O que é um genocida? E por que Bolsonaro está sendo chamado assim?

Aprenda mais sobre a expressão genocida e entenda como o termo se aplica no debate atual no Brasil.

Em 25 de março de 2020, o Google registrou um crescimento de quase 100%, de um dia para o outro, nas buscas pelo termo "genocida" no Brasil. Segundo a empresa, a procura do significado da palavra nunca foi tão demandada.

Neste ano, o termo ganhou contornos políticos na boca de muita gente que condena a postura do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em relação ao agravamento da pandemia e o consecutivo recorde no número de mortes em 24 horas.

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A palavra, cunhada no início da década de 1940 pelo advogado judeu polonês Raphael Lemkin, é uma junção de génos (do grego: família, tribo ou raça) e caedere (do latim: matar).

Saiba mais sobre o conceito.

O que é um genocida?

Um genocida é alguém que participa ativamente em um genocídio em curso. Pode ser considerado como um conjunto de agentes: a pessoa que lidera o projeto de morte, bem como as que executam.

Ou seja, é um grupo de pessoas que deliberadamente assassina e extermina grupos similares, por conta de características nacionalistas, étnicas, raciais, etc. É quem participa em um projeto de extermínio de minorias organizadas.

Ao longo da história, os genocidas ficaram associados com o que se chamou de totalitarismo. Trata-se de um conceito em ciência política para determinar um governo extremista, autoritário, que é construído com base no extermínio do diferente, na censura, na repressão, no militarismo, etc.

Nesse caso, o genocídio pode ser uma ação deliberada que ocorre durante um certo período de tempo. Um projeto que envolve um conjunto de medidas políticas, liderado por uma pessoa. Ou também pode ser uma série de ações que visam eliminar a dignidade de um grupo aos poucos.

Cemitério Memorial no vilarejo muçulmano de Potocari, próximo a Srebrenica. Há 25 anos ocorria o maior massacre na Europa depois da Segunda Guerra. No vilarejo, leste da Bósnia-Herzegovina, forças sérvias assassinaram mais de 8 mil muçulmanos. A maioria dos criminosos nunca foi julgada. (Foto: AFP/D Dilkoff).

Cemitério Memorial no vilarejo muçulmano de Potocari, próximo a Srebrenica. Há 25 anos ocorria o maior massacre na Europa depois da Segunda Guerra. No vilarejo, leste da Bósnia-Herzegovina, forças sérvias assassinaram mais de 8 mil muçulmanos. Maioria dos criminosos nunca foi julgada.
Cemitério Memorial no vilarejo muçulmano de Potocari, próximo a Srebrenica. Há 25 anos ocorria o maior massacre na Europa depois da Segunda Guerra. No vilarejo, leste da Bósnia-Herzegovina, forças sérvias assassinaram mais de 8 mil muçulmanos. Maioria dos criminosos nunca foi julgada. (Foto: AFP/D Dilkoff)

O genocida não é só a pessoa que ativamente desenvolve um projeto de morte. Há especialistas que afirmam que líderes governamentais que negligenciam as condições de vida ou que impedem que aquele grupo tenha o mínimo de condições para sobrevivência também podem ser enquadrados como genocidas.

Vale citar também como crucial a criação de medidas que impedem o nascimento de pessoas pertencentes ao grupo vitimado.

O objetivo de um genocida, direta ou indiretamente, é desestruturar as características de um povo — as características idiomáticas, sociais, políticas, religiosas —, de modo a inibir a liberdade, a saúde e o mínimo de dignidade.

Com ações deliberadas, um efeito pode causar o outro, em cadeia, e levar a esse cenário. A dúvida é, apenas, com relação à intenção e à escala dessas ações.

Origem do termo genocida

O termo genocida nasceu na década de 40, como uma forma de descrever o horror dos crimes contra a humanidade cometidos pelos nazistas. O conceito une duas partes: genos (povos) e cida (matar) para designar a morte estruturada e deliberada de povos inteiros.

A concepção foi criada com o objetivo de descrever de forma mais intensa e séria o que se via. O jurista Raphael Lemkin, judeu que observou o massacre do seu povo, entendia que um conceito específico era o melhor para designar o horror que aquele movimento representou.

Desde então, o termo foi considerado pela ONU como crime contra a humanidade. Hoje, há até um tribunal específico para julgar causas como essas, o Tribunal de Haia.

Hoje, a discussão se estende até para movimentos de menor escala. Então, busca-se um consenso acerca do que se pode chamar de genocídio ou não, a depender da quantidade de mortes e da relação causa-consequência.

Por exemplo, negligência seria um ato de genocídio? Nesse caso, outros agentes podem estar envolvidos de forma mais direta, de modo a causar um efeito mais direto e visível. Nesse caso, como o ator principal do genocídio deve ser culpabilizado?

Como o termo foi criado para um movimento totalitário, há um questionamento acerca de outros movimentos, que não chegam a esse cunho. É uma discussão similar a que se tem com expressões como "fascista" e "nazista".

O que é um movimento genocida?

