Dia de Finados: como atravessar o luto de forma saudável
Reações à perda variam e, em alguns casos, o auxílio profissional pode evitar adoecimentos. Ir ao cemitério no Dia de Finados não é uma regra, mas para muitos ajuda a manter viva uma relação que, embora não seja mais física, ainda existe
12:51 | Nov. 02, 2022
O luto é um processo psicológico de adaptação a alguma experiência de perda, um período de recolhimento e introspecção para assimilar o sentimento de saudade e aceitar a nova realidade. Mas não existe um roteiro de como atravessar esse estado emocional: cada indivíduo reage de uma forma e tem um tempo diferente, a depender da estrutura emocional e das vivências.
O que vale para todos é o fato de que superar o luto e não repreender o sentimento é essencial. É o que explica o psicólogo Danilo Montenegro, especialista em saúde mental e psicologia hospitalar.
“É preciso ter a compreensão de que o luto é algo necessário e inerente à vida. Caso contrário, isso pode se manifestar posteriormente com algum outro sintoma, como sentimento de culpa, remorso ou até mesmo crises de choro repentinas e isolamento social”, explana.
Todo processo de luto tem um começo, um meio e um fim, ressalta Danilo. “Para algumas pessoas pode demorar meses, para outras, anos. O primeiro ano após a perda é o mais difícil, porque é nesse ano que ocorrem todos os primeiros aniversários e datas significativas sem a pessoa estar ali, próxima dos entes queridos”, lembra.
Segundo o psicólogo, que atua no hospital Nosso Lar, em Fortaleza, diversas reações emocionais são despertadas com a morte de alguém, como tristeza, ansiedade, culpa e raiva.
“A pessoa também pode, num primeiro momento, querer se isolar do convívio social. Em relação às alterações físicas, podem ocorrer sudorese, palpitação e fraqueza, já que o corpo fica sob estresse. A reação varia de pessoa para pessoa, mas não há como evitar o processo de luto”, pontua.
Para que se consiga elaborar e atravessar o luto da maneira mais saudável possível, a busca por ajuda profissional pode ser uma saída importante — principalmente para evitar que se desencadeiem situações de adoecimento, como um quadro de depressão.
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“O assunto morte ainda é pouco dialogado entre as famílias. Quando um falecimento acontece, as pessoas são tomadas por angústias e necessidade de falar sobre esse sofrimento. A terapia é o espaço de escuta clínica especializada, onde se olha as dores muitas vezes reprimidas. Sentimento de culpa, mágoas e rancores podem ser abordados no atendimento psicológico, sem julgamento, permitindo que novos significados e vivências sejam elaboradas”, destaca.
De acordo com o especialista, ir ao cemitério no Dia de Finados não é uma regra, mas para muitas pessoas arrumar o túmulo, trocar as flores, acender velas e fazer orações são formas de manter viva uma relação que, embora não seja mais física, ainda existe.
“Ter em mente as memórias, especialmente de momentos agradáveis com a pessoa, também ajuda a fazer as pazes com a perda. Não é uma regra e nem todo mundo pode se sentir confortável, mas pode ser benéfico até para 'conversar' com quem já se foi”, afirma.
Danilo relata que “acontece muito a situação de ‘não pude me despedir, não pude dar tchau’. E, na verdade, é possível se despedir mesmo depois que a pessoa foi embora. Falamos, no fim, com nós mesmos, mas intimamente estamos ressignificando o momento da perda”.
Essa também é a reflexão do professor Gustavo Moura, da Universidade Federal do Ceará (UFC), coordenador do Centro de Orientação Sobre a Morte e O Ser (Cosmos). Ele pondera que fechar-se na dor não é salutar, assim como fazer de conta que ela não existe.
“É preciso viver a dor, mas permitir-se se nutrir de amor, de carinho, de atividades prazerosas que possam contrabalançar a perda e permitir que o enlutado se vincule à vida presente. Com espaço para manifestar todos os sentimentos que venham, incluindo a tristeza, a falta, mas também abrindo espaço para momentos de alegria, até mesmo que a tristeza volte”, diz.
Além de ir ao cemitério, Gustavo salienta que, para muitas pessoas, a forma de homenagear seus entes queridos que partiram pode ser outra. “Pode ser uma oração em casa, pode ser ir a um lugar que esteja vinculado à pessoa falecida. É importante que cada um possa fazer algo que faça sentido para si e que atenda ao seu desejo de homenagear a memória da pessoa amada”, sinaliza. (Colaborou Marília Serpa/Especial para O POVO)
As cinco fases do luto e como lidar com cada uma
Na observação do psicólogo Danilo Montenegro, existem cinco fases do luto. São elas: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. Apesar de não necessariamente todas as pessoas passarem exatamente por todos os estágios e seguirem exatamente todas as regras, o mais comum, segundo o especialista, é que esses processos sejam seguidos.
