Morte do filho de Whindersson Nunes: pediatra fala de riscos e prevenção de bebês prematuros
No Brasil, são registrados seis nascimentos prematuros a cada dez minutos. A pediatra neonatologista Eveline Campos, da Meac, avalia o cenário de assistência à prematuridade em Fortaleza e defende a garantia de acesso a um pré-natal de qualidadeNesta semana o Brasil se mobilizou com a notícia da morte do filho do humorista Whindersson Nunes, João Miguel, nascido prematuro com 22 semanas. Mais comum do que parece, a prematuridade ainda é um desafio na saúde pública brasileira. Cerca de 340 mil bebês, em média, nascem prematuros todos os anos no Brasil, o equivalente a 931 por dia. A cada dez minutos, ocorrem seis nascimentos antes das 37 semanas de gestação.
O País ocupa a 10ª posição no mundo em casos de prematuridade. Dados do Sistema de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde apontam que 55% dos óbitos infantis poderiam ser evitados a partir da atenção à gestação, parto e recém-nascido. No Ceará, 14.789 bebês nasceram prematuros em 2020.
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Há dez anos na chefia da Unidade Neonatal de Cuidados Intensivos e Intermediários da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac), em Fortaleza, a pediatra neonatologista Eveline Campos ratifica que a prevenção é o melhor caminho para lidar com a prematuridade. Por isso, o acesso ao pré-natal de qualidade precisa ser garantido.
A médica coordena uma equipe de 67 neonatologistas na Meac que tem uma média de 400 partos por mês, com uma taxa de prematuridade que chega a até 25%. A rotina na UTI neonatal é intensa, mas ela assegura que não se vê em outro lugar. “A gente se envolve muito interagindo com a família e na perda a gente sofre junto com eles, mas temos também muitas alegrias de altas e isso dá o conforto pra gente continuar”, conta.
Em entrevista ao O POVO, Eveline avalia que a Capital tem necessidade de ampliação dos leitos nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) neonatais para atender à demanda, que chega também do interior do Estado. A pandemia de Covid-19 trouxe preocupações a mais nesse contexto, pois as gestantes com o quadro grave da doença correm o risco de ter partos prematuros.
A pediatra ressalta ainda a necessidade de inserir a prevenção à prematuridade dentro de uma política pública que prioriza a educação. “Tem trabalhos mostrando que a mortalidade infantil está relacionada com a baixa escolaridade das mães. Seria importante investir na educação, e depois na saúde. Posso ter um pré-natal maravilhoso na esquina da minha casa, mas se não acho que é importante pra mim não vou lá”, comenta.
O POVO - O que levou a senhora a escolher a neonatologia?
Eveline Campos - Na residência de pediatria, a gente passa o estágio só com recém-nascidos e me apaixonei. Adoro o que eu faço. Há dez anos me chamaram para chefiar o serviço [de neonatologia na Meac] e eu gosto muito. Me identifiquei porque acho que temos a oportunidade de fazer a diferença na vida de alguém, que é o mais importante na medicina. É conseguir com nosso conhecimento melhorar a vida de muitas pessoas. Minha preocupação aqui é só com eles [os bebês], não sei nem quem é o pai ou a mãe, mas a gente briga por eles. Na Meac temos mais ou menos 400 partos por mês e um percentual muito grande de bebês prematuros. Se for comparar todas as maternidades públicas de Fortaleza, a Meac atende o maior número de bebês prematuros. Nosso percentual de prematuridade varia a cada mês, mas é uma média de 20% a 25%. Essa é uma taxa alta. Temos duas UTIs neonatais, somando 21 leitos, mas geralmente assistimos mais pela demanda da rede, pois faltam leitos de UTI na Cidade. Raramente [o atendimento] fica na nossa capacidade, sempre estamos com lotação.
OP - Como é trabalhar diariamente com bebês prematuros que demandam tantos cuidados especiais? Além de lidar com a expectativa e ansiedade dos pais para a alta dos filhos.
