Saúde, idade e eleições: o que aproxima e diferencia Lula e Biden

Desde a desistência de Biden por causa de questionamentos referentes à idade, análises passaram a considerar a possibilidade dos mesmos questionamentos a Lula em 2026. As dúvidas sobre a saúde do presidente também intensificam e antecipam os questionamentos

No Brasil, diz a tradição política, quando uma eleição termina, a seguinte já começa a ser jogada nos bastidores. Com o fim das eleições municipais, os olhos da conjuntura política se voltam para o próximo pleito presidencial. Entretanto, os questionamentos relativos à saúde e idade do presidente Lula (PT) pairam e fazem lembrar os questionamentos que levaram o presidente Joe Biden a desistir da corrida pela reeleição nos EUA.

Desde que o então adversário Donald Trump passou a explorar a idade e a cognição do presidente Biden durante a campanha, analistas de política já previam um cenário semelhante para Lula em 2026.

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Com os recentes problemas de saúde e os procedimentos cirúrgicos realizados pelo petista, começam a correr pelo meio político e pela imprensa dúvida sobre se o presidente terá forças para enfrentar mais uma campanha eleitoral. Seria a sétima como candidato.

Mesmo com alta hospitalar de Lula no último domingo, 15, de forma unânime, todos os especialistas ouvidos pela reportagem classificaram que esse vai ser um ponto bastante explorado pela extrema-direita brasileira, da mesma forma que foi pela extrema-direita estadunidense.

“É possível identificar diversas estratégias eleitorais semelhantes entre o trumpismo e o bolsonarismo”, classificou Iago Calbi, mestre em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlância (UFU) e pesquisador da Universidade Federal de Rio de Janeiro (UFRJ).

Para Arthur Ambrogi, mestre em direito político e econômico pela Universidade Mackenzie, independente de ser Lula ou não o candidato, as estratégias da extrema-direita utilizadas em outros países vão ser observadas no pleito nacional.

“Independentemente de qual for a candidatura de direita para as eleições presidenciais brasileiras de 2026, se Lula for candidato à reeleição, as experiências eleitorais de Trump e do argentino Javier Milei serão reaproveitadas, assim como as de Nayib Bukele em El Salvador e de tantos outros 'cases' de sucesso. Isso ocorre desde os tempos em que a Cambridge Analytica influenciou na votação do Brexit, no Reino Unido, em 2016”, argumento Arthur.

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Monalisa Torres, professora do Curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e pesquisadora da Universidade Federal do Ceará (UFC), explica que os questionamentos à saúde do presidente também podem afetar a costura de alianças para próxima eleição dentro da própria base.

“Quando você tem a impossibilidade do incumbente tentar a reeleição no próximo mandato, no contexto de uma base tão ampla e heterogênea, é possível que essa base entre em processo de autofagia e dispute essa indicação”, destacou Monalisa.

Segundo a pesquisadora, se as questões de saúde de fato impedirem Lula de disputar a reeleição, é provável que a base do governo entre em um processo de briga interna, na disputa pela indicação à presidência da república, ou mesmo reivindicando mais poder na montagem das alianças e composições políticas.

Vladimir Feijó, internacionalista e doutor em Direito Internacional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), destaca, em comparação com os Estados Unidos, que Lula já sofre críticas por ser candidato múltiplas vezes e não dá espaço para o surgimento de outro nome.

“Pelo menos já há duas eleições essa ideia de uma gerontocracia, uma sociedade governada pelos idosos, e em descompasso com os valores a as perspectivas os interesses da maioria da população, que seria jovem, e apesar de no Brasil a gente ter esse envelhecimento, as críticas são menores. Portanto, é mais difícil vender para a população em geral essa impressão de que nós teríamos pessoas idosas insistindo em continuar no poder, se comparado com os Estados Unidos, o Lula, em especial, é alguém que já enfrenta esse tipo de argumento há muito tempo. Ele foi candidatos múltiplas vezes antes de conseguir ser eleito”.

Para Feijó, apesar das comparações e semelhanças entre os casos dos dois presidentes, há diferenças no comportamentos de Lula e Biden, com o presidente norte-americano cometendo gafes e falando frases desconexas.

“E o Joe Biden andava vacilando demais, travando, no pódio, junto a jornalistas, respondendo coisas nada com nada, além óbvio de cada vez falando mais baixo e mais devagar. No caso do presidente Lula, ele parece ter uma fluidez mental muito lúcida, apesar de claramente usar óculos, ler mais devagar, os discursos preparados pra ele. Mas quando ele fala sem texto, mesmo assim ele não parece vacilar tanto, as gafes são o que a oposição chama atenção mas não parece ser da mesma forma que o presidente Biden”, argumentou Feijó.