- Primeiro estágio: NEGAÇÃO - Conhecido também como fase de isolamento, a primeira das cinco etapas do luto serve como um mecanismo de defesa temporário, um para-choque, que alivia o impacto da notícia, uma recusa a confrontar-se com a situação. Pensamentos como “aquilo não pode ter acontecido, não comigo, não com ela” são comuns nesse período. Ocorre em quem é informado abruptamente a respeito da morte. Embora considerada a fase inicial, esse comportamento pode aparecer também em outros momentos do processo do luto.
Como lidar com a negação no luto?
Desde o início, o acompanhamento psicológico é essencial. Neste momento, a necessidade de se isolar e estar consigo mesmo é recorrente. Portanto, é importante que as demais pessoas respeitem. Ao invés de contradizer as negações de quem está vivendo a perda, ou tentar trazer um discurso de otimismo, simplesmente tenha empatia com esse sentimento. Já os indivíduos que estão inseridos no luto, é importante se permitir dar vazão aos sentimentos de tristeza, solidão ou inconformidade.
- Segundo estágio: RAIVA - O segundo momento, da raiva, acontece quando as pessoas saem da introspecção intensa da negação e, finalmente, começam a externalizar um sentimento: a revolta. Neste caso, os indivíduos tornam-se por vezes agressivos. Há também a procura de culpados e questionamentos, tal como: “Por que ele?”, com o intuito de aliviar o imenso sofrimento. Além disso, lembranças das abstenções e planos não realizados podem se refletir em um comportamento hostil. Isso se manifesta com os que estão próximos ou tentam se aproximar da pessoa enlutada. O que pode dar a impressão de que é deles que o indivíduo sente raiva, quando, na verdade, pouco ou nada tem a ver com eles.
Como lidar com a raiva no luto?
Tendo em vista os comportamentos mais explosivos com as pessoas com quem convive, é importante respeitar o espaço do indivíduo que está passando pela perda. As relações podem ser mais difíceis neste momento, mas é preciso entender a raiva como uma fase necessária do luto.
- Terceiro Estágio: NEGOCIAÇÃO - Na terceira, das cinco fases da perda, os pensamentos de que as coisas podem voltar a ser como antes prevalecem e a pessoa tenta “negociar” consigo mesma ou com os outros para que isso aconteça. Trata-se de uma tentativa de adiar os temores diante da situação. Assim, os indivíduos buscam firmar acordos com figuras que, segundo suas crenças, teriam poder de intervenção sobre a situação. Geralmente, esses acordos e promessas são direcionados a Deus, em casos de morte. Porém, quando se trata de fim de relacionamento, por exemplo, isso poderia ser observado em tentativas de restabelecer uma conexão que já não está mais lá.
Como lidar com a fase de negociação no luto?
A intenção da pessoa, nesta etapa, é voltar no tempo, na tentativa de encontrar uma forma de impedir que o pior aconteça ou de reverter o que já, de fato, aconteceu. O processo é o de se conscientizar que, na verdade, o que está por trás da barganha é a culpa por acreditar que se poderia ter feito algo de diferente. É preciso tirar esse peso e entender que agir assim é permanecer preso ao passado.
- Quarto Estágio: DEPRESSÃO - É a partir deste momento que o indivíduo começa a lidar, verdadeiramente, com a perda. Uma vez que a pessoa atravessou as fases de natureza mais combativas, como a autodefesa da negação e confronto da raiva, ela costuma vivenciar o luto de forma mais intensa na quarta fase. A depressão é dividida em preparatória e reativa. A depressão reativa ocorre quando surgem outras perdas devido à morte, como a perda de papéis do âmbito familiar. Outro exemplo é a perda de um emprego e, consequentemente, um prejuízo financeiro. Já a depressão preparatória é o momento em que a aceitação está mais próxima. É quando as pessoas ficam quietas, repensando e processando o que elas vivenciaram e analisando o impacto da experiência na sua vida.
Como lidar com a depressão no luto?
O mais importante é compreender que essa fase não necessariamente se configura como uma doença, já que o seu surgimento é natural, quando há a iminência da morte ou após uma grande perda. É essencial ressaltar que somente um psicólogo e psiquiatra são capazes de avaliar a gravidade deste momento e orientar a melhor forma para lidar com isso.
