Saúde mental de professores é negligenciada durante a pandemia

Covid-19 Pressão emocional e depressão são realidades de muitos educadores que atuam sob alto nível de estresse

Preparar conteúdos, corrigir tarefas e provas, realizar atividades extraclasse, muitas vezes, em turnos múltiplos e em mais de um local de trabalho. Essa é a jornada diária de milhares de professores brasileiros. Nos últimos dois anos de pandemia da Covid-19, com a necessidade do ensino remoto, os profissionais precisaram se desdobrar para adaptar os métodos de trabalho em um contexto atípico.

Conforme análise divulgada pelo Instituto Península, organização sem fins lucrativos que atua na área da Educação, cuidar da saúde mental dos professores continua sendo uma demanda pouco trabalhada no País. A pesquisa, realizada entre maio de 2020 e maio de 2022 com educadores de todo o Brasil, mostra que houve um aumento de quase 30% no percentual de professores que se sentem sobrecarregados.

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No início da pandemia, cerca de 35% dos profissionais da educação alegaram sobrecarga emocional. Este ano, subiu para 60%. A professora cearense Cinara Santos, de 42 anos, foi uma das educadoras que percebeu um aumento do cansaço mental no trabalho. Atuando como professora técnica em uma Escola Estadual de Tempo Integral (EEPP), ela conta que o principal desafio foi adaptar sua metodologia.

"É fato que a gente sentia que trabalhava mais. A gente tinha que se preparar (para as aulas) com estratégias tecnológicas que eram desconhecidas. Diferente do presencial, que você já tem o macete da metodologia", contou Cinara Santos, professora do curso de Guia de Turismo.

Mesmo após o retorno das aulas presenciais, Cinara Santos conta que continuou se sentindo sobrecarregada. "Logo no começo, ainda tínhamos alunos que continuaram a estudar online. Então a gente tinha que dar aula presencial, e também tinha que dar aula on-line (para os que continuaram estudando de forma remota). São metodologias bem diferentes, então era bem puxado", explica.

Cinara Santos ainda relata que, mesmo se sentindo cansada mentalmente, por vezes precisou dar apoio psicológico para os próprios alunos. "A gente tem que lidar com várias demandas. Com alunos com ansiedade, com questões muito intrínsecas familiares, questões sentimentais, afetivas, de abandono", detalha.

Segundo apuração do Instituto Península, o percentual de professores que se preocupa com a saúde mental de seus alunos (73%) chega a ser maior do que o percentual de professores preocupados com sua própria saúde mental (59%).

Mesmo com a paixão por lecionar, sem o devido apoio emocional, a realidade da profissão pode deixar impactos na vida de muitos educadores. Durante 33 anos, Nacisa Cavalcante, 51, foi professora na rede municipal de educação em Cascavel. Em 2004, ela viu seu sonho de infância se tornar um pesadelo e precisou ser afastada das salas de aula após o diagnóstico de Síndrome do Pânico e Depressão.

"Foi um período muito difícil, eu passava as noites acordada. Quando chegava a hora de ir pro colégio, eu começava a ficar muito vermelha, um calor, uma coceira no meu rosto e eu ficava desesperada com falta de ar", detalhou Nacisa Cavalcante. "Eu me escondia até quando eu via um aluno. Tinha um pavor deles", revelou a educadora.

Ela conta que o estresse, junto com notícias de colegas de profissão sendo atacados por alunos, colaborou para o temor em lecionar. Por conta disso, a profissional chegou a ser afastada das salas de aula. "Eu ficava indignada com aquilo, porque ser professora era o sonho da minha vida. Eu queria ter envelhecido na sala de aula, estar lá até hoje, mas infelizmente não foi possível", declara Nacisa Cavalcante.

"Eu nasci com sangue de ser professora, quando o mundo não queria ser professor. Quando eu adoeci, eu fui até discriminada. Eu não tive apoio de ninguém", relata. Em 2021, Nacisa Cavalcante se aposentou por tempo de contribuição.

Para a psicopedagoga Adriana Lucas, além de sentirem a pressão dos pais dos alunos e da administração das unidades de ensino, os professores também costumam se cobrar excessivamente. "Todo esse estresse foi acumulado ao longo da Pandemia e os professores ainda não conseguiram esvaziar esses sentimentos negativos. Os professores estão vivendo em um cenário de mais cobranças e imediatistas", explica a profissional.

De acordo com a especialista, é comum que professores só busquem por auxílio psicológico quando se sentem completamente desgastados. "O estresse pode causar desgaste emocional, a cobrança muito forte, nervosismo, choro com facilidade, além de ansiedade e depressão", detalha a psicopedagoga.

 

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