Ouvido pela reportagem, o deputado José Guimarães (PT), líder do governo na Câmara, disse que a reeleição do presidente Lula é o plano A, B e C do PT e destacou que não vê possibilidade do próprio presidente abrir mão da candidatura.

“Não vejo risco algum”, disse o deputado sobre a possibilidade do partido não lançar a candidatura do atual presidente.

“O que nós temos que focar é em planejar e entregar. Os ministros têm que focar no que é fundamental para aumentar a popularidade do presidente”, completou Guimarães. O parlamentar ainda classificou como especulação indevida as dúvidas sobre a saúde do presidente.

“Tudo mais é especulação indevida, é fofoca das chamadas vozes do além. As pessoas ficam especulando tentando formar uma opinião”, ironizou o parlamentar.

Questionando sobre como o PT vai responder durante a campanha, diante da possibilidade da oposição levantar esses questionamentos, o deputado disse que não vê risco de Lula não ser candidato. “Não vejo risco do presidente Lula não ser candidato e se a direita utilizar esses argumentos, nós vamos derrotá-la mais uma vez”, disse ele.

Perguntado sobre a comparação das situações de Lula com a do presidente Joe Biden, ele disse que são situações distintas. “Temos um projeto e o Lula é a cara do projeto, mas não é o projeto” concluiu ele.

Com esse quadro de dúvidas, a reportagem destaca mais profundamente os problemas de saúde enfrentados pelo presidente em neste seu terceiro mandato, as reações e estratégias da extrema-direita e os possíveis nomes que poderiam substituir o presidente no caso de impossibilidade de ser candidato.

A saúde do presidente

Desde o início do seu terceiro mandato, Lula já teve algumas intercorrências relacionadas à saúde. Além da queda que sofreu em outubro deste ano e da internação na última semana para tratar de um hemorragia intracraniana, o presidente precisou passar por uma outra cirurgia e teve que cancelar uma viagem em decorrência de problemas respiratórios.

Em setembro de 2023, o presidente realizou uma cirurgia para tratar uma artrose e diminuir as dores que sentia na perna direita. Na ocasião, o chefe do executivo passou pelo procedimento onde foi implantada uma prótese na articulação entre o fêmur e a bacia para diminuir as dores.

Um mês depois do procedimento, o presidente já estava recuperado, e com os movimentos normais e realizando reuniões com os integrantes do governo. Na mesma ocasião, o presidente realizou um procedimento estético para remover o excesso de pele nas pálpebras.

No entanto, o primeiro problema de saúde a acometer o presidente neste seu terceiro mandato, foi uma pneumonia, mais especificamente uma broncopneumonia. Essa enfermidade causa inflamação nos alvéolos, que são as estruturas dos nossos pulmões que são responsáveis pela troca de oxigênio com o sangue. A doença pode ser causada por agente patógenos como vírus e bactérias. Por recomendação médica, Lula precisou adiar a viagem que faria à China em duas semanas.

A extrema-direita

De acordo com a professora Monalisa Torres, a extrema-direita brasileira também deve explorar a idade do presidente à medida que a eleição de 2026 for se aproximando. Ao ser questionada pela reportagem, a pesquisadora afirmou que não há como esperar algo diferente.

“Não tem como não esperar algo diferente, uma posição um posicionamento diferente por parte da oposição, eles vão explorar a saúde do presidente e vão questionar a insistência do partido em manter a sua possível candidatura para uma reeleição em 2026”, destacou a pesquisado.

Posição parecida tem Luciana Santana, professora de Ciência Política da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Segundo ela, “a direita tem aí liberdade potencial, de criar narrativas tentando descredibilizar uma possível candidatura do presidente Lula para 2026”.

Entretanto, Luciana destaca dois pontos: essa é uma estratégia natural das oposições, e também o fato de que diferente da situação de Biden, no Brasil a oposição ainda não tem um candidato para enfrentar Lula.

“É uma estratégia natural das oposições tentar utilizar esses argumentos. Então nesse sentido não é novidade que eles utilizem essa questão. Só que, diferentemente, da eleição norte-americana, lá havia um candidato no campo da oposição bastante definido, que era Trump, no Brasil isso não existe ainda”, argumentou Luciana.

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Para Iago Calbi, mestre em Relações Internacionais e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é possível a intensificação desta estratégia, principalmente diante das relações da extrema-direita brasileira com a norte-americana.

“É possível identificar diversas estratégias eleitorais semelhantes entre o trumpismo e o bolsonarismo. E isso é escancarado, há uma conversa aberta entre essas forças políticas nos dois países. Sem dúvidas, a saúde física e mental de Lula será questionada pela chapa rival, principalmente se o nome escolhido for muito mais jovem”, destacou o pesquisador.

