Qual impacto político no Brasil e na Europa do acordo Mercosul-UE?

Acordo era negociado há mais de 25 anos, mas ainda precisa vencer a extrema-direita europeia para ser implantado

Passada a euforia de sul-americanos e europeus sobre o acordo comercial firmado entre o Mercosul e a União Europeia, as forças políticas devem se perguntar qual impacto, para além do econômico, da eliminação de barreiras comerciais para os cenários internos.

A oposição a líderes como o presidente francês, Emmanuel Macron, pode dar pistas importantes para entender com as peças políticas serão afetadas. Para isso, O POVO conversou com dois especialistas em Relações Internacionais que explicaram o ambiente político pós acordo.

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Para ambos os especialistas, o acordo pode ser considerado um ganho político para o presidente Lula. Segundo Luiz Philipe de Oliveira, mestre e doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo, o acordo pode ser considerado um ganho político para o presidente brasileiro, pois o acordo vai aumentar a possibilidade de exportar a produção brasileira para Europa.

“Esse acordo pode gerar internamente uma possibilidade de aumento de fluxos econômicos, de se exportar mais para Europa, poder inclusive negociar relações de trabalho com a Europa e o contrário também, tem muitos europeus, inclusive a França que tem o terceiro maior número de migrantes documentados trabalhando no Brasil”, destacou Luiz Phillipe.

Já Vladimir Feijó destaca que o ganho político para Lula deve ser dividido em duas partes, sendo o primeiro em popularidade entre a população em geral, e a popularidade entre a classe empresarial.

Vale destacar, na fala do professor, que a falta de humor da classe empresarial em relação a Lula como sendo independente dos feitos do governo, e ligada a questões ideológicas.

“Do lado do setor empresarial, seja agro, da indústria ou do comércio, eu acredito que a popularidade seguirá em baixa, pois apesar de ter ganhos na gestão Lula em comparação à gestão Bolsonaro e Temer, ainda assim questão é ideológica, de resistência ao discurso de redução das desigualdades e o que quer que seja que o Lula possa representar”, argumentou o feijó.

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“Para população, por mais que o setor econômico do governo estime o aumento no curto prazo de R$ 7 bilhões de exportação, e ao longo do processo até 2040, um incremento de mais 2,5% do Pib e da massa salarial para cada brasileiro de 0,25% no curto prazo isso se dilui e a percepção de popularidade não deve se alterar demais”, explicou o professor.

Entretanto, mesmo com um ganho de popularidade reduzido diante da falta de compreensão do eleitor comum da importância do acordo, ainda assim isso pode aumentar a possibilidade de sucesso na reeleição de Lula.

“Quanto ao ganho político de aumentar as possibilidades de bons resultados econômicos, no médio longo prazo, com isso as possibilidades de reeleição dele seriam beneficiadas, tanto a reeleição como a quem ele indicar para suceder”, explicou Vladimir.

Internacionalmente, ele considera que Lula tem um aumento no seu prestígio. “O Lula pode, de alguma forma, capitanear essa ideia de liderança, em favor do diálogo, em favor do multilateralismo e pode voltar a ter uma imagem mais positiva”, concluiu Vladimir.

As reações da extrema direita europeia

Em relação aos posicionamentos internos dentro dos países integrantes do acordo, Vladimir considera que a extrema direita europeia pode ganhar adeptos no discurso anti-UE.

“No cenário europeu, os partidos de extrema direita têm crescido em popularidade, ganhado cadeiras no Parlamento Europeu, como também em eleições subnacionais e assumindo posições de destaque nas eleições nacionais. Diante de uma crise econômica, a opção é procurar culpados e o dedo vai direto para a UE”, explicou ele.

Segundo o pesquisador, a extrema direita europeia também é contra padrões ambientais, julgando eles como prejudiciais à economia dos países com o aumento de custos de produção, ao mesmo tempo que deve utilizar esse argumento para dizer que o Mercosul não segue os mesmos padrões, tentar prejudicar o acordo ou tirar vantagem política e eleitoral sobre ele.

Entretanto, ele lembra que a extrema direita, apesar de ter crescido, ainda é pequena. “No Parlamento Europeu, mesmo a extrema direita tendo ganhado espaço, ela ainda é pequena. O maior perigo mesmo são em eleições futuras, tendo mudanças de novos governos”, argumentou, explicando que a extrema direita vai tentar capitanear qualquer descontentamento com o acordo.

Mesma posição de Luiz Philipe, que diz que a extrema direitas pode se favorecer principalmente na França, mas em outros países também. “Pode haver um favorecimento da extrema direita principalmente na França, mas em outros países. Não porque os agricultores da França sejam uma potência política, mas porque eles são extremamente barulhentos, vão para frente do parlamento e jogam esterco, ou seja eles tem uma grande mobilização”,

Pela capacidade de mobilização e com a extrema direita para capitanear a insatisfação deles, o professor explica que políticos como Macron têm uma preocupação em não se indispor com esses grupos.

Um Mercosul mais atrativo para América Latina

Com o bloco sulamericano firmando o maior acordo comercial do mundo, ele se torna atrativo para adesão de novos membros. Ambos os pesquisadores destacaram que outros países da região podem solicitar entrada plena no bloco tendo como interesse o comércio inter-regional e interatlântico.

“O acordo torna o Mercosul mais atrativo, não só para nossos vizinhos, mas para outros países da América Latina, e com certeza uma união do Cone Sul e Caribe pode se tornar uma realidade”, destaca Luiz Philipe.

Visão parecida tem Vladimir Feijó. “O Mercosul que hoje, com a incorporação da Bolívia, já tem mais de 70% da população do território, e da economia da da América do Sul, tendo um acesso de 70% a 93% do que se importa e exporta dos parceiros, os cinco países do Mercosul e os 27 da União Europeia com imposto zero, acaba virando um incentivo para os demais países se beneficiarem de todo esse acesso livre”.

Vladimir completa explicando que o bloco sulamericano estava parado, recebendo críticas de políticos dentro dos países do bloco. Com o novo acordo, essa dinâmica se altera. “O Mercosul andava um tanto paralisado. Então fechando um acordo com o maior bloco comercial do mundo, o Mercosