Ex-prefeita elegeu marido em município vizinho e tenta se eleger vice da concunhada

Líderes políticos de Reriutaba e Pires Ferreira, Marfisa Aguiar e Pedro Humberto têm raízes familiares como um dos fatores que explicam força política nas duas cidades

12:09 | Set. 19, 2024

Por: Carlos Holanda
Ex-prefeita de Pires Ferreira, Marfisa Aguiar (PSB) concorre a vice-prefeita na chapa de Dra. Livia (PSB). Ela tenta reeleger o marido Pedro Humberto (PSB) no município ao lado, Reriutaba (foto: Divulgação)

Atualizada às 13h49min

Livia Maria Mesquita Mororo Muniz Marques tenta, neste ano, ser reconduzida ao Palácio Pedro Marques de Melo, a sede da Prefeitura de Pires Ferreira, a 322 quilômetros de Fortaleza e com 10,6 mil habitantes, conforme o Censo de 2022. O "nome de guerra" da candidata é Dra. Lívia, do PSB. A gestora acomoda outra mulher em sua chapa, Maria Marfisa Marques Aguiar (PSB), 39. Se reeleita, Livia igualará Marfisa, ex-prefeita com dois mandatos seguidos no município (2013-2020).

Livia e Marfisa são concunhadas, ou seja, os maridos delas são irmãos. Em vídeo publicado no Instagram em 25 de agosto, Marfisa, de óculos Juliet, dança ritmo brega funk em que o nome "Pedro Humberto" é citado várias vezes. O jingle faz referência ao marido dela, prefeito de Reriutaba, município que faz limite com Pires Ferreira. Assim como Dra. Lívia, Pedro Humberto (PSB) é candidato à reeleição.

Pedro Humberto Coelho Marques, esposo de Marfisa Aguiar, e Marcos Paulo Marques, esposo da Dra. Livia, são filhos de Marcos Camelo Marques, ex-prefeito de Pires Ferreira (2005-2012). O pai de Marcos Camelo, Pedro Marques de Melo, dá nome ao Paço Municipal de Pires Ferreira, uma manifestação oficial da força política do grupo familiar.

Em ensaio publicado no O POVO em agosto de 2023, Monalisa Torres, Nathanael Guimarães e Matheus Freitas escrevem que, dada a fragilidade dos partidos políticos, a organização política passa inicialmente pelo que se convencionou identificar por grupo político, uma "estrutura informal de poder", "formando uma rede ampla de relações políticas envolvendo diferentes níveis de poder e cuja coesão não está atrelada a filiação partidária, mas a identificação (pessoal) com um chefe político".

O cientista político José Raulino Chaves Pessoa Júnior, em "Como se conquista e se mantém bases eleitorais?", livro publicado pela EdUece, afirma que ligações familiares constituem relevante forma de socialização política, de modo a propiciar desde cedo o desenvolvimento de habilidades que habilitam os integrantes a ocuparem posições de elite. Os mais velhos ensinam aos mais novos os meandros da atividade política, a forma de conduzir tratativas, administrar contradições e acomodar interesses de antigos e novos aliados.

"Assim, se reporta a um 'capital familístico' como um tipo específico de capital social, uma vez que o pertencimento a famílias tradicionais no município é acionado na aquisição de votos e no estabelecimento de acordos, credenciando essas pessoas aos postos de líderes políticos", escreve Raulino. Na obra, o cientista político tece investiga as raízes do grupo político — de feições igualmente familiares — liderado por Domingos Filho (atualmente no PSD), ex-presidente da Assembleia Legislativa do Ceará e ex-vice-governador do Ceará.

"A escolha do nome de um integrante da elite política é estratégica, sobretudo de uma elite que faz tanta referência à tradição política do grupo familiar. O nome carrega uma importante marca de distinção e uma imagem instituída e consolidada da família, sendo recorrente a utilização de nomes como 'Junior', 'Filho', 'Sobrinho' e 'Neto' para fazer referência a algum político da família com uma carreira política consolidada. Além disso, cada família tem um conjunto de nomes que lhe é normalmente atrelado, designações pessoais, quase sempre, referências ao mito fundador do grupo familiar", comenta o autor.

