Dia Nacional da Doação de Órgãos: principal obstáculo continua sendo a recusa familiar
Celebrado nesta segunda-feira, 27, a doação de órgãos de pacientes mortos só pode ser feita no Brasil mediante autorização familiar. Por falta de informações e até mesmo pela forma que são abordadas por profissionais, muitas famílias não concedem a autorização
08:55 | Set. 27, 2021
Nesta segunda, 27 de setembro, é celebrado o Dia Nacional da Doação de Órgãos. A data, que foi instituída pela Lei nº 11.584/2007, objetiva esclarecer a sociedade sobre a importância da doação, levando pessoas a dialogarem sobre a temática com familiares e amigos de forma a propagar mais informações, conhecimento e conscientização. Mesmo com a ampliação da discussão do tema, a doação de órgãos ainda é vista por muitos como um assunto delicado e até polêmico, resultando em um alto índice de recusa familiar.
Por meio da doação de órgãos é possível realizar transplantes, que são procedimentos cirúrgicos que objetivam repor um órgão (coração, pulmão, rim, pâncreas e fígado) ou tecido (medula óssea, ossos e córneas) de uma pessoa doente (receptor) por outro órgão ou tecido normal de um doador vivo ou morto.
No caso de doações realizadas após a constatação de morte do paciente, o procedimento só pode ser realizado no Brasil mediante autorização dos familiares, de acordo com a lei em vigência. Muitos, no entanto, acabam não autorizando, o que aumenta o tempo de algumas pessoas na fila de espera por um órgão compatível, levando alguns a óbito.
A orientadora da Central de Transplantes do Estado, Eliana Régia Barbosa, explica que a comunicação adequada por parte dos profissionais é essencial para que uma família autorize a doação dos órgãos de um parente que morreu. “No Brasil e também no Ceará, uma das principais causas de não efetivação das doações de órgãos e tecidos é a taxa de negativa familiar elevada. É importante destacar que essa taxa se deve à desinformação sobre o processo doação-transplante, mas principalmente pela falta de um acolhimento adequado e de uma comunicação qualificada no momento de dor e perda de um ente querido dessa família”, explica.
Eliana ainda esclarece que é importante manifestar o desejo de ser um doador ainda em vida aos familiares e amigos, deixando claro que a autorização pode ser concedida após a morte. O médico oftalmologista e membro do Instituto Cearense de Oftalmologia (ICO), Giuliano Veras, que realiza transplantes de córneas, pontua que a ação de doar, seja em vida ou após a morte, pode salvar vidas. “Você consegue salvar vidas e devolver a qualidade de vida através de uma doação”.
De acordo com o Registro Brasileiro de Transplante de 2020 da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), o Ceará foi o sexto estado no ranking nacional em números de transplantes de órgãos com doadores falecidos por milhão da população e primeiro da região Nordeste e Norte. No entanto, o número de transplantes realizados ainda não atendeu à necessidade estimada, exceto no transplante de córnea.
O médico oftalmologista explica que o Ceará conta com dois bancos de olhos, sendo um público e um particular, e que não possui fila de espera no presente momento. “Felizmente, nós não temos esse problema com relação à espera de longo prazo para receber uma córnea. A situação se complicou um pouco no período de pandemia da Covid-19, onde tivemos três ou quatro meses que quase não conseguimos fazer transplantes, pois as córneas estavam muito limitadas”, explica.
O período de pandemia foi responsável por diminuir a quantidade de captação de córneas de forma significativa, tanto pela questão da doação como pelos próprios profissionais que tinham receio de se contaminar. Por essa razão, o médico explica que foi estabelecido um protocolo para que fosse realizada uma junta com órgãos competentes, bancos de olhos, Secretaria da Saúde Municipal e muitos médicos, aproximando os números de transplantes desse ano aos realizados em 2019, quando o País ainda não tinha sido atingido pelo coronavírus.