Eveline - Realmente é muito pesado. Temos perdas, a gente se envolve muito, interagindo com a família e na perda a gente sofre junto com eles, mas temos também muitas alegrias de altas e isso dá o conforto pra gente continuar. Mas, nosso dia a dia é bem movimentado, todo dia tem um desafio novo. E é isso que gosto de fazer. Não me vejo fazendo outra coisa. A gente trabalha em equipe e a equipe de médicos é excelente assim como a da enfermagem. Acho que a diferença da Meac para ter bons resultados é a equipe integrada. Eu, como liderança, tenho a obrigação de deixar as pessoas motivadas para todo mundo trabalhar de forma que a gente tenha um bom resultado no fim. A diferença aqui são as pessoas. Temos muito agradecimento dos pais. Eles têm muita gratidão. Nos preocupamos também com o emocional dos médicos que trabalham nessa situação de risco e toda a equipe de enfermagem porque é uma atividade muito desgastante e precisamos de um suporte. Temos uma equipe grande de psicólogos, serviço social, fisioterapeuta, fonoaudióloga, nutricionista. Então, a gente trabalha em equipe e o sucesso de a criança sair com alta não é de uma pessoa, é da equipe.
OP - Por que o nascimento prematuro ainda é a principal causa de mortes nos primeiros cinco anos de vida no Brasil, desde 1990?
Eveline - A mortalidade infantil inclui todos os bebês que morrem abaixo de um ano. Existe a mortalidade neonatal dentro da mortalidade infantil. É o bebê que morre antes de 27 dias. A maior quantidade de bebês que morrem antes de um ano de vida é no período neonatal, no primeiro mês de vida. O fator responsável pela maioria dessas mortes é a prematuridade. O bebê prematuro está mais sujeito a ter algumas patologias inerentes à própria prematuridade. Ele não consegue respirar por conta própria, nasce com imunidade mais baixa, tem o sistema gastrointestinal imaturo, não consegue se alimentar via oral se for muito prematuro. A mortalidade está ligada diretamente às patologias da própria prematuridade. É tanto que dentro da OMS [Organização Mundial da Saúde] existe um compromisso de baixar a mortalidade neonatal. Por isso é tão importante o foco no prematuro. Inclusive no Ministério da Saúde uma estratégia importante que é o Qualineo, implantado na maioria das universidades do Brasil, principalmente as universitárias. A estratégia identifica vários problemas e elabora ações para diminuir a mortalidade neonatal e a cada ano estamos conseguindo diminuir. No entanto, o ideal é que o bebê não nasça prematuro, uma vez nascendo vamos fazer o possível para que consiga sobreviver com qualidade de vida e sequelas mínimas.
OP - Como prevenir a prematuridade?
Eveline - Para evitar que o bebê nasça prematuro, é preciso identificar fatores de risco. Se eu identificar fatores de risco, consigo prevenir o parto prematuro. A prevenção vai ser feita através da melhoria das condições maternas, tanto antes da mulher engravidar e no pré-natal. O mais importante é ter acesso a um pré-natal de qualidade. Se ela tiver acesso a um pré-natal de qualidade, ela vai conseguir resolver os problemas que podem aparecer durante a gestação que poderiam desencadear o parto prematuro. Nas condições maternas, existem algumas condições que podem levar ao fato prematuro, que são os fatores de risco.
OP - Quais os fatores de risco da prematuridade?
