Vinte anos sem João Paulo II: entenda o que mudou na Igreja Católica

Vinte anos sem João Paulo II: entenda o que mudou na Igreja Católica

João Paulo II promoveu mudanças que perduram até hoje sob Francisco e põem a Igreja no centro da disputa política global entre conservadores, reacionários e progressistas

Há exatos 20 anos, faleceu o papa João Paulo II, pondo fim ao que foi um dos papados mais longevos e populares da história da Igreja Católica. Eleito em 16 de outubro de 1978 para suceder João Paulo I, que exerceu apenas 33 dias de papado, João Paulo II passou 26 anos no comando da Igreja.

Ao longo de seu papado, João Paulo testemunhou vários acontecimentos históricos, como a queda do muro do Berlim, a dissolução da União Soviética, e o fim da Guerra Fria. Passados 20 anos, o mundo relembra hoje o evento que parou o planeta e levou mais de dois milhões de pessoas à capital italiana.

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Como arcebispo de de Cracóvia, Karol Wojtyla, nome pelo qual foi batizado, João Paulo II ficou conhecido por lutar pela liberdade religiosa e direitos individuais dentro da Polônia, que vivia uma ditadura comunista. Apesar de seguir regras impostas pelo regime vigente até então, Wojtyla foi um dos principais responsáveis pela abertura de novas igrejas no país.

Na primeira missa solene realizada após a morte do papa João Paulo II, o cardeal Angelo Sodano lembrou a luta do pontífice contra o nazismo e o comunismo. ‘‘A civilização cristã é a civilização do amor, ao contrário daquela civilização do ódio que foi proposta pelo nazismo e pelo comunismo’’, disse o cardeal.

Vítima de ambos os regimes ditatoriais, Karol Wojtyla perdeu o pai, que era suboficial do Exército polonês no início da II Guerra Mundial, logo após a Polônia ser invadida pela Alemanha nazista de Hitler e pela União Soviética comunista.

Em 1939, ele foi forçado a trabalhar em uma pedreira e em uma fábrica de químicos pelos nazistas, para evitar ser enviado a campos de trabalho dentro do território alemão. Foi durante esse período que o jovem se voltou ao estudo da fé católica no seminário de Cracóvia.

Nascido em 18 de maio de 1920, na cidade de Wadowice, no interior da Polônia, Karol era o mais novo de três irmãos, ficando órfão de mãe aos nove anos de idade. Em 1946, logo após a II Guerra Mundial, ele foi ordenado padre aos 26 anos, indo para Roma aprofundar seus estudos em teologia.

No regresso à Polônia, Karol tornou-se também professor universitário, tornando-se ícone nas críticas ao comunismo no país. Nomeado bispo auxiliar de Cracóvia em 1958, tornou-se arcebispo da cidade em 1964, sendo nomeado cardeal em 1967 pelo papa Paulo VI.

Durante seu papado, João Paulo II fez 104 viagens internacionais, sendo uma delas ao Ceará, mais do que qualquer outro pontífice. Seu período no comando da Igreja também é lembrado pela busca por diálogo com judeus e muçulmanos.

O pontífice sobreviveu a um atentado em 1981 na Praça São Pedro, e perdoando seu agressor, Mehmet Ali Aca. Nos anos 2000, a saúde do Papa começou a se deteriorar devido à Doença de Parkinson, com o pontífice vindo a falecer em 2 de abril de 2025. aos 84 anos.

João Paulo II foi beatificado em 2011 pelo papa Bento XVI e, em 2014, canonizado pelo papa Francisco. Hoje, é conhecido como São João Paulo II e é lembrado como um dos papas mais influentes da história moderna.

Visita ao Ceará

Em 9 de julho de 1980, o Ceará viveu um dos momentos mais emblemáticos de sua história, com a visita do papa João Paulo II. A passagem do pontífice por Fortaleza reuniu uma multidão no Estádio Castelão, evento até hoje considerado um marco na fé e na religiosidade do povo cearense. A visita fazia parte da primeira viagem do papa à América Latina, e sua presença no Brasil foi cercada de emoção e devoção.

O ponto alto da visita foi a missa campal no Castelão, que atraiu um público estimado em 120 mil pessoas. Fiéis de diversas cidades do Ceará e até de estados vizinhos lotaram o estádio, ansiosos para ver de perto o líder da Igreja Católica. O calor intenso não impediu que a multidão aguardasse pacientemente para ouvir as palavras do papa, que reforçou mensagens de esperança e destacou a importância da justiça social.

Durante sua homilia, João Paulo II ressaltou a realidade do povo nordestino, abordando temas como a seca, a pobreza e a desigualdade social. Ele fez um apelo por maior solidariedade com os mais necessitados e reconheceu a força da fé do povo cearense diante das dificuldades. Suas palavras emocionaram os presentes e reforçaram a conexão entre a Igreja e a população do Nordeste.

Além da missa no Castelão, o papa também visitou uma universidade na Capital cearense, onde discursou para milhares de jovens. No encontro, ele destacou o papel da educação na transformação da sociedade e incentivou a juventude a construir um futuro mais justo. Sua passagem pela capital cearense foi marcada por momentos de proximidade com o povo, com diversas pessoas tentando se aproximar para receber sua bênção.

A visita de João Paulo II a Fortaleza deixou um legado duradouro. Até hoje, fiéis que estiveram presentes no evento lembram com emoção do dia em que o líder da Igreja Católica esteve em solo cearense. O estádio Castelão, palco da histórica missa, ainda guarda na memória coletiva dos cearenses aquele dia de fé e devoção.

Quase 45 anos depois, a visita de João Paulo II continua sendo relembrada como um dos momentos mais importantes da história religiosa do Ceará. Seu discurso e sua mensagem permanecem vivos entre os que testemunharam esse encontro inesquecível com um dos papas mais carismáticos da Igreja Católica.

