40 anos da eleição de Tancredo Neves: o fim da ditadura e um presidente que nunca assumiu
Em meio a um processo lento de redemocratização, a volta de um civil ao poder ocorreu por vias indiretas e foi celebrada em diversos pontos do paísAos 74 anos, o mineiro Tancredo de Almeida Neves foi escolhido para ser presidente da República. A eleição não foi direta, mas marcou o fim da ditadura militar no Brasil quando um civil alcançou o poder. Neste 15 de janeiro, o episódio completa 40 anos. Tancredo, o nome que representou a retomada da democracia no País, não chegou a assumir o cargo.
A vitória de Tancredo, candidato da Aliança Democrática, foi consolidada após o deputado paulista João Cunha contar o voto 344, que firmou a maioria absoluta dos votos. No fim da votação, a diferença foi de 300 votos. Tancredo Neves recebeu 480, enquanto seu adversário, o então deputado federal Paulo Maluf, à época no PDS, ganhou 180 votos.
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Um longo caminho foi percorrido até que essa eleição, embora ainda indireta, pudesse ocorrer. Entre as ações que fomentaram o retorno dos civis ao poder está o movimento Diretas Já, que enfraqueceu a ditadura militar, mesmo não tendo alcançado resultados imediatos.
Diversos setores da sociedade, como partidos políticos, igrejas, estudantes, artistas, imprensa, sindicatos, entre outros, se uniram para reivindicar a redemocratização do País. Aproveitando o momento, lideranças da oposição lançaram o movimento pedindo eleições diretas para a presidência da República.
Em 1983, o então deputado Dante de Oliveira, à época no PMDB, propôs uma emenda que marcaria o fim do Colégio Eleitoral, instituição criada pelo regime militar. De janeiro a abril de 1984, a campanha pela aprovação da emenda reuniu milhões de pessoas em diversas cidades pelo país, segundo o historiador Gilberto Cotrim, em seu livro História Global, Brasil e Geral, vol. 3.
Na véspera da votação da emenda no Congresso, o presidente João Figueiredo decretou estado de emergência em Brasília, sob a justificativa de proteger os parlamentares da “coação popular”.
Mesmo após grande mobilização popular, em ruas e praças, no dia da votação a emenda não alcançou número de votos suficientes para ser aprovada na Câmara.
Eleição indireta de 1985 marcou o fim da ditadura militar no Brasil
Após a derrubada do presidente João Goulart, o Brasil foi governado por cinco militares que se sucederam, durante 21 anos, para manter o regime ditatorial no País. Entre eles estava o cearense Humberto Castelo Branco, que deu os primeiros passos da ditadura militar.
O processo de redemocratização foi lento e gradual. Aos poucos, os civis voltaram ao poder. Apenas em 1982, desde a instauração da ditadura, houve a primeira eleição, então para o cargo de governador.
De 1964 a 1985, o País esteve sob o regime militar. Apenas no último ano sob o comando de militares, com o início do processo de redemocratização e a vitória de Tancredo Neves, ao lado de seu companheiro de chapa, José Sarney, ocorreu, enfim, o retorno de um civil ao poder.
O colégio eleitoral era composto por 686 membros, dos quais 69 eram senadores e 479 deputados federais, além de 138 delegados de assembleias legislativas estaduais, conforme informações do O POVO de 1985.
Em sessão presidida pelo então senador Moacyr Dalla, as eleições puderam ser acompanhadas pelo rádio e também pela televisão.
“Tancredo presidente e o Brasil comemora”
Em edição extra do O POVO, de 15 de janeiro de 1985, “Tancredo presidente e o Brasil comemora” foi a manchete escolhida para o jornal. À época, um novo chefe do Executivo não representava apenas o retorno da democracia, mas um sentimento de esperança de transformações.
Apesar de ter sido uma eleição indireta, a escolha de Tancredo foi bem recebida pela população. No Ceará, a Praça do Ferreira foi de celebrações após a vitória. “Batucadas, fogos e buzinas de veículos e outras manifestações assinalaram o momento histórico, não só naquela praça, mas em outros pontos da cidade”, diz edição do O POVO.
