Obesidade x Covid-19: por que a doença crônica é um fator de risco?

Muitas vezes, acompanhado de outras doenças, como diabetes e hipertensão, estar com acúmulo de gordura dificulta a reação do corpo a inflamações e reduz a longevidade

O que define quem tem uma reação mais grave ao quadro de Covid-19 ou vai ao óbito? As respostas para essa pergunta ainda são muito incertas, mas, estar obeso está cada vez mais se consolidando como um fator de risco quando se fala na pandemia. Antes mesmo da circulação do vírus, a condição de acumular gordura já vinha preocupando os médicos.

A prevalência da obesidade cresceu nos últimos anos no Brasil. É o que aponta a Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), de 2018, do Ministério da Saúde. Em 13 anos, houve o aumento de 67,8%, saindo de 11,8% em 2006 para 19,8% em 2018. Esse crescimento foi maior em adultos de 25 a 34 anos e 35 a 44 anos, com 84,2% e 81,1%, respectivamente. E isso está diretamente ligado na forma como as pessoas têm vivido.

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É o que explica a a médica endocrinologista Ana Flávia Torquato, do ambulatório de obesidade do Hospital Universitário Walter Cantídio. A oferta de alimentos mais calóricos, com baixa nutrição, e uma maior quantidade de açúcares e gorduras é um dos fatores de se comer mais do que o corpo vai precisar gastar. Engordar ou emagrecer está longe de ser definido por questão de vontade e hábitos de vida, a genética pode contribuir para o acúmulo de gordura também. “Tem pessoas que tem mais tendência a acumular  gordura, existem vários genes que aumentam o risco para obesidade. A maioria desses genes codificam proteínas no cérebro, que é o onde o apetite e o metabolismo são controlados”, afirma Torquato.

Ela explica que o diagnóstico é feito primeiramente com avaliação do Índice de Massa Corporal (IMC). O IMC é calculado dividindo o peso pela altura elevada ao quadrado. Ou seja, de forma mais simples, você multiplica sua altura por ela mesma e depois divide seu peso pelo resultado da última conta. Em via de regra, existe uma régua em que o resultado variando em 25 e 30, é dito como sobrepeso, enquanto obesidade grau 1, entre 30 e 35, grau 2, entre 35 e 40, e grau 3, acima de 40.

Fator de risco multiplicado: a obesidade nunca vem sozinha

Segundo a médica, os pacientes chegam, geralmente, ao consultório por dois motivos: tentar emagrecer e não conseguir ou sofrendo de alguma doença associada à obesidade. Complicações de diabetes, pressão alta, problema no coração ou respiratório são alguns dos casos. E é ai que a preocupação dos médicos aumenta com os pacientes de Covid-19. Asmáticos, pessoas com doenças do coração, fumantes, diabéticos, além de idosos, que também tendem ao acúmulo de gordura, são alguns dos grupos de risco que estão mais suscetíveis a pegar a Covid-19 e também de ter reações mais graves.

O quadro fica mais complicado porque a obesidade deixa o organismo exposto a inflamação e aumenta os riscos de tromboses, pela tendência da formação de coágulos sanguíneos em uma ou mais veias grandes. “O mecanismo em si (de como a Covid-19 afeta pacientes obesos), ainda não sabemos, a hipótese é que existe uma alteração na resposta imune no paciente obeso, nós sabemos que eles têm uma inflamação crônica, existe um aumento de citocinas inflamatórias, ele tem maior risco de trombose e mais tendência a ter problemas respiratórios”, ressalta ela. O vírus entra em circulação no corpo por meio do trato respiratório e tem como primeiros sintomas, e principais, quadros de gripe, dor de garganta e falta de ar.

Questões técnicas também são fatores possíveis da mortalidade. Como a falta de ar é um dos sintomas que aparecem em casos de Covid-19, é preciso que, em uma situação de emergência, o paciente necessite ser intubado. Nesse procedimento, um tubo é inserido na garganta do paciente para levar oxigênio aos pulmões e, pela anatomia do pescoço e do tórax, o processo pode demorar e o paciente vir ao óbito. “Como é uma intubação mais difícil, o médico pode ter dificuldade de realizar, e pode não conseguir”, afirma a médica. Outro ponto é que, para facilitar na respiração, a equipe de enfermagem e médica precisam realizar o que eles chamam de “pronar”, quando se coloca o doente de barriga pra baixo, também pode ser uma dificuldade em emergências.

No Ceará, segundo o Integrasus, plataforma da Secretária de Saúde do Estado do Ceará(Sesa), 44, 39% dos óbitos tem alguma comorbidade. Doenças cardiovasculares e diabetes são as doenças crônicas mais listadas, e a obesidade aparece em sétimo lugar dos números de mortos com comorbidade.


Jovens obesos

A médica endocrinologista reforça ainda que a obesidade não pode ser uma questão ignorada quando se fala em Covid-19, podendo responder algumas lacunas do diagnóstico e estudo da patologia. “Acredita-se que grande parte dos jovens que tiveram casos mais severos sejam pela obesidade [...]Se pensa ‘É jovem não tinha nada’, mas quando você vai olhar bem muitos desses pacientes graves que tiveram com a Covid-19, eles tinham obesidade”, ressalta.

É nesse ponto que o alerta precisa começar, ressalta Ana Flávia Torquato. É preciso pensar que a doença crônica pode ter início logo na infância. Pesquisas do Ministério da Saúde indicam que 12,9% das crianças brasileiras de 5 a 9 anos já são obesas. Doenças associadas não necessariamente ocorrerão, mas há uma grande chance de acontecer e irem minando em longevidade e qualidade durante as diversas etapas de vida, da infância à fase adulta.

Estar acima do peso diminui cerca de um ano da expectativa de vida, em longa escala quase 10 anos podem ser perdidos em casos de obesidade severa, de acordo com um estudo amplo publicado na revista médica "The Lancet", em 2016. A pesquisadora Emanuele Di Angelantonio, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, na época, ressaltou como o riscos de doença cardíaca coronária, acidente vascular cerebral, doenças respiratórias e câncer também aumentam. Foram usados dados de quase quatro milhões de adultos de quatro continentes e o estudo apontou que pessoas com excesso de peso perdem em média cerca de um ano das suas expectativas de vida, e as pessoas "moderadamente obesas" perdem cerca de três anos.

O controle do acúmulo de gordura deve ter uma atenção desde a infância, mas precisa ser visto de outra maneira. " Nós estamos lidando com uma doença crônica, a obesidade não é uma questão de escolha, é crônica, não é uma escolha do paciente, esse tratamento de que a obesidade é uma escolha não faz bem pro paciente", ressalta a médica. 

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