A igreja após João Paulo II

Após a morte de João Paulo II, a Igreja Católica viveu momentos de intensa transformação no século XXI, marcados por dois pontificados distintos. A renúncia do Papa Bento XVI, anunciada em 11 de fevereiro de 2013, foi um evento sem precedentes na história moderna da Igreja. Sua decisão de deixar o cargo foi justificada pela sua fragilidade física e incapacidade de continuar conduzindo a instituição. No entanto, o gesto inédito gerou debates sobre pressões internas e crises enfrentadas pelo Vaticano, como escândalos financeiros e denúncias de abuso sexual.

Bento XVI, cujo nome de batismo era Joseph Ratzinger, foi um papa de perfil conservador e teológico, focado na defesa da doutrina tradicional da Igreja. Antes de sua eleição, em 2005, ele atuou como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, órgão responsável por preservar a ortodoxia católica. Seu papado ficou marcado por medidas como a reabilitação do uso da Missa Tridentina (rito em latim) e sua firme oposição ao relativismo moral.

Entretanto, escândalos como o Vatileaks, que revelaram documentos sigilosos sobre corrupção no Vaticano, o que enfraqueceu a posição de Bento XVI, sendo isso apontado como um dos fatores que contribuíram para sua renúncia.

Com a saída de Bento XVI, o conclave escolheu um sucessor de perfil bem diferente: o argentino Jorge Mario Bergoglio, que adotou o nome de papa Francisco.

Assim como João Paulo II, Francisco também rompeu paradigmas, ao ser o primeiro papa não europeu da história. Primeiro pontífice latino-americano, Francisco rapidamente adotou um estilo mais simples e acessível, distanciando-se dos rituais luxuosos da Cúria Romana abdicando de muitos privilégios papais, ele tem preferência por viver na Casa Santa Marta na basílica de São Pedro, promovendo uma Igreja mais aberta e voltada para os desafios sociais contemporâneos e a grupos marginalizados.

Desde o início de seu pontificado, Francisco promoveu reformas significativas. Sua encíclica "Laudato Si’", publicada em 2015, trouxe um forte apelo à preservação do meio ambiente, colocando a Igreja no centro das discussões sobre sustentabilidade e justiça social. Além disso, sua abordagem mais inclusiva em relação à comunidade LGBTQIA+, aos divorciados recasados e ao papel das mulheres na Igreja gerou admiração entre progressistas e resistência entre setores mais tradicionais.

As tensões entre conservadores e progressistas cresceram dentro do Vaticano. Figuras da ala mais tradicional, incluindo cardeais nomeados por Bento XVI, criticam Francisco por considerarem que algumas de suas posturas podem enfraquecer os pilares doutrinários da Igreja. A possibilidade de permitir a ordenação de homens casados em regiões remotas e o estudo sobre o diaconato feminino são algumas das questões que geraram intensos debates entre os clérigos.

Outro desafio do papa Francisco tem sido o enfrentamento dos escândalos de abusos sexuais cometidos por membros do clero. Embora tenha criado mecanismos mais rígidos para punir os envolvidos, incluindo a responsabilização de bispos que encobriram casos, muitos fiéis ainda cobram uma postura mais firme e transparente da Igreja. A crise de credibilidade afeta a instituição e contribui para o declínio da frequência às missas em várias partes do mundo.

Diante desse cenário, o futuro da Igreja Católica permanece incerto. Francisco tem buscado equilibrar tradição e renovação, mas enfrenta resistência interna e desafios externos, como o crescimento de religiões pentecostais em países tradicionalmente católicos. O próximo papa terá que lidar com essas transformações e definir se a Igreja continuará avançando em suas reformas ou se retornará a um caminho mais conservador.

Independentemente do rumo que tomará, a Igreja vive um momento de transição histórica. A renúncia de Bento XVI abriu espaço para um novo modelo de liderança, e o papado de Francisco tem sido marcado por uma tentativa de aproximação com os fiéis e uma atualização do discurso da Igreja. O grande desafio será manter a unidade em meio a visões tão distintas dentro da própria instituição.

A disputa política pelo futuro da Igreja

Com o avançar da idade do papa Francisco, de 87 anos, a Igreja começa a se envolta na disputa política global e a ascensão da extrema direita. A liderança de Francisco, marcada por uma postura progressista, com maior abertura a temas como mudanças climáticas, imigração e inclusão de grupos historicamente marginalizados dentro da Igreja, e a ascensão global da extrema direita, tem ascendido movimentos contra a abertura da instituição católica.

A próxima sucessão papal poderá ser um verdadeiro campo de guerra entre as alas políticas progressistas, conservadoras e até reacionárias dentro da igreja, e a possível escolha de um pontífice conservador pode representar uma guinada conservadora, especialmente diante da resistência da ala tradicional do clero, que critica algumas de suas reformas.

Líderes da extrema-direita, como Donald Trump, veem com bons olhos um retorno ao conservadorismo dentro da Igreja, buscando um papa alinhado a valores mais rígidos em questões como aborto, família e identidade de gênero. Setores ultraconservadores da Igreja, especialmente nos Estados Unidos, na Europa e na América Latina, já articulam nos bastidores para eleger um sucessor que reverta as mudanças promovidas por Francisco.

O próximo conclave será decisivo para definir se a Igreja continuará sua trajetória de reformas ou retomará um viés mais tradicional. Muitos dos cardeais que votarão foram nomeados por Francisco, mas a pressão externa e interna pode favorecer um candidato mais alinhado ao conservadorismo. Assim, a escolha do próximo papa não será apenas uma decisão religiosa, mas também um reflexo das tensões políticas e culturais que atravessam o mundo contemporâneo.

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