Para Iago Caubil, é preciso ainda saber se o Partido dos Trabalhadores (PT) vai realmente apresentar Lula como candidato à reeleição, ou se vai utilizar outro nome. “Resta saber como será a estratégia da chapa apoiada por Lula e o PT, se irão permanecer com a ideia de reeleição do atual presidente, se irão apostar em um nome mais jovem e com abertura em pautas indenitárias como foi o caso de Kamala Harris nos EUA, ou se irão apostar novamente em um nome do próprio Partido dos Trabalhadores novamente, como o de Fernando Haddad (ministro da Fazenda)”.

Luciana destaca Lula como um político habilidoso, e que sabe que esses tipos de questionamentos vão ser levantados. Isso explica as aparições do presidente fazendo atividade física nas redes sociais, respondeu ela ao ser questionada sobre falas do presidente em entrevistas.

“Com certeza, Lula é um animal político. Uma pessoa extremamente habilidosa e conhece muito bem o jogo político, então, ele sabe que esses ataques vão vir. E ele, claro, está no seu papel de tentar já se defender. Foi isso que ele fez, quando ele fez essa fala ele entende muito bem, ele faz uma leitura muito bem clara do cenário político”, destaca a Luciana.

Quem pode substituir Lula?

Em meio aos questionamentos à saúde de Lula e a comparação com Biden, que foi substituído pela sua vice Kamala Harris, a pergunta feita por analistas e políticos é qual nome poderia substituí-lo na disputa presidencial.

Em uma base que conta com ex-candidatos à Presidência, como o atual vice Geraldo Alckmin (PSB), e os ministros Marina Silva (Meio Ambiente), Simone Tebet (Planejamento) e Fernando Haddad, é difícil cravar um nome ou mesmo a unidade em torno de uma única candidatura no caso da impossibilidade de Lula concorrer.

Iago Calbi acredita que o presidente está preparando o seu ministro da Fazendo para subtítulo novamente na disputa presidencial, mas que essa substituição não deve se dar na eleição de 2026.

“Acredito que Lula está preparando Haddad novamente para ocupar a cabeça de chapa em uma eleição nacional. Dessa vez, com maior apoio de Lula e com mais influência nos governos estaduais”, argumentou Calbi.

Seguindo está linha, Lucas Fernandes, analista e coordenador de consultoria política, diz que o atual presidente tem como nomes preferido para a sucessão o ministro Fernando Haddad. “Ele não esconde isso de ninguém, não é a toa que ele foi escalado para fazer um anúncio em cadeia nacional para dizer que o governo pretende isentar as pessoas que ganham até R$ 5 mil no Imposto de Renda. Essa é uma pauta que é muito popular e dialoga muito com a militância petista”, disse Lucas.

A professora Luciana Santana tem uma análise parecida, mas explica que ambas forças politicas de direita e esquerda tem dificuldade na renovação de nomes.

“A esquerda, assim como a direita, tem muito problema com renovação de líderes nacionais. Então, hoje a esquerda precisaria fazer uma força tarefa de identificar esse nome, mas se falasse que têm que substituir hoje, o nome mais concreto que o partido tem é o de Fernando Haddad como um possível substituto. Mas a gente não pode negligenciar outros nomes potenciais que podem vir a ser apresentados”, destacou Luciana.

Já Arthur Ambrogi lembra do vice Geraldo Alckmin, mas argumenta que quando Dilma Rousseff foi escolhida para substituir Lula, depois de seus dois mandatos, o partido não teve maiores impedimentos, pois com seu histórico de militância dentro do PDT, ela foi aceita sem maiores problemas.

“Os petistas sabem que Geraldo veio de outro campo político e, mesmo simpatizando com ele, não esquecem quem foram os ‘inimigos tucanos’”, explica Arthur.

Ela também concorda com o nome do atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mas diz que o petista dificilmente seria unanimidade no partido. “É uma aposta com perfil técnico e certa experiência eleitoral prévia. Ele pode ser uma escolha imposta pela principal corrente do partido, mas dificilmente será uma unanimidade independentemente da viabilidade de sua candidatura”.

Além de Fernando Haddad, ele destaca os governadores do partido da região Nordeste. Entre os nomes mais proeminentes da região, aparece o ex-governador do Ceará e atual ministro da Educação Camilo Santana (PT).

Lucas Fernandes lembra, porém, que tudo vai depender de como o presidente Lula vai se recuperar. Se ele tiver alguma limitação, todos esses argumentos vão se intensificar. “Tudo vai depender de como vai ser a recuperação do presidente, se ele vai está respondendo, se vai estar à altura do cargo, se não vai ter muitas limitações, a gente vai depender de como o presidente vai ficar após a alta”, explicou ele.

 

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