Um movimento genocida é um que tenta de forma coordenada provocar esse extermínio. Por isso, pode ser um movimento totalitário que encara aquele determinado grupo como um inimigo mortal. Então, o que garante a existência desse movimento é justamente a repressão e a eliminação do diferente.

Na maioria dos casos, o grupo vitimado nada fez para merecer esse ódio mortal. Trata-se de um preconceito injusto, desumano e profundo, que simplesmente toma algumas parcelas da sociedade como inimigos de forma quase arbitrária. Claro, tem a ver com outras questões, como a xenofobia.

Em alguns tipos de governos totalitários, a repressão e a eliminação eram demonstrações de força, de vigor, de poder. Da mesma forma, era uma forma de justificar ações absurdas e desumanas, sem que ninguém pudesse se opor — como ocorre em uma democracia.

Eliminar o diferente é garantir que apenas uma voz sempre é ouvida, enquanto muitas outras são silenciadas à força.

Os movimentos genocidas são sustentados por ideais de superioridade racial, religiosa e até mesmo por convicções científicas. Vale lembrar que, ao longo da história, a ciência já foi usada para afirmar que alguns seres humanos são superiores a outros.

Contudo, também pode ser baseado em um ideal de unificação do povo, o que é um pretexto para justificar a eliminação do diferente. Em alguns casos, o discurso de "um povo" e "uma raça" é apenas uma fachada para indicar que existe um conceito de povo único e que todo o resto deve ser eliminado ou se adequar.

No nazismo, por exemplo, havia um ideal de raça, a ariana. Há casos de extermínios motivados por questões religiosas que se baseiam no objetivo de determinar uma única religião certa, impedindo outras pessoas de professarem suas outras crenças.

Nesse caso, o foco do genocida é fazer uma limpeza, uma espécie de higienização social, que considera o outro como uma "sujeira". Assim, o custo de vidas humanas não é considerado alto, pois o genocídio nem mesmo considera aquelas vidas como humanas de fato.

Então, vale pensar em questões como o racismo, em que se considera que o outro é menos do que ser um humano, portanto, menos digno de direitos. A comparação das minorias com animais é muito comum nessas ideologias e movimentos.

Quais foram os maiores genocídios?

Vamos agora comentar os principais casos de genocídios que tivemos registrados no mundo, principalmente do século XX até hoje.

Evidentemente, tivemos casos similares antigamente, mas não eram considerados assim, pois o termo nem existia. Como o termo vigora a partir dos anos 40, temos que restringir os tipos.

Holocausto

Talvez o maior e mais aterrorizante caso de genocídio que a humanidade viu recentemente. Estima-se que 6 milhões de pessoas foram dizimadas. A lógica do holocausto consistia em levar pessoas à morte a partir do trabalho forçado em campos de concentração ou a partir de câmaras de gás que sufocavam essas pessoas.

As grandes vítimas foram os judeus, grandes inimigos dos nazistas. Os massacres tinham como objetivo exterminar a população judaica da Europa e instituir a predominância da raça ariana, considerada pura.

O holocausto foi planejado de forma coordenada, como um projeto de governo. Por isso, é um dos casos mais chocantes de genocídio, que, como já falamos, motivou a criação do termo.

Polônia

Cerca de 1,8 a 3 milhões de pessoas teriam morrido na Polônia por conta de ações desumanas e cruéis dos nazistas também. Estima-se que um total de 6 a 10% da população do país foi eliminada, em uma ação coordenada.

Os poloneses eram também considerados como inimigos, assim como os judeus. Inclusive, um dos campos de contração mais conhecidos fica justamente na região da Polônia, Auschwitz.

Camboja

Na década de 70, o regime Khmer Vermelho, liderado por Pol Pot, protagonizou a matança de pessoas do país, em busca da superação ideológica para implantar um modelo de país à força. 6% a 10% da população teria sido eliminada por essas ações deliberadas, segundo se tem como registro.

Genocídio Circassiano

Um dos principais casos de genocídios que foram nomeados retroativamente, o genocídio da Circassia aconteceu entre 1864 e 1867. O agente causador foi o Império Russo, que eliminou boa parte da população circassiana (cerca de 90%, um total de 800 mil a 2 milhões de mortes).

A Circassia era um país localizado entre a Europa e a Ásia, na região chamada de Cáucaso, ente o Mar Negro e o Mar Cáspio.

Armênia

De 700 mil a 1,8 milhões, em 1915 a 1922, ocorreu o reconhecido genocídio da Armênia pelo Império Otomano. Hoje, a Turquia é um dos países que não reconhece esse episódio como real, embora outras nações já tenham feito esse reconhecimento.