- Quinto Estágio: ACEITAÇÃO - Por fim, a última etapa do luto é a aceitação. Quando se chega a esse estágio, as pessoas lidam com seus sentimentos de forma serena. É o momento em que conseguem expressar de forma mais clara sentimentos, emoções, frustrações e dificuldades que as circundam. Quanto mais negarem, mais dificilmente chegarão a este último processo. Cabe ressaltar que esses estágios não são um roteiro a ser seguido e que podem sofrer alterações de acordo com cada perspectiva pessoal.
Como lidar com a aceitação no luto?
Neste momento, é importante perceber que a realidade da perda é permanente. Portanto, a saudade sempre estará presente, mas não é mais um grande pesar sempre. Assim, será possível aprender a conviver com essa falta.
Luto infantil: como falar sobre a morte com crianças
A dificuldade de processar uma perda pode ser consequência de como a morte foi apresentada no início da vida. O luto infantil possui particularidades que merecem atenção para que a criança consiga superar o sofrimento de maneira saudável e sem consequências futuras.
Conforme expõe o psicólogo Danilo Montenegro, este é um assunto complexo e delicado para pais e escolas trabalharem com as crianças, pois envolve crença, religião, maturidade e questões emocionais.
“Os pais tentam evitar que seus filhos sofram, e, quando ocorre algum caso de morte na família, as crianças pequenas costumam ser deixadas à parte do assunto, pois acredita-se erroneamente que não possuem maturidade suficiente para entender ou para lidar com o que aconteceu”, descreve.
Mas o ocultamento da verdade ou a suavização ao falar da morte pode deixar a criança confusa, pois quando se fala sobre a infância, além de a personalidade ser um fator importante, a idade também interfere bastante.
“Uma boa comunicação com a criança certamente contribuirá para a superação da perda. É comum as famílias utilizarem eufemismos, como ‘Vovô está em outra dimensão’, ‘Mamãe foi morar com papai do céu’, ‘Foi viajar’ — no entanto, isso pode criar expectativas de que a pessoa irá voltar”, sublinha.
O psicólogo assevera que conversar com a criança de forma sincera e simples, permitindo seu luto, oportuniza o desenvolvimento de aceitação da perda, enquanto que “a não exposição da verdade levará à quebra da confiança, pois, à medida que a criança for crescendo, perceberá que não era verdade o que contaram para ela”.
“Os pais ou responsáveis devem abordar a questão da morte com delicadeza e sutileza, contextualizando a realidade. É importante explicar com exemplos concretos — respeitando a idade da criança, fazendo uma relação com a vida —, dizendo, por exemplo, como acontece com a planta, que nasce, cresce e depois morre”, demonstra.
Refletir sobre a finitude pode tornar a vida mais leve
Para Márcia Sena, especialista em qualidade de vida na terceira idade, compreender e refletir sobre o fim da vida é um preparo para lidar com a morte de modo mais leve. Ela afirma que o conhecimento de familiares e pessoas próximas sobre como proceder nos momentos finais da vida é fundamental também para garantir que todas as demandas de um idoso sejam atendidas.
Márcia elenca seis orientações que podem ajudar neste momento difícil e delicado para os familiares e amigos próximos que conhecem alguém que está chegando ao fim da vida:
- Reconhecer o fim: é um importante passo para tudo que se seguirá adiante. Entender sobre a finitude de nossas próprias vidas é lembrar que estamos todos em um grande processo cíclico de idas e vindas.
- Não ter medo: saber que perdemos as pessoas mais importantes da nossa vida pode ser uma forma de se preparar para garantir que o momento da partida seja o menos doloroso possível. Não devemos ter medo de perder alguém porque esse é um fato inevitável para 100% dos seres humanos.
- Não se culpar: é muito comum que pessoas próximas sintam culpa pela morte de algum ente querido, imaginando que poderiam ter feito mais ou até evitado aquele falecimento. O sentimento, que afeta até mesmo cuidadores profissionais, deve ser medido e controlado para que não gere prejuízos emocionais e sociais severos.
- Garantir cuidados paliativos: em situações terminais é essencial saber os cuidados necessários. Em casos que há doenças com dores, é preciso apoio médico para que haja a receita dos medicamentos analgésicos mais adequados, por exemplo.
- Entender que o tempo do luto varia de pessoa para pessoa: a morte de alguém próximo afeta de maneira bastante particular cada um que conviveu com aquele que se foi. Por isso, é necessário compreender que há pessoas que vivem o luto por anos, enquanto outras conseguem passar por essa fase difícil em meses. Este entendimento é essencial para evitar julgamentos sobre o próprio estado e do estado dos outros.
- Procurar ajuda de profissionais: o sofrimento psicológico às vezes é tão forte que pode ser comparável a dores físicas. Portanto, garantir apoio profissional psicológico ou psiquiátrico pode tornar menos difícil o processo de entendimento sobre o fim da vida.