Com maior prevalência de câncer de pênis, NE vai receber mutirão de cirurgia de fimose
A cirurgia de fimose é forma de prevenir a doença, pois facilita a limpeza do órgão genital masculino
07:44 | Fev. 04, 2022
A Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) realiza neste mês campanha de combate ao câncer de pênis. Nos últimos quatro anos, foram registrados mais de 8 mil casos no país, de acordo com o Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS).
Hoje (4), Dia Mundial do Câncer, foi escolhido pela instituição como Dia de Enfrentamento do Câncer de Pênis. A SBU inicia um mutirão de cirurgia de postectomia, ou circuncisão, em estados do Norte e Nordeste, visando atender cerca de 150 homens, pacientes da rede pública de saúde.
A cirurgia de fimose é forma de prevenir a doença, pois facilita a limpeza do órgão genital masculino, disse o supervisor da Disciplina de Câncer de Pênis da SBU, José de Ribamar Rodrigues Calixto. Embora o Sudeste tenha apresentado o maior número de casos nos últimos quatro anos (3.162), as regiões Norte e Nordeste foram escolhidas para iniciar o mutirão porque têm maior prevalência da doença. O Nordeste, por exemplo, lidera o ranking, com 9,93 casos por 100 mil habitantes.
O primeiro estudo epidemiológico feito pela SBU há alguns anos identificou que São Paulo ocupava o primeiro lugar na prevalência de câncer de pênis, “grande parte dos casos oriunda do Norte e do Nordeste, que busca tratamento em São Paulo”, ressaltou o urologista.
A Universidade Federal do Maranhão (UFMA) publicou artigo em revista especializada, mostrando que o estado é recordista na prevalência desse tipo de câncer no mundo. A taxa chegou a 6,2 casos para cada 100 mil habitantes. “É muito alta”., disse Calixto, acrescentando que do Amazonas à Bahia, os estados do Norte e Nordeste são também menos servidos por centros especializados de oncologia.
Diagnóstico
Segundo o professor, a postectomia, ou fimose, não evita o câncer, mas fornece diagnóstico mais precoce das lesões que estão começando na glande do pênis. Ele afirmou que, no Brasil, os diagnósticos são feitos, “infelizmente”, em casos já muito avançados. Lamentou que a realidade brasileira seja a de operar o câncer de pênis nas fases T2 e T3, quando os tumores são de tamanho médio ou grande. As cirurgias deveriam ser feitas na fase T1, a primeira.
Por isso, é elevado o número de amputações de pênis no Brasil. De acordo com a SBU, nos últimos 14 anos foram registradas 7.213 amputações do órgão masculino, o que corresponde a um aumento de 1.604% no período e a uma média de 515 procedimentos por ano.
Como a condição sociocultural e econômica é muito baixa no Norte e Nordeste, a maioria dos homens ignora que existe a doença. “Acham que é venérea, que é uma doença do tempo, que remédios naturais vão resolver”. Quando procuram o urologista, já estão em fase bastante avançada, com diagnóstico de grandes lesões. “Não queremos isso. A gente quer, pelo menos, diagnosticar na fase precoce; não amputar ou, se amputar, tirar apenas um pedacinho do pênis, ressecar aquela lesão, só tirar o prepúcio, onde nasceu a lesão, e preservar a haste peniana”.
A maior incidência de câncer de pênis, acima de 60%, é detectada, em geral, entre homens na faixa etária de 50 a 60 anos, mas os urologistas já tiveram casos na faixa de 28 a 30 anos. Na UFMA, médicos operaram, inclusive, um jovem de 19 anos. “É muito raro isso”. Entre 15% e 18% dos homens acometidos pela doença têm entre 30 e 40 anos.
Calixto informou que a fimose, ou excesso de pele que impede que a cabeça do pênis, ou glande, seja esterilizada, associada à contaminação com algum tipo de HPV e à falta de higiene são alguns fatores que podem levar à doença. Embora ainda não haja comprovação da histogênese induzida pelo HPV no câncer de pênis, já está comprovado o envolvimento do vírus na gênese da doença, disse o especialista.
Educação sociossanitária
Calixto defendeu a necessidade de se desenvolver no país uma educação sociossanitária. “Lavar, expor esse pênis”. Em muitos casos, os médicos partem para a reconstituição fálica, para devolver a autoestima e a função sexual. São níveis de atuação que a SBU já pratica.