Eveline - Existem os fatores epidemiológicos, como o tabagismo, e o uso de drogas ilícitas. Temos esse problema muito sério. Muitas mães atendidas aqui tem histórico de drogas ilícitas, principalmente o crack. Isso tem aumentado muito. Temos percebido que esse fator de risco tem estado bem mais presente do que há dez anos atrás. A desnutrição e a obesidade também são fatores de risco. Outra coisa importante é que o baixo nível socioeconômico também está associado à prematuridade, assim como a baixa escolaridade, que estão relacionados à falta de acesso a um pré-natal de qualidade. E essa falta é um fator de risco. É muito frequente encontrar bebês prematuros com mães que não fizeram nenhuma consulta de pré-natal. Ela não foi assistida em nenhum momento dessa gestação dela. Se ela tivesse tido um pré-natal, talvez ela não tivesse tido um parto prematuro. Existem fatores de risco obstétricos, como alguma doença que ela desenvolveu ao longo da gestação, doenças pré-existentes, fatores ginecológicos, clínicos e, ainda, genéticos. A gestação múltipla também é um fator de risco.
OP - As mulheres mais vulneráveis socialmente estão mais sujeitas a terem partos prematuros?
Eveline - Isso está dito na literatura. As mulheres com baixo nível socioeconômico estão sob um fator de risco. O baixo nível socioeconômico está ligado à baixa escolaridade, que pode levar a achar que não é importante ir para o médico, se cuidar. Acaba que são coisas relacionadas. É tanto que se encontra o nicho de prematuridade maior dos hospitais públicos.
OP - O que poderia melhorar em relação à assistência a bebês prematuros e suas famílias no Ceará?
Eveline - Acho que o mais importante é melhorar o acesso ao pré-natal, fazer essas mulheres chegarem ao pré-natal de qualidade. Temos que trabalhar na prevenção. Se essa mulher engravidar e tiver um acompanhamento, ela consegue controlar infecção, diabetes e outras doenças que possam surgir. Às vezes essas mães não conseguem chegar lá. Elas vão e não tem vaga. Conversamos muito com elas sobre isso e relatam essa dificuldade. Também é importante ampliar o número de leitos de UTI porque uma vez que esses bebês prematuros nascem, temos de dar uma assistência qualificada e o grande problema é a falta de leitos. Se for falar de uma política pública mais abrangente ainda, é a educação. A educação está na frente da saúde. Se a gente tiver boa escolaridade, evitaremos a prematuridade, além de muitas doenças. Já tem trabalhos mostrando que a mortalidade infantil está relacionada com a baixa escolaridade. A criança que nasce de mãe de baixa escolaridade tem o risco maior de morrer no primeiro ano de vida. Seria importante investir na educação, e depois na saúde. A educação vem antes de tudo. Às vezes a mãe, pela baixa escolaridade, não tem noção da importância do pré-natal. Posso ter um pré-natal maravilhoso na esquina da minha casa, mas se não acho que é importante pra mim não vou lá. Nos países de primeiro mundo, com alta escolaridade, a mortalidade infantil chega a ser metade da mortalidade do Brasil.
OP - Quais cuidados inspiram um bebê prematuro?
Eveline - Dentro da prematuridade tem os extremos e os moderados e o comportamento deles é totalmente diferente. Quanto mais prematuro for, mais comorbidade vai ter. Na prematuridade, o bebê nasceu antes de os órgãos amadurecerem a tempo. É um bebê que vai ter alterações na parte pulmonar, problemas neurológicos, cardiológicos, mais suscetibilidade a infecções. Esse bebê prematuro exige uma UTI altamente especializada com tecnologia, com qualificação de pessoal. Se esse bebê nascer num hospital sem UTI, vai ser prejudicado porque precisaria de transferência. O custo do tratamento é alto. A UTI tem toda uma tecnologia de respiradores, vários procedimentos avançados. Esse é o grande problema. Em Fortaleza, temos falta de leitos de UTI no geral. Ainda precisamos aumentar esses leitos na Capital para conseguir dar assistência adequada a esses bebês. Com assistência adequada, a sobrevida deles aumenta muito. A Meac está em reforma para ampliação desses leitos. Hoje temos 21 leitos e vamos aumentar para 40 leitos de UTI. O problema também é que atendemos muitas cidades do interior, não só Fortaleza.
