Ultraprocessados: o que se esconde nas prateleiras dos supermercados
Pesquisa mostra que 98% dos alimentos ultraprocessados têm aditivos e excesso de sódio, gordura ou açúcar
06:00 | Set. 01, 2023
Comuns nas prateleiras de supermercado, 98,8% dos produtos ultraprocessados – como doces, bebidas gaseificadas e sorvetes – têm aditivos ou excesso de elementos como sódio, gordura e açúcar. Foi o que demonstrou uma pesquisa realizada por pesquisadores da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e Universidade de São Paulo (USP), publicada nessa quarta-feira, 30 de agosto.
Para o estudo, foram analisados 9.851 diferentes alimentos embalados que são vendidos em 10 dos principais supermercados das capitais São Paulo e Salvador. Dentre os alimentos ultraprocessados, a porcentagem de aditivos, sabores, cores e nutrientes encontrada foi significativamente maior do que aqueles processados ou minimamente processados.
A diferença entre esses produtos pode ser percebida pelos pães. Segundo a análise, entre os pães processados, 1,7% apresentam pelo menos um aditivo cosmético, igualmente 1,7% têm sabores ou cores artificiais, e 83% têm excesso de nutrientes, como sódio, gordura e açúcar. Já entre os pães ultraprocessados, 71% têm presença de cosméticos aditivos, 22,6%, de sabores ou cores e 98,2%, excesso de nutrientes.
Outro dado alarmante levantado pelo estudo é em relação aos chocolates. A pesquisa encontrou que 100% dos chocolates analisados contém pelo menos um nutriente em excesso, 98% têm cosméticos aditivos e 91%, sabores ou cores artificiais.
Os chocolates, assim como biscoitos e margarinas encontrados nos supermercados, são alimentos ultraprocessados, formulações industriais produzidas a partir de materiais que só podem ser acessados pela indústria alimentícia. Pesquisas mostram que esses alimentos são maléficos e estão relacionados à obesidade e a doenças crônicas.
De acordo com o Guia Alimentar para a População Brasileira, do Governo Federal, os alimentos ultraprocessados enganam os dispositivos do sistema digestivo e do cérebro responsáveis por regular o balanço de calorias, fazendo com que a sinalização de saciedade após o seu consumo não aconteça ou aconteça de forma tardia. Por isso, um dos maiores problemas desses alimentos é que eles sejam vistos da mesma forma que os não processados.
Porém, ainda não há uma classificação precisa para quais alimentos são ou não ultraprocessados. Com isso, de acordo com a professora do Instituto de Nutrição da UERJ, Daniela Canella, responsável pela pesquisa, é comum que pesquisadores que integram a indústria de alimentos por vezes aleguem que o conceito de ultraprocessados não deveria ser usado em políticas públicas em recomendações nutricionais.
A proposta da pesquisa, que teve início em 2017, é aplicar o que se sabe teoricamente sobre alimentos ultraprocessados a dados de rótulos de alimentos, coletados em parceria pela USP e pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, nas maiores redes de supermercados do país.
Como funciona o sistema de classificação
A pesquisa utilizou o sistema de classificação Nova, diferente das demais classificações, nas quais alimentos como leites achocolatados e leites não processados acabavam entrando na mesma categoria. A classificação Nova categoriza esses produtos através da extensão e do propósito do seu processamento, entre alimentos in natura ou minimamente processados, ingredientes culinários processados, alimentos processados e ultraprocessados.
Quando analisados, somente 0,6% dos leites classificados como não processados ou minimamente processados apresentaram aditivos cosméticos. Eles também não apresentaram excessos de nutrientes ou sabores e cores artificiais. No entanto, 99.8% das bebidas lácteas ultraprocessadas apresentaram nutrientes em excesso, 96%, aditivos cosméticos, e 83% sabores ou cores artificiais.
Entre os nutrientes encontrados em excesso nos alimentos analisados, estão principalmente o sódio, açúcar e gorduras, cujo consumo está associado a diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares e cânceres. Além desses há, segundo Daniela, outros elementos como o amido modificado e o açúcar invertido que não são tão conhecidos e sobre os quais não há pesquisas suficientes para avaliar o possível dano à população.
