Sem acesso à saúde dental, milhões de americanos vivem com dor de dente
O cuidado com a saúde dental não faz parte da cobertura sanitária geral nos Estados Unidos e foi excluído do Medicare quando este programa foi criado, em 1965
10:15 | Nov. 01, 2021
Gengivas inflamadas, dentes cariados, pacientes com dor, e crianças que não se atrevem a sorrir: essa é a rotina de Roslyn Kellum, uma dentista itinerante que viaja pelos Estados Unidos atendendo dezenas de milhares de pessoas que não podem pagar por seus cuidados dentários.
"Eles têm que escolher entre tratar seus dentes e pagar suas contas, sua gasolina, comida, ou aluguel", conta Kellum, diretora da Mission of Mercy, uma organização cristã beneficente que fornece atendimento médico e dental gratuito a americanos desfavorecidos em vários estados.
O plano de gasto social maciço do presidente Joe Biden, nomeado "Reconstruir melhor" (no original, "Build Back Better"), incluía inicialmente o reembolso dos cuidados dentários aos beneficiários do programa de saúde pública Medicare, destinado aos idosos e a pessoas com deficiência.
A proposta foi, no entanto, removida do plano, devido à resistência da oposição republicana e de alguns legisladores de seu próprio Partido Democrata, que pressionaram para reduzir o valor da iniciativa até US$ 1,75 trilhão.
A poderosa Associação Dental dos Estados Unidos (ADA) também se opôs à ampliação do reembolso, argumentando que a medida deveria beneficiar apenas os mais pobres.
O cuidado com a saúde dental não faz parte da cobertura sanitária geral nos Estados Unidos e foi excluído do Medicare quando este programa foi criado, em 1965.
"Conservar os dentes na boca ao envelhecer não deveria ser um luxo neste país", denunciou recentemente o senador progressista independente Bernie Sanders.
No entanto, este é o caso de muitos americanos.
María Hernández, de 53 anos, uma auxiliar de saúde em domicílio que mora na capital do país, Washington, D.C., não tem seguro dental e não consegue pagar os tratamentos de que precisa.
"Temos salários baixos, não podemos pagar", afirma.
Um estudo recente da Fundação Kaiser Family apontou que 24 milhões de americanos - quase metade dos beneficiários do Medicare - não têm cobertura dental.
Os seguros privados podem ser muito caros, e os custos dentários são muito altos, se os pacientes precisarem pagar por eles de seu próprio bolso: centenas de dólares por uma revisão de rotina, podendo chegar a vários milhares de dólares por uma obturação.
Quase metade dos pacientes do Medicare não foi ao dentista em 2020, relata a Fundação Kaiser.
A taxa é ainda maior entre as minorias: 68%, no caso dos afro-americanos, e 61%, dos hispânicos. Este é mais um exemplo das desigualdades raciais no sistema sanitário americano, que se acentuaram com a pandemia da covid-19.
Além da dor física e do risco de complicações para a saúde em geral, ter os dentes em mau estado também gera efeitos psicológicos. As crianças não se atrevem a sorrir, ou a se expressar em aula, e os adultos não encontram trabalho, principalmente, no setor de serviços.