Ainda segundo a publicação, no pátio externo do Palácio da Abolição, “houve ruidosa comemoração, com o pipocar de fogos e o som da banda da Polícia Militar do Ceará".
Na Praça do Ferreira havia também faixas e cartazes sobre a legalização dos partidos clandestinos, o que viria a ocorrer quando Sarney tomasse posse. Nesse cenário, siglas como o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) foram legalizadas.
Festividades foram registradas em diversos pontos do país. Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Rio Grande do Sul são alguns dos estados que registraram comemorações antes mesmo do resultado.
“No Recife, o Carnaval pró-Tancredo começa antes mesmo de iniciar-se a votação no Colégio Eleitoral e já a partir da madrugada de hoje, escolas de sambas, blocos carnavalescos e orquestras de frevo tomaram as ruas da Capital”, trouxe O POVO em 15 de de 1985.
O presidente que era para ser, mas não foi
Antes de ser candidato para a Presidência da República, Tancredo Neves cumpria o mandato de governador em Minas Gerais pelo PMDB, cargo que renunciou para disputar o Executivo nacional. Entretanto, o ex-presidente adoeceu gravemente na véspera da posse. Devido a enfermidade, não assumiu a presidência
Em 21 de abril de 1985, Tancredo Neves faleceu. Mesmo sem ter efetivamente tomado posse, o político é reconhecido oficialmente como um dos ex-presidentes do Brasil. Ele percorreu uma trajetória longeva, marcada por diversos cargos de governos.
Advogado, administrador e político, Tancredo foi deputado federal e senador, além de governador e eleito presidente do Brasil. Sua morte veio após um longo sofrimento que durou 39 dias. O ex-presidente precisou passar por cirurgias e outros procedimentos médicos.
Devido à instabilidade política do período de transição democrática, a sua morte foi tema de teorias conspiratórias. Um dos rumores foi de que Maluf, junto de militares, teria assassinado o então presidente para não entregar o poder. Outra suposição levantada foi a de que ele teria sido envenenado.
A passagem do presidente pelo hospital foi alvo de intensa cobertura da mídia. No meio político, a aproximação da sua morte trouxe apreensão, especialmente para Sarney, já que João Figueiredo tinha recusado a entrega do cargo ao vice-presidente eleito.
Sarney assume o poder
Advogado, natural de Pinheiros, no Maranhão, José Sarney assumiu a Presidência da República no lugar de Tancredo. Vice-presidente eleito, o político ocupou o cargo interinamente em 15 de março de 1985. Em 21 de abril, com a morte de Tancredo, tornou-se presidente por sucessão natural.
Quando ocupou o cargo de presidente, Sarney não estava com uma imagem positiva em relação ao público, especialmente por dois motivos: alegavam que ele apoiava, direta ou indiretamente, o regime militar. Por ter presidido o PDS, antes de ser vice na chapa de Tancredo, ajudou a derrubar a emenda Dante de Oliveira, que tinha sido proposta no movimento Diretas Já.
Para superar a rejeição, o então presidente sancionou um pacote de medidas:
- Eleições diretas para a Presidência e para as prefeituras das capitais, além de municípios considerados, até então, “áreas de segurança nacional”;
- Mais liberdade para a criação de novos partidos;
- Direito de voto para pessoas analfabetas
Devido ao declínio da economia, os economistas do governo trabalharam no Plano Cruzado, um pacote de medidas para combater a inflação. Entre as ações de maior impacto estavam o congelamento dos preços das mercadorias e a extinção do Cruzeiro para a criação de uma nova moeda, o Cruzado. Teve efeito imediato e deu enorme popularidade ao governo. Mas, a inflação logo voltou ainda maior, e fez o governo mergulhar em uma crise que durou até a posse do primeiro presidente eleito pelo voto direto após a ditadura: Fernando Collor de Mello. Que não terminaria o mandato, alvo de impeachment.
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