Primeira cirurgia fetal com útero exposto no Ceará é realizada na Maternidade-Escola

A cirurgia, inédita no Estado, foi realizada na Maternidade-Escola Assis Chateaubriand (MEAC), do Complexo Hospitalar da UFC/Ebserh, no último domingo, dia 26

21:47 | Mai. 29, 2019

A clínica prometeu uma investigação completa sobre o erro, bem como uma revisão de padrões(foto: NIlfacio Prado/MEAC)>

No dia em que completava 35 anos, Fernanda Oliveira se preparava para mais um grande desafio: a cirurgia a que seria submetida na manhã seguinte para corrigir uma malformação congênita da bebê que carrega no ventre. Faltam algumas semanas para Maria Giovana nascer, mas ela já entra para a história da medicina fetal do Ceará, como a primeira bebê operada para correção de mielomeningocele ainda no útero da mãe. A cirurgia, de alta complexidade, mobilizou todo o hospital e envolveu mais de 20 profissionais de saúde altamente especializados, entre médicos neurocirurgiões pediátricos, obstetras fetólogos, anestesiologistas e neonatologistas, além de farmacêuticos, enfermeiros e técnicos de enfermagem. O procedimento foi um sucesso: mãe e bebê se recuperam muito bem e seguirão monitorados até o nascimento.

A cirurgia, inédita no Estado, foi realizada na Maternidade-Escola Assis Chateaubriand (MEAC), do Complexo Hospitalar da UFC/Ebserh, no último domingo, dia 26 de maio de 2019. Coordenado pelos professores de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC) Edson Lucena e Herlânio Costa, o procedimento foi viabilizado com a vinda de quatro médicos de São Paulo: os neurocirurgiões Sérgio Cavalheiro e Italo Suriano e os obstetras fetólogos Antonio Fernandes Moron e Maurício Barbosa, além da participação do neurocirurgião pediátrico Eduardo Jucá e da anestesiologista Fernanda Castro e equipe.

Sobre a mielomeningocele

Também conhecida como espinha bífida aberta, a mielomeningocele é uma malformação congênita da coluna vertebral do bebê em que as meninges, a medula e as raízes nervosas estão expostas. O defeito surge antes da 8ª semana de gestação, durante a fase de formação dos órgãos. Se não corrigido, traz graves sequelas no desenvolvimento neurológico da criança. As causas são multifatoriais, podendo ser genéticas ou ambientais.

A Sociedade Brasileira de Neurocirurgia estima que a cada 1.000 nascimentos, 1 a 10 bebês podem ter essa condição. Por isso, a medicina fetal tem concentrado esforços para tentar corrigir com o máximo de precocidade, evitando danos mais severos. A técnica mais comum é uma neurocirurgia nos primeiros dias após o nascimento. Mas nos últimos anos, a cirurgia no bebê ainda no útero da mãe tem sido a opção mais eficaz.

Cirurgia intrauterina (Foto: NIlfacio Prado/MEAC)

Cirurgia intrauterina a céu aberto

A principal inovação na técnica utilizada na cirurgia de Maria Giovana é que ela é feita “a céu aberto”, ou seja, os médicos colocam o útero da paciente para fora e fazem uma pequena incisão nele, através da qual operam a coluna do feto. Em seguida, fecham as incisões e o útero é inserido novamente no abdômen da mãe. A gestação segue normalmente até o nascimento do bebê, geralmente prematuro.

“O procedimento melhora o prognóstico dessas crianças no sentido motor, neurológico e no desenvolvimento em toda a sua vida, com menor taxa de hidrocefalia e favorecendo uma independência para elas. Já há evidências científicas consistentes de que quando a cirurgia é realizada intra-útero o resultado neurológico é melhor do que a cirurgia pós-natal”, explica Edson Lucena.

No caso da cirurgia a céu-aberto, o ideal é sua realização entre a 24ª e a 26ª semanas da gravidez. Para isto, é fundamental que o diagnóstico seja feito o mais precoce possível para que haja tempo de orientação adequada e preparo da paciente e a família possa tomar sua decisão. “A mielomeningocele já pode ser suspeitada no ultrassom morfológico de 1º trimestre, entre 11 e 14 semanas de gestação, e confirmada a partir da 15ª semana, em geral, no morfológico de 2º trimestre, de 18 a 24 semanas”, aponta Herlânio Costa.

Perspectivas

Segundo o gerente de Atenção à Saúde da MEAC, Carlos Augusto Alencar Júnior, a maternidade já deu entrada ao processo de habilitação para oferecer neurocirurgias de alta complexidade, como esta, via SUS. Anseio compartilhado com o também professor Moron: “Hoje marcamos um momento muito importante da história da cirurgia fetal do país. As pessoas buscam realização de cirurgia de forma isolada. Aqui tivemos um comprometimento institucional, ligado ao SUS, e a mielomeningocele é muito mais prevalente entre pessoas de poucos recursos. Estar disponibilizando a cirurgia próximo da moradia dessas pessoas é fundamental”, afirmou. Moron destacou ainda que a MEAC está numa posição de liderança no Nordeste, com estrutura hospitalar e corpo técnico totalmente preparado para oferecer esse procedimento sistematicamente. Essa capacitação é fruto de um projeto de cirurgia fetal pensado para todo o Estado, numa parceria de várias especialidades, incluindo cirurgia pediátrica capitaneada pelo professor Aldo Melo, da UFC.

Uma chance para a esperança

Enfermeira e moradora de Russas, a 150 quilômetros de Fortaleza, Fernanda Oliveira já é mãe de Maria Beatriz, de 5 anos, que também tem mielomeningocele. As limitações no desenvolvimento da primogênita foram a principal motivação para que a família buscasse um tratamento precoce para a bebê que está sendo gerada. “Busquei informação em todo o país, mas a cirurgia particular era impossível para nós. Foi um especialista de Curitiba quem me indicou o Dr. Herlânio, aqui da MEAC”, contou.

A partir da primeira consulta na Maternidade-Escola, a família e o hospital se organizaram rapidamente para a cirurgia. Três dias após o procedimento, Fernanda segue se recuperando muito bem, conseguindo andar, medicada e sem dor. O marido e a mãe também estão dando todo o suporte. “É uma vitória de toda a família. A saúde da Giovana vai ser importante até mesmo para a qualidade de vida da Beatriz, que demanda muito nossa atenção. Não temos palavras para agradecer a Deus e a todos os profissionais envolvidos”, conclui a paciente.