Memes, música no TikTok, trends e fantoches: campanhas de Fortaleza apostam no humor

Políticos brigam pela atenção do público, com base nas diretrizes de engajamento das redes sociais

A corrida pela Prefeitura de Fortaleza ganhou proporções nacionais neste pleito de 2024. Da região Norte à Sul do Brasil encontram-se, nas redes, comentários sobre aspectos da campanha fortalezense, que não se tratam, no entanto, de propostas ou ideias, mas de paródias e frases engraçadas dos candidatos.

O humor moldou o tom das eleições. Desde o período pré-eleitoral, candidatos como o prefeito José Sarto (PDT) e André Fernandes (PL) têm apostado em publicações com tom descontraído. O uso dos óculos no modelo ‘juliet’ pelo primeiro e referências a apelidos antigos pelo segundo são casos marcantes. Capitão Wagner (União Brasil) utilizou da estratégia, em menor proporção.

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Com o início oficial da campanha, o cenário escalonou. A briga é pela atenção do público, com base nas diretrizes de engajamento das redes sociais. Foram utilizadas imagens com ironias, jingles e até referências a programas de humor cearenses, como o “Nas Garras da Patrulha”, este utilizado pelo prefeito Sarto.

Para além das “brincadeiras”, os candidatos aumentaram o tom de ‘deboche', com críticas aos adversários, e levaram o humor para outros meios, como campanhas na TV, nas rádios, nas ruas, além dos debates eleitorais.

Confira algumas publicações dos candidatos no período eleitoral

Na campanha eleitoral, uso do humor aumentou

O primeiro caso de viralização da campanha em Fortaleza a nível nacional ocorreu devido a um momento, em debate realizado pelo O POVO. George Lima (Solidariedade) virou tema de matérias de veículos de fora do Ceará após soltar frase inusitada,“Chupa aqui, para ver se sai leite!”, direcionada a André Fernandes. George aproveitou e fez da frase um jingle que, inclusivem chegou a sua campanha na televisão.

Mais recentemente, a campanha de André foi projetada nacionalmente, com a música “É Culpa do Sarto”, uma crítica direta ao prefeito da cidade. Nas redes, moradores de outros estados compartilharam registros dançando ou cantando a música, alegando não saber, no entanto, quem seria ‘Sarto’. A movimentação levou o prefeito a responder à provocação, utilizando o mesmo rítmo do jingle, apenas com a letra modificada em seu favor.

O humor está vinculado à política desde os tempos mais longínquos. Na Grécia Antiga, o gênero comédia não era, necessariamente, humorístico, mas, muitas vezes, se utilizava de elementos descontraídos para satirizar a democracia ateniense, mobilizando a opinião pública.

No Brasil, os primeiros periódicos de imprensa já exibiam caricaturas e sátiras do imperador Dom Pedro II, chamado pejorativamente de “Pedro Banana”, em referência a uma sonolência que ele, supostamente, apresentaria em público. A tendência de charges, sátiras e brincadeiras na imprensa e no meio político seguiu pela República, Ditadura Militar e na Redemocratização.

Segundo a pesquisadora vinculada ao Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC), Monalisa Torres, isso ocorre porque o humor é capaz de humanizar o político, aproximando-o do público. “O humor pode ajudar a dar visibilidade, fazer com que o candidato chegue a um número maior de pessoas”, explica.

Ou seja, o humor sempre foi utilizado na política e, vem sendo incorporado nas campanhas eleitorais. Agora, o nível escalonou com a proliferação do uso das redes sociais.

Algumas publicações dos candidatos na campanha eleitoral

Políticos como produto e a corrida por quem viraliza mais nas redes sociais

O algoritmo das redes sociais controla a abrangência das publicações na internet, com base nas preferências do público. A briga é por quem alcança mais pessoas e, além, por quem consegue fazê-las parar uns segundos para reter a informação. O desafio é ultrapassar as diversas “bolhas” das redes. O poder do humor, como forma de captar atenção, entra neste ponto.

A lógica, não à toa, parece com uma relação comercial. Monalisa Torres cita o pesquisador Joseph Schumpeter ao citar as eleições como uma “vitrine”, na qual o candidato “vende seu produto”, a própria campanha, em troca do voto do eleitor.

Em um cenário condicionado às redes, a relação natural é a que se vê hoje: de se submeter aos requisitos do mercado (algoritmos das redes) para alcançar o topo das vendas (conquistar o eleitor), mesmo que isso signifique satirizar o pleito.