Ele lembrou que o câncer de pênis é o único que pode ser evitado. “Antes que venha, a gente antecipa. Faz uma previsão dele. Se houver boa higiene, sem comportamento sexual de risco, evitando vários parceiros ou parceiras para não se contaminar com vírus, usar preservativo e, se tiver fimose, tirar essa pele para que consiga lavar a glande com efetividade, com água e sabão, é praticamente impossível que o câncer se desenvolva”. O urologista lembrou também a importância do uso de preservativo no coito anal com parceiro ou parceira, para impedir contaminação do pênis com bactérias presentes nas fezes.
Observou que o judeu faz a circuncisão culturalmente e não tem prepúcio. O mesmo acontece com os indígenas. “A incidência nessa comunidade é praticamente zero”. Por isso, a SBU defende a postectomia em quem tem fimose. “É uma cirurgia factível, ambulatorial e protetiva”.
A recomendação é que os homens lavem efetivamente a glande três vezes ao dia, façam a retirada do prepúcio e estimulem a vacinação contra o HPV, cuja adesão no Brasil ainda é bastante reduzida. É preciso trabalhar o conceito da proteção, alertou. A boa higiene deve fazer parte da educação das crianças e dos pais, incluindo escovar os dentes, lavar o pênis com água e sabão, fazer uma boa higiene vaginal na menina, não deixar as crianças se sentarem no chão com roupa íntima para não se contaminar com bactérias, defendeu.
José de Ribamar Calixto disse ainda que a expectativa é que este ano seja divulgado o desenvolvimento de uma prótese peniana por pesquisadores estrangeiros para restaurar a parte funcional e emocional de homens amputados.
Ao longo deste mês, a SBU fará transmissões online com urologistas no Portal da Urologia no Instagram, além de publicar posts e vídeos esclarecendo as principais dúvidas sobre esse tipo de câncer, a postectomia, vacina contra HPV e educação sobre a doença.
Incidência
Segundo dados obtidos pela Sociedade Brasileira de Urologia no Sistema de Informações Hospitalares do Ministério da Saúde, houve queda no número de registros entre 2020 e 2021, atribuída à pandemia de covid-19, que reduziu a procura por tratamento médico. Os casos de câncer de pênis totalizaram 2,14 mil em 2018; 2,19 mil em 2019; 2,09 mil em 2020; e 1,79 mil no ano passado.
O maior número de casos nesses quatro anos foi registrado no Sudeste (3,16 mil), seguido pelo Nordeste (2,57 mil), Sul (1,18 mil), Centro-Oeste (658) e Norte (645). Nesse mesmo período, a prevalência foi maior no Nordeste (9,93); seguindo-se o Centro-Oeste (9,42); Sul (8,82); Sudeste (8,09); e Norte (8,05). Os estados com maior registro de tumor de pênis são São Paulo (1,48 mil), Minas Gerais (1,05 mil), Bahia (609) e Paraná (565).
Em números absolutos, a região com maior incidência de amputação é o Sudeste, com 2,87 mil casos no período, seguido pelo Nordeste (2,10 mil), Sul (1,13 mil), Norte (631) e Centro-Oeste (472). Os estados com maior número de casos de amputação são São Paulo (1,22 mil), Minas Gerais (1,06 mil) e Paraná (582).
Alerta
Segundo a SBU, os homens devem estar em alerta para qualquer mudança na genitália, que deve ser avaliada pelo urologista. Entre elas destacam-se ferida que não cicatriza, nódulos, secreções saindo do prepúcio, área vermelha endurecida, sangramentos vindo da glande que não é exposta, pruridos (coceiras). Essas mudanças podem ser pré-malignas. Consultando um especialista, o homem pode evitar a evolução para o câncer, orientou o supervisor da instituição.
De acordo com o Datasus/Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações, de 2013 a 2020, a média nacional de cobertura para a segunda dose da vacina contra o HPV na população entre 11 e 14 anos é de 65,8% para a feminina e 35,6% para a masculina. Os estados com menor cobertura vacinal, com duas doses para meninos, são Acre (15,2%), Amapá (20,6%), Pará (22,6%) e Rio de Janeiro (23,1%). A vacina no SUS está disponível para meninas entre 9 e 14 anos e meninos entre 11 e 14 anos.
O HPV tem prevalência mundial estimada em 11,7%, e a faixa etária de maior incidência é abaixo de 25 anos.