Assim com o esposo Pedro Humberto, Marfisa também pertence a uma linhagem com tradição na política local. Se as raízes de Pedro Humberto se encontram em Pires Ferreira, ainda que ele administre Reriutaba, Marfisa, candidata a vice-prefeita de Pires Ferreira, tem um avô, um pai e um tio ex-prefeitos de Reriutaba. São José Edimilson Aguiar (1959-1962), José Aguiar Filho (1989-1992) e Carlos Roberto Aguiar (1997-2004), respectivamente. O avô era dono de farmácia. 

Em conversa por WhatsApp com O POVO, Marfisa diz que a "força política é dada pelo povo", razão pela qual o grupo dele é grato. Questionada sobre se o presumível alinhamento entre as gestões de Pires Ferreira e Reriutaba se traduz em mais benefícios para a população, ela diz não enxergar o alinhamento. Marfisa herdou administração em Pires Perreira de Marcos Camelo Marques.

"As duas cidades são totalmente diferentes, em Pires Ferreira minha gestão foi feita em cima de um trabalho já muito bem iniciado pelo Professor Marcos. Em Reriutaba, Pedro Humberto iniciou sua gestão com muito a organizar na casa, pegando uma administração desorganizada, então não há o que se falar em alinhamento entre as duas cidades, pois foram experiências completamente diferentes", afirma Marfisa.

E acrescenta: "Em verdade, o aprendizado de gestão que eu e Pedro Humberto temos nos auxiliou, com certeza, na tomada de algumas decisões, mas não consigo enxergar um alinhamento de gestão entre as duas cidades", responde a candidata a vice-prefeita, que diz não se lembrar das administrações do pai, "pois tinha quatro anos", e do tio, "pois tinha uns 11 anos e morava em Sobral".

Pires Ferreira e Reriutaba são cidades em que o PT do ministro Camilo Santana (Educação) e o PSB do senador Cid Gomes estão em lados opostos. Em Pires Ferreira, Corrinha (PT) e Eduardo Ximenes (PP) são adversários de Dra. Livia. Em Reriutaba, Osvaldo Neto (PT) é o único oponente de Pedro Humberto. Para Marfisa, o acirramento é bastante normal, desde que respeitados os limites da "civilidade".

"Eu e Dra. Lívia, em Pires Ferreira, e Pedro Humberto, em Reriutaba, focamos tanto no que realmente devemos fazer, que pouco tenho notado o que, de fato, as oposições têm feito", diz. "Em Reriutaba, já fui atacada com palavras de baixo calão no palco do adversário, mas não vejo isso como acirramento, e sim como atitude covarde e fruto de desorientação."

Na conversa com O POVO, a ex-prefeita sublinha, inicialmente, que o grupo político se preocupa em renovar os próprios quadros. "Escolhemos as pessoas certas, apostamos em novos talentos, gente jovem e aguerrida, que realmente se doa e faz acontecer. Fico muito feliz quando vejo jovens, que muitas vezes nunca tiveram oportunidade, assumirem um protagonismo e fazerem bonito".

Outro tópico destacado por Marfísa é o de que Pedro Humberto se elegeu com apoios políticos e pela vontade popular. "Na época na sua campanha, eu ainda estava prefeita de Pires Ferreira. E trabalhando lá para eleger minha sucessora", frisa.

No município, fala-se que o poderio político do grupo de Marfisa a faz projetar uma vaga na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) em 2026, o que ela não confirma. "A política é dinâmica e na minha experiência devemos respeitar o tempo e os processos eleitorais que vivemos. No momento, minhas únicas projeções são me eleger como vice-prefeita de Pires Ferreira e eleger Pedro Humberto prefeito de Reriutaba", encerra.

Escolhemos as pessoas certas, apostamos em novos talentos, gente jovem e aguerrida, que realmente se doa e faz acontecer. Fico muito feliz quando vejo jovens que muitas vezes nunca tiveram oportunidade assumirem um protagonismo e fazerem bonito, sabe?