“Eu penso que essa pegada de explorar o humor, às vezes até em excesso, tem um pouco disso. De construir essa ferramenta de comunicação para ser explorada sobretudo nas redes sociais, que é um espaço de viralização. Às vezes, pode-se alcançar um público que talvez pela TV, rádio ou outro canal não seja possível”, diz a pesquisadora.

No entanto, a postura nas redes não se limita e o comportamento com foco em viralizar atinge ambientes tidos como mais "tradicionais", como campanhas na TV, nas rádio e nos debates. É uma espécie de ciclo, que retorna ao meio online.

“Os próprios debates estão deixando de falar sobre a cidade, de discutir a cidade, de colocar os programas e agendas, para produzir material que vai ser explorado nas redes sociais. Respostas de ‘lacração’ e trechos de falas, feitos para serem utilizados de forma bem humorada, mas que vão alimentar as redes desses candidatos”, reforça Monalisa Torres.

Um exemplo em evidência é o de Pablo Marçal, candidato à Prefeitura de São Paulo. Além do “humor debochado”, o influencer aposta em declarações polêmicas e ofensas para, segundo ele próprio, alimentar “os cortes” - vídeos curtos para as redes sociais.

Monalisa Torres atribui ao conhecimento do candidato sobre o modo como as redes funcionam com o aumento do desempenho dele na corrida paulistana. No entanto, ela reforça que a viralização não é o único fator que garante uma vitória.

“Cada caso é um caso. Às vezes, a imagem escolhida não cola, forçam uma figura que não cabe ao que conhecemos do candidato. Além disso, alguns têm mais familiaridade com as redes, outros nem tanto. Há fatores ainda como avaliação do governo, as máquinas. Vai muito além. Influencia? Sim. É decisivo? Não me arriscaria a tanto”, diz ela.

“Político tem que lembrar: quem faz humor somos nós”: comediantes falam sobre humor e política

Nas eleições deste ano, shows e vídeos de humoristas ganharam destaque e chegaram a integrar as campanhas dos políticos. Capitão Wagner, José Sarto e André Fernandes, por exemplo, estiveram no show do humorista Titela, denominado “Titela Talk Show”, no qual ele entrevista personalidades.

Fernandes e Sarto ainda apareceram em vídeos do comediante Mateus Cidrão, divulgados nas redes sociais, no estilo “entrevista bate e pronto”. Além dos dois, muitos humoristas não incluem diretamente os candidatos, mas têm focado na política como tema central dos shows. Dentre eles, há Moisés Loureiro, cujo especial “Não vote em mim” satiriza a corrida eleitoral.

Os três conversaram com O POVO sobre a utilização do humor nas eleições deste ano. O comediantes exaltaram o papel da comédia como forma de reflexão e crítica sobre o que está em evidência, mas colocam "freios" de até onde os políticos podem ir no uso do humor.

O comediante Mateus Cidrão disse que sempre foi favorável em utilizar o “humor para falar de assuntos importantes”. “Achei massa a ideia de fazer humor com os políticos e os chamar pra ver as piadas que eu fazia com eles. Consigo fazer mais gente prestar atenção e cobrar assuntos que realmente importam”.

Já Moisés Loureiro lembrou a figura do cearense Chico Anysio. " (Ele) dizia que o humor não é capaz de mudar nada, mas tem obrigação de denunciar tudo. Mas a mudança de fato só vem do povo que vai decidir o que faz a partir dessas percepções.”

Titela, por outro lado, comentou que já recebeu comentários sobre votos decididos pelo show de humor: “Muitas pessoas me falam: 'estava indeciso, mas quando assisti ao Titela Talk Show, mudei de ideia e agora tenho meu candidato'”, disse.

Os três exaltaram a aceitação dos políticos, mas criticaram o que consideram como “excessos” nas campanhas. “O limite do humor pra mim é a graça, se for engraçado é humor, se ninguém riu, não é. O excesso de humor na política é igual aquele ditado, tudo o que é demais é veneno”, disse Titela.

Moisés Loureiro cita, em tom de crítica: “o rei que manda matar o bobo da corte não perde a coroa, mas perde a simpatia do povo”.

“Só um tirano não é capaz de aceitar as bobagens de um ridículo. Os políticos precisam do humor para humanizá-los. Com a internet, essa relação fica ainda mais forte e tênue. Nessa eleição, tem políticos que estão quase virando humoristas de fato”, afirmou, acrescentando que “o humor é pautado pela política, mas o contrário não pode acontecer".

Sobre este aspecto, Mateus Cidrão foi categórico e disse que político “não tem que fazer graça”. “O político tem que lembrar que faz humor somos nós. É legal usar o humor, o cearense gosta, mas a política não pode virar uma palhaçada. A função dos políticos é ajudar a população que deposita confiança neles”, ressaltou.

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