Além disso, Eliana explica que mesmo com a queda dos números desde o início da pandemia, o Ceará ficou em quarta posição no ranking nacional em número de doadores efetivos por milhão da população. “Em 2020 e no primeiro semestre de 2021, nos meses em que a situação epidemiológica apresentava dados elevados, tivemos redução das doações e transplantes no Estado. Com a diminuição dos índices de Covid-19, apreciamos uma recuperação progressiva, com a normalização na realização de todos os transplantes”, pontua.
Vidas transformadas
A nutricionista Telma Rodrigues, 53, natural de Belém (PA) passou por um transplante de fígado em 2017, no Hospital Universitário Walter Cantídio, em decorrência de uma doença de causa desconhecida pela ciência, sendo definida como idiopática. O difícil diagnóstico impossibilitou os médicos de utilizarem outros métodos para controlar o problema, sendo necessária a realização do procedimento que concedeu à paciente um novo fígado.
Enquanto aguardava por um órgão que fosse compatível durante 14 dias, a nutricionista viveu momentos de angústias e incertezas. “Quando eu cheguei em Fortaleza, eu imaginava que existisse um banco de órgãos já com o fígado parecido compatível, mas quando eu cheguei descobri que alguém parecido comigo precisaria morrer para que eu pudesse viver. Isso gera medo, tristeza e muita angústia, porque não sabemos se esse órgão vai aparecer antes de nós não conseguirmos resistir”, explica.
Por conta do procedimento, Telma entendeu a importância não somente da celebração do Dia Nacional da Doação de Órgãos, mas das pessoas conscientizarem suas famílias a autorizarem a doação quando necessária. “Sentimento de muita gratidão a Deus à família do meu doador que disse sim”, celebra.
Outro caso de vida transformada foi a da idosa Maria Arruda Rodrigues, 74, que já passou por dois transplantes de córnea em decorrência da patologia chamada distrofia de fuchs, sendo o último procedimento realizado no mês passado no Instituto Cearense de Oftalmologia (ICO). No entanto, por falência do último transplante, ela terá que receber uma nova córnea pela terceira vez.
“Eu não estou conseguindo enxergar direito. Já não enxergo de um olho por conta de um vírus e o outro apresentou o problema na córnea, então eu não estou enxergando bem e só vejo vultos”, explica a idosa.
Nos dois procedimentos já realizados, Maria relatou que não passou muito tempo na fila de espera. O terceiro transplante está previsto para acontecer na próxima semana ou no começo de outubro. “Estou aguardando o contato do pessoal do ICO”, completa.
O oftalmologista Giuliano Veras aconselha que pacientes que possuam queixa de comprometimento visual importante devem procurar atendimento especializado para que o caso possa ser avaliado. “O transplante hoje em dia evoluiu muito. Então, nós temos várias técnicas que a gente consegue, dependendo do tipo da doença e qual camada da córnea está acometida, de forma seletiva, retirar só a porção da córnea que está com defeito, sendo chamado transplante lamelar”, explica.
Com o avanço no procedimento, o índice de rejeição diminui de forma significativa. Outro fator que deve ser levado em conta é que a córnea possui privilégio imunológico, onde a chance de rejeição de um transplante é muito menor do que de qualquer outro órgão ou tecido em que se tenha vascularização.
Setembro verde
Em celebração ao dia 27 de setembro, Dia Nacional da Doação de Órgãos, o Instituto Doutor José Frota (IJF) vai promover a 9ª Edição do Encontro das Famílias Doadoras, nos jardins do Centro Cultural Casa Barão de Camocim, na segunda-feira, 27. O evento contará com a participação de pais, filhos e irmãos de doadores, além de jovens e adultos que aguardam nas filas de espera por um novo órgão. Pacientes já beneficiados com o transplante e profissionais da saúde envolvidos nos processos também estarão presentes.
O momento será de agradecimento, valorização da solidariedade e celebração à vida. A programação conta com homenagens, ato ecumênico e apresentação de música. No último mês de agosto, mais de 90% das famílias atendidas pela Comissão Intra Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT/IJF) autorizaram os procedimentos.
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