Identificado apenas em 2009, patógeno pode ser fatal para deficientes imunológicos. Sintomas não específicos e resistência a medicamentos elevam risco do C. auris. Falta de pesquisa séria sobre fungos também é agravante.Nos Estados Unidos, as infecções com o fungo Candida auris explodem: em 2022 registraram-se 5.754 casos, contra 1.310 dois anos antes. Embora pareça pouco perante uma população de 332 milhões, os médicos estão alarmados. Em outubro de 2022 a Organização Mundial de Saúde (OMS) situava esse tipo de micose entre as 19 mais perigosas, em sua lista de patógenos prioritários fúngicos (WHO FPPL, na sigla em inglês). O superfungo também preocupa o Brasil: desde a terça-feira (23/05), um hospital de Pernambuco está em isolamento total, devido ao registro de pelo menos três infecções. O primeiro caso no país foi identificado em dezembro de 2020, na Bahia. O perigo de infecção é especialmente elevado para quem tem o sistema imunológico debilitado em decorrência de uma operação, quimioterapia ou outros. Por isso o fungo se dissemina sobretudo em estabelecimentos de cuidados de saúde e hospitais. Oliver Cornely, do Centro de Estudos de Infecciologia da Clínica da Universidade de Colônia, explica que "a debilitação ou o colapso do sistema imunológico liberam o caminho para o fungo afetar diferentes regiões do corpo". Entre elas, sobretudo o sistema circulatório, o trato digestivo e certos tecidos. "Se o fungo contamina a corrente sanguínea, isso pode resultar numa sepsia. Após penetrar nos tecidos, em algum momento atingirá um vaso sanguíneo, é transportado pelo sangue e assim chega a todos os órgãos." Micoses invasivas como a desencadeada pelo Candida auris contam entre as doenças infecciosas mais frequentes e fatais: dos mais de 1 bilhão de humanos que as contraem a cada ano, cerca de 1,5 milhão morrem. Resistência a antimicóticos e sobrevivência em superfícies Cientistas calculam que existam cerca de 3 milhões de espécies fúngicas, das quais já foram identificadas 300 mil. Apenas entre 150 e 300 são descritas como patógenos humanos, sendo responsáveis por 90% das mortes por micoses. O Candida auris é o mais recente entre os fungos de levedura identificados capazes de se instalar em seres humanos. Ele foi descrito pela primeira vez em 2009, tendo eclodido ao mesmo tempo em diversas partes do mundo, por motivos desconhecidos. Porém só nos últimos anos tem se manifestado com mais frequência. "Todos carregamos diversos fungos no corpo. Via de regra o sistema de defesa os mantém em equilíbrio, de forma que quem está saudável não apresenta qualquer problema", explica Cornely. Um dos fatores que torna o Candida auris muito perigoso é sua resistência a medicamentos: "As resistências não se formam só durante uma terapia, com a adaptação do patógeno a antimicóticos: esse fungo praticamente já nasce resistente. Isso o torna mais difícil de combater." A espécie produz o biofilme, uma camada protetora que a torna resistente ao fluconazol, à anfotericina B e ao equinocandinao, três dos principais compostos antifúngicos Outra característica C. auris é a de sobreviver fora do organismo: ele pode se instalar na pele de quem toca uma superfície contaminada e, "ao dar a mão a um paciente imunologicamente debilitado, pode-se estar transmitindo imediatamente o fungo". Essa capacidade de sobrevivência excepcionalmente alta também explica a atual explosão de infecções: não é o caso de entrar em pânico, mas as micoses devem ser levadas a sério, e há necessidade de melhores métodos de diagnose, adverte o cientista. Sintomas não específicos, faltam medicamentos Dificultando o diagnóstico do Candida auris, os sintomas de uma infecção são pouco específicos, começando com febre e calafrios. Além disso, ele pode se instalar em diferentes partes do organismo, inclusive no interior dos tecidos, onde não é visível. Quando há suspeita de uma infecção, faz-se um exame de esfregaço, que é semeado em cultura fúngica para identificação molecular-biológica e morfológica. No entanto esse processo pode levar dias, nos quais o superfungo segue se reproduzindo e as chances de sobrevivência do paciente se reduzem. "Se por 24 horas um paciente recebe tratamento errado ou nenhum, por não estar claro de que patógeno se trata, pode ser que seus órgãos já tenham sofrido danos irreparáveis", explica Cornely. Ao ser apresentado um diagnóstico ministram-se antimicóticos. No entanto, no caso do Candida auris não há muitas opções, e a eficácia varia de caso para caso. Faltam novos medicamentos, e os cientistas queixam-se de que a pesquisa das micoses é extremamente negligenciada, apesar do alto potencial de risco. Outros três fungos perigosos Depois dos animais, os fungos compõem o segundo maior reino orgânico. Nos seres humanos, instalam-se preferencialmente nas mucosas da boca e dos órgãos sexuais, assim como nos pulmões e nos intestinos – mas nem todos são patogênicos. Na lista WHO FPPL, fungos de "prioridade crítica" são os que afetam principalmente humanos e podem causar afecções graves. Além do Candida auris, três outros compõem a categoria: identificados há mais tempo, seu diagnóstico é mais fácil. O Candida albicans é outro fungo de levedura encontrado com frequência no corpo humano, alojando-se sobretudo na pele, boca e intestino. Enquanto se encontra em equilíbrio com outros microorganismos, não costuma provocar problemas. Mas em indivíduos expostos a altas doses de antibióticos ou com má higiene, pode provocar candidíase. Seus sintomas mais frequentes são prurido e vermelhidão da pele, mas também pode afetar órgãos vitais. Igualmente frequente é o fungo de bolor Aspergillus fumigatus, em geral contraído pelas vias respiratórias. Encontrado em grande quantidade no solo e em matéria em decomposição, nos casos mais graves ele pode provocar infecções pulmonares como a aspergilose invasiva. O Cryptococcus neoformans penetra igualmente no corpo por aspiração. Do pulmão, pode propagar-se ao cérebro, causando fortes dores de cabeça ou distúrbios neurológicos, entre os quais a meningite criptocócica, que provoca febre, convulsões e até mesmo paralisias. Autor: Gudrun Heise