Falar sobre prevenção ao suicídio deve ser um hábito do ano inteiro, alertam especialistas

Cerca de 3 mil pessoas tiraram a vida nos últimos cinco anos no Ceará, levando o Estado a ocupar o quinto no lugar no ranking nacional no período de 2011 a 2015

18:24 | Mar. 04, 2022

Por: Marília Serpa
Falar sobre prevenção ao suicídio deve ser um hábito do ano inteiro, alertam especialistas (foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Falar sobre prevenção ao suicídio não deve ser um assunto restrito apenas a um mês, por meio da conhecida campanha brasileira de nome Setembro Amarelo. O assunto, que é uma questão de saúde pública, merece máxima atenção também em outros meses do ano, uma vez que cerca de 800 mil pessoas no mundo morrem por suicídio anualmente, de acordo com um levantamento feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

No Brasil, o número também assusta: mais de 11 mil pessoas entre 15 e 44 anos cometem suicídio por ano. Ainda, segundo o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), a região do Nordeste apresentou aumento de 51,7% dos casos, enquanto aproximadamente 3 mil pessoas tiraram a vida nos últimos cinco anos no Ceará, levando o Estado a ocupar o quinto lugar no ranking nacional no período de 2011 a 2015.

A OMS estima, ainda, que as tentativas de suicídio sejam cerca de 20 vezes mais frequentes do que o suicídio consumado, além de existirem, pelo menos, quatro tentativas não registradas para cada tentativa oficialmente registrada. Dessa forma, o Ministério Público do Ceará (MPCE), por meio do Plano Nacional de Prevenção ao Suicídio, atua com o programa Vidas Preservadasque articula ações como forma de combater essa problemática.

o programa promove uma abordagem intersetorial sobre o suicídio em parceria com um grupo de órgãos públicos e de organizações não governamentais do Estado, de modo a fomentar o debate e estimular a sensibilização e o fortalecimento de políticas públicas para a promoção da saúde e para o surgimento de estratégias de cuidado integral da população na perspectiva do trabalho em rede. Além disso, ele oferece capacitação para profissionais e planejamento estratégico para os municípios.

Um dos membros do programa, a psicóloga Alessandra Silva Xavier, doutora em Psicologia Clínica e especialista em Psicoterapia Psicanalítica, explica que o pensamento suicida é desencadeado, muitas vezes, por mais de um motivo. “É muito importante compreender que o suicídio não é um fenômeno simples, é um fenômeno complexo, multicausal, que significa que não tem apenas um único fator”, pontua.

Os fatores que levam ao suicídio, segundo a especialista, podem estar relacionados ao estresse, impulsividade, desesperança, rigidez cognitiva, ausência de vínculos afetivos, existência ou presença de violência ao longo do desenvolvimento, além da falta de vínculos protetivos, como os pais, por exemplo. Além disso, o suicídio é comum em pessoas com sofrimento psíquico intenso e dores avassaladoras que não são sanadas.

Alguns fatores sociais, como fome, desemprego e falta de moradia também podem levar pessoas ao sofrimento intenso e ao suicídio, segundo a psicóloga Nimara Lourenço Araújo, pós-graduanda em Gestalt Terapia que também faz parte do programa Vidas Preservadas. “Apesar das estatísticas apontarem para um cenário em que somente pessoas com depressão têm comportamentos suicidas, o fenômeno não está diretamente ligado ao transtorno depressivo”, pontua.

Pessoas com transtorno de boderline ou bipolaridade, aponta Nimara, também podem apresentar traços e características do comportamento suicida. Ainda, transtorno de ansiedade, esquizofrenia e consumo abusivo de drogas e álcool também podem desencadear tais comportamentos. Ter uma patologia psíquica, no entanto, não é fator determinante para a existência de tendências suicidas. É necessário haver avaliação profissional.

"É importante que as pessoas considerem que as doenças mentais estão para todas as pessoas, que não é um fracasso, falta de Deus ou preguiça. Infelizmente, a doença mental está repleta de elementos do imaginário, de elementos do senso comum e de elementos de preconceito, o que faz com que, muitas vezes, as pessoas tenham extrema dificuldade em reconhecer a necessidade de ajuda e de procurar ajuda", pontua a psicóloga Alessandra.

Tratamento

O tratamento dos casos dos transtornos mentais, segundo a especialista Alessandra, é complexo e multiprofissional, que pode exigir medicação, psicoterapia, atividade física, acompanhamento nutricional, fisioterapia, atividades em grupo, mudança de trabalho ou inserção em novos processos de aprendizagem. Dessa forma, o tratamento da depressão exige um reposicionamento da vida do sujeito de forma a considerá-lo na sua dimensão de autonomia e cidadania.

