meses de idade, concluindo assim o ciclo pentavalente.

Os testes rápidos para detecção das hepatites causadas pelos vírus B e C também estão disponíveis gratuitamente no SUS.

Para consultar os dias de aplicação e disponibilidade da vacina, basta entrar em contato com o posto de saúde de sua região.