Daniela acredita que a análise possa auxiliar a população, bem como os tomadores de decisões na elaboração de políticas públicas. Um exemplo é a aplicação da lei, de julho deste ano, que proíbe comidas e alimentos ultraprocessados nas escolas da capital do Rio de Janeiro. “Para as pessoas que trabalham nas escolas é importante que elas tenham informação sobre o que são os ultraprocessados para que não comercializem esses alimentos”, diz Daniela.
Como identificar os ultraprocessados
Apesar de não haver uma classificação precisa, Daniela orienta que, ao fazer compras no supermercado, é possível identificar alimentos ultraprocessados observando os ingredientes presentes no rótulo.
“A lista de ingredientes vai trazer informações de tudo que foi utilizado para o preparo daquele alimento, pra formulação daquele alimento, quão mais estranhos os nomes, provavelmente esses são itens ultraprocessados. Então se aparece corante, aromatizante e emulsificante, não tem muita dúvida de que isso é ultraprocessado”, diz a professora.
Ela lembra que identificar esses alimentos deve se tornar mais fácil a partir de outubro deste ano, quando entram em vigor novas normas de rotulagem para os produtos, que devem informar quando o alimento tem alto teor de sódio, açúcar adicionado e gorduras saturadas.
Leia mais
Porcentagem de alimentos ultraprocessados
Frios e salsichas
99,5% têm pelo menos um nutriente crítico em excesso,
88,7% têm pelo menos um aditivo cosmético,
75% têm sabores ou cores
Biscoitos e doces
99,7% têm pelo menos um nutriente crítico em excesso,
93,4% têm pelo menos um aditivo cosmético,
89,5% têm sabores ou cores
Biscoitos salgados
99,1% têm pelo menos um nutriente crítico em excesso,
80,6% têm pelo menos um aditivo cosmético,
66,2% têm sabores ou cores
Margarina
100% têm pelo menos um nutriente crítico em excesso,
94,3% têm pelo menos um aditivo cosmético,
92,5% têm sabores ou cores
Bolos e tortas doces
100% têm pelo menos um nutriente crítico em excesso,
95,5% têm pelo menos um aditivo cosmético,
91,5% têm sabores ou cores
Pães
96,8% têm pelo menos um nutriente crítico em excesso,
71,4% têm pelo menos um aditivo cosmético,
22,6% têm sabores ou cores
Doces em geral
97,6% têm pelo menos um nutriente crítico em excesso,
75,8% têm pelo menos um aditivo cosmético,
68,4% têm sabores ou cores
Bebidas gaseificadas
95,1% têm pelo menos um nutriente crítico em excesso,
95,2% têm pelo menos um aditivo cosmético,
95,2% têm sabores ou cores
Chocolate
100% têm pelo menos um nutriente crítico em excesso,
98,3% têm pelo menos um aditivo cosmético,
91% têm sabores ou cores
Pizza, lasanha ou pastelaria
94,9% têm pelo menos um nutriente crítico em excesso,
69,9% têm pelo menos um aditivo cosmético,
56,7% têm sabores ou cores
Refeições prontas
95,8% têm pelo menos um nutriente crítico em excesso,
69,5% têm pelo menos um aditivo cosmético,
59,7% têm sabores ou cores
Outras bebidas açucaradas
87,4% têm pelo menos um nutriente crítico em excesso,
90,4% têm pelo menos um aditivo cosmético,
86,2% têm sabores ou cores
Bebidas lácteas
99,8% têm pelo menos um nutriente crítico em excesso,
96% têm pelo menos um aditivo cosmético,
83,6% tem sabores ou cores
Sorvetes
100% têm pelo menos um nutriente crítico em excesso,
93,8% têm pelo menos um aditivo cosmético,
84,6% têm sabores ou cores
Molhos e pastas
97,3% têm pelo menos um nutriente crítico em excesso,
81,5% têm pelo menos um aditivo cosmético,
64,6% têm sabores ou cores
Tabletes (condimentos) e temperos prontos, queijos ultraprocessados e cereais matinais
99,5% têm pelo menos um nutriente crítico em excesso,
53,5% têm pelo menos um aditivo cosmético,
45,4% têm sabores ou cores
Fonte: Pesquisa "Aditivos alimentares e o modelo de perfil nutricional da OPAS como elementos contribuintes para a identificação de produtos alimentícios ultraprocessados"