"É importantíssimo que o projeto terapêutico singular considere a existência de cada sujeito no seu processo com as suas demandas e que os objetivos e as estratégias sejam traçados em comum, tanto com o usuário como com a equipe de profissionais, porque as ações vão envolver uma série de intervenções, sendo importante a gente chamar a atenção para a necessidade desses profissionais serem acessíveis à população", pontua Alessandra.

A especialista completa: "Por isso, a gente sempre recomenda que é importante a busca de uma ajuda profissional, seja um profissional de saúde, que tenha uma formação na área para fazer os encaminhamentos adequados, porque quando isso fica no campo leigo, da boa vontade, nem sempre a pessoa vai receber os cuidados que ela precisa de acordo com a gravidade da situação, podendo agravar ainda mais o quadro".

Olhar atento ao próximo

As especialistas recomendam um olhar atento ao próximo para conseguir identificar possíveis sinais de pedidos de socorro que podem estar sendo dados. Nesses casos, elas recomendam que essas pessoas sejam levadas para centros especializados, a fim de receber atendimento de um profissional de saúde capacitado para a solucionar a problemática.

"Uma das coisas mais valiosas que a gente pode fazer para alguém que chega com um pedido de ajuda é ajudar essa pessoa a ser acolhida por um serviço que possa oferecer a ela o tratamento e a ajuda que ela precisa. Então, é fundamental se disponibilizar para procurar e ir junto com a pessoa até o serviço de saúde", recomenda Alessandra.

Atendimento do CBMCE

O Corpo de Bombeiros Militar do Ceará (CBMCE) também tem importante papel em ações de prevenção ao suicídio em todo o Estado. "Existem ameaças suicidas que são ligadas diretamente para a Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops), onde o Corpo de Bombeiros atua. Há vários casos em que os agentes foram ao local e conseguiram salvar pessoas", explica o tenente coronel do CBMCE, José Edir Paixão de Sousa.

"Existem, também, casos de ameaças suicidas que são identificadas por meio de membros do programa Vidas Preservadas, onde eles entram em contato comigo e eu faço a solicitação junto com o Corpo de Bombeiros", completa o tenente. Além disso, o CBMCE também atua na parte de prevenção por meio de treinamentos, sendo o principal chamado Guardiões da Vida, além de palestras educativas ministradas sobre a temática de prevenção ao suicídio.

"O Guardiões da Vida para a segurança pública se baseia em ensinar sobre a teoria geral do suicídio e da prevenção do suicídio, ensinar a fazer escuta e diálogo em momentos de crises suicidas, e quando atuar depois que se perceber sinais de alerta verbais e comportamentais. Isso ajuda para que companheiros de trabalho possam ter esse olhar atento e humanizado, sabendo se portar sem julgar, sem comparar, utilizando estratégias de comunicação não violenta para poder ajudar", esclarece Edir.

Nessa quarta-feira, 2, o tenente lançou o livro "Saúde e Trabalho na Segurança Pública: reflexões científicas e experiências práticas", tendo distribuição gratuita por meio de link de acesso. "Além disso, eu estou representando o Brasil pelo CBMCE na Federação Internacional de Psicologia das Emergências. Os nossos trabalhos nessa área foram tão reconhecidos que recebemos convites para ministrar treinamentos online em institutos e instituições", completa Edir.

Onde buscar ajuda?

Centro de Valorização da Vida – CVV
Atendimento 24h
R. Ministro Joaquim Bastos, 806 – Bairro de Fátima
https://www.cvv.org.br
Telefone: 188

Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará
Núcleo de Busca e Salvamento
Av. Presidente Castelo Branco, 1000 – Moura Brasil – Fortaleza-CE
Telefone: 193

Hospital de Saúde Mental de Messejana
Rua Vicente Nobre Macêdo, s/n – Messejana – Fortaleza/CE
www.hsmm.ce.gov.br
Telefone: (85) 3101 4348

Programa de Apoio à Vida – PRAVIDA/UFC
Rua Capitão Francisco Pedro, 1290 – Rodolfo Teófilo – Fortaleza/CE
www.pravida.com.br
contato.pravida@gmail.com
Telfone: (85) 3366 8149 / 98400 5672

Laboratório de Relações Interpessoais – L’ABRI/UFC
Avenida da Universidade, 2762 – Benfica – Fortaleza/CE
labriufc@gmail.com

Instituto Bia Dote
Av. Barão de Studart, 2360 – Sala 1106 – Aldeota – Fortaleza/CE
www.institutobiadote.org.br
contato@institutobiadote.org.br
institutobiadote@gmail.com
Telefone: (85) 3264 2992 / 99842 0403

Instituto DimiCuida
Av. Santos Dumont, 1388 – Aldeota – Fortaleza/CE
www.institutodimicuida.org.br
fabiana@institutodimicuida.org.br
Telefone: (85) 3255 8864 / 98131 1223

Centro de Apoio ao Sujeito no Luto – CASULU
facebook.com/casulupsi
Telefone: (85) 3109 6616 / 99996 7447