O genocídio no Brasil

Opositores do governo do presidente Jair Bolsonaro se manifestam com cartazes e camisetas com os dizeres â.œGenocídio foraâ.. durante discurso na sessão do Congresso Nacional em Brasília, em 3 de fevereiro de 2021. - O Congresso brasileiro elegeu na segunda-feira dois aliados do presidente Jair Bolsonaro à frente do Senado e da Câmara, uma importante vitória do líder da extrema direita em sua busca por revigorar seus esforços de reeleição para 2022. (Foto Sergio Lima / AFP)
Opositores do governo do presidente Jair Bolsonaro se manifestam com cartazes e camisetas com os dizeres â.œGenocídio foraâ.. durante discurso na sessão do Congresso Nacional em Brasília, em 3 de fevereiro de 2021. - O Congresso brasileiro elegeu na segunda-feira dois aliados do presidente Jair Bolsonaro à frente do Senado e da Câmara, uma importante vitória do líder da extrema direita em sua busca por revigorar seus esforços de reeleição para 2022. (Foto Sergio Lima / AFP) (Foto: Sergio Lima / AFP)

No Brasil, tivemos alguns casos conhecidos de genocídio, embora ainda se discuta o uso do termo. A questão é que é preciso jogar luz sobre esses episódios chocantes e tristes do nosso passado para aprender mais.

Massacre de Haximu

Um deles é o massacre de Haximu. Trata-se de um episódio dos anos 90 que demonstrou como é sistemática e cruel a violência contra os povos indígenas no nosso país. Em junho e julho de 1993, garimpeiros invadiram um local de acampamento Yanomami com armas para assassinar os povos que ali estavam.

Ao todo, mataram 16 pessoas, com o intuito de limpar a região e favorecer as ações de garimpo e extração mineral. Esse é apenas um caso que ficou conhecido, mas muitos outros não foram descobertos e denunciados assim.

O genocídio do povo negro

Muitos especialistas e estudiosos de racismo afirmam que no Brasil há em curso um genocídio da população negra.

Trata-se de instituição e preservação de politicas públicas que visam aniquilar o povo negro, negar direitos básicos à sobrevivência e exterminar, com violência, inclusive.

Nesse sentido, pode ser incluída uma política de negligência, de negação dos efeitos de racismo e de encarceramento e assassinato de jovens negros. Professores e acadêmicos consideram esse genocídio como um dos mais chocantes do nosso país, pois ainda é negado consistentemente

O genocídio do maior hospício do país

Em 2013, foi publicado o livro "Holocausto Brasileiro: Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil", uma obra que denunciava um genocídio mascarado que ocorria no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena, em Minas Gerais.

Nesse centro, pessoas eram torturadas e expostas a condições desumanas de sobrevivência, sendo que 60 mil delas realmente foram privadas de suas vidas. O horror acontecia com o consentimento do governo, inclusive, o que torna a história ainda mais excruciante e criminosa.

Além disso, 70% das pessoas enviadas para o centro nem mesmo sofriam com condições mentais que justificariam sua presença lá.

Então, o centro se tornou um local para mandar pessoas que não se encaixam em padrões morais da sociedade, como mães solteiras, jovens rebeldes, esposas adúlteras, mulheres engravidadas pelos patrões, alcoólatras, tímidos, etc.

Bolsonaro e o genocídio

Há discussões sobre o enquadramento das ações do presidente no crime de genocídio, já que, em parte, por não haver intencionalidade e por não ser uma política dirigida a um grupo específico da população, dificilmente algum julgamento seguiria adiante.

Contudo, o uso político da palavra vem sendo bastante comum. O termo já foi utilizado pelo governador de São Paulo, João Dória (PSDB), e pelo youtuber Felipe Neto, provocando outras polêmicas, como sua intimação para depoimento no Rio de Janeiro.

Atualmente, também há um esforço de políticos e entidades brasileiras de direitos humanos por um julgamento do presidente Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional (TPI), cuja tramitação avançou nos últimos dias.

Em comunicado oficial emitido na última segunda-feira, 15, o escritório da TPI informou que um caso envolvendo Bolsonaro está formalmente sob avaliação preliminar de jurisdição. É a primeira vez que um presidente brasileiro é envolvido neste tipo de investigação.

No início do mês de março, grupo de juristas brasileiros apresentou ao TPI uma representação contra o presidente Jair Bolsonaro por genocídio de indígenas brasileiros.

No texto, os membros vinculados à Comissão Arns e ao Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (Cadhu) alegam que o mandatário tem enfraquecido as instituições de controle e fiscalização, demitido pesquisadores e foi flagrantemente omisso na resposta aos crimes ambientais na Amazônia.

Conclusão

Como vimos, um genocida é alguém que participa ativamente em um projeto sistemático e planejado de extermínio de um grupo de pessoas. Dessa forma, o genocídio pode ser visto como um projeto de governo ou como algo que é permitido pelo governo, de forma leniente e conivente.

Analisamos os casos mais chocantes da história do mundo. Depois, vimos também situações que podem ser consideradas como genocídio em nosso país, como a violência contra povos indígenas, o genocídio orientado pelo racismo contra os negros e até mesmo o episódio que foi chamado de "Holocausto brasileiro".

Também é importante ponderar como isso se encaixa no Brasil do presidente Jair Bolsonaro. Afinal, o termo voltou à tona e vem sendo usado para condenar o presidente com relação a suas ações na pandemia de Covid-19.

Com o devido conhecimento, as pessoas podem aprender como aplicar o termo de forma inteligente.

 

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