OP - O que se sabe até agora sobre a relação entre prematuridade e Covid-19?
Eveline - Desde que começou a pandemia, surgiram vários trabalhos publicados mostrando que as gestantes com Covid-19 na forma mais grave tem mais risco de ter parto prematuro. Temos percebido isso. Existem gestantes que têm a Covid-19 na forma mais leve e isso não interfere, mas se ela tiver o quadro mais grave vai propiciar risco de parto prematuro. No fator de risco de infecções em geral, a Covid-19 entra como forma de aumentar o risco de bebês prematuros. É uma preocupação da gente. Sabemos que uma grávida com qualquer infecção pode precipitar o parto prematuro, não sabemos o mecanismo ainda [relacionado à Covid-19]. Agora, de forma interessante, até agora não tem trabalho confirmando que a mãe que tem Covid-19 passa a doença para o bebê no útero. Ele pode contrair em contato com ela se não forem tomados todos os cuidados. Aqui na Meac, todos os casos de mãe com Covid-19 que tivemos, nenhum bebê pegou.
OP - O fator emocional, principalmente no contexto de tensão e angústia trazido pela pandemia, pode influenciar em nascimentos prematuros?
Eveline - Sobre o fator emocional isolado, especialmente durante a pandemia, não foi comprovada relação com parto prematuro. Mas, temos observado muito essa questão emocional. As pessoas estão extremamente abaladas no geral, imagine as grávidas. Elas ficam muito ansiosas, inseguras, com medo que aconteça algo com o bebê delas. A gente observa que as mães com Covid-19 ficam muito ansiosas, mas não podemos afirmar que isso tem resultado no parto prematuro de forma isolada.
OP - A perda de bebês prematuros é certamente um momento extremamente doloroso para os pais. Como acontece quando é necessário informar aos pais uma notícia como essa?
Eveline - A gente se preocupa muito com o atendimento humanizado. A família tem toda a prioridade no hospital, a mãe tem acesso para entrar em qualquer momento na UTI. Isso faz a diferença na recuperação mais rápida das crianças. Quando o bebê está mais perto de ir embora, temos oficinas com a mãe uma vez por semana. A enfermeira explica todos os cuidados com o prematuro, alimentação, banho, troca de fraldas. A gente chama isso de protocolo de alta segurança. Esse bebe só vai para casa se estiver segura sobre os cuidados com ele. Os bebês que vão ao óbito, temos um trabalho de comunicação com o psicólogo, serviço social e médico que vai acolher essa mãe no momento dessa perda. Mas, cada vez mais essas mortes têm diminuído bastante. Com a tecnologia melhorando sempre, temos aparelhos cada vez melhores. Os bebês têm sobrevivido muito. Dos prematuros, a taxa dos que ficam com algum problema depois da alta é em torno de 10%. Temos mais histórias de sucesso do que não sucesso. A gente tem um ambulatório que acompanha os bebês por até dois anos. Temos o cuidado desde a hora que ele chega até depois que ele sai.
Taxa de prematuridade na Meac
Com uma média de 400 partos por mês, a Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac), da Universidade Federal do Ceará (UFC), apresenta uma taxa de nascimentos prematuros que varia de 20% a 25%. Em janeiro de 2020, a taxa chegou a 26%. Em dezembro do mesmo ano, ficou em 16,2%.
Nascimentos prematuros no Ceará
Em 2019, nasceram 14.944 crianças prematuras no Estado. Em 2020, foram 14.789 segundo dados da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa). São considerados prematuros recém-nascidos que nascem com menos de 37 semanas gestacionais. Os hospitais da rede Sesa referência para atendimento a bebês prematuras são o Hospital Geral Dr. César Cals (HGCC), Hospital Geral de Fortaleza (HGF), Hospital Regional Norte (HRN), em Sobral, e o Hospital Regional do Sertão Central (HRSC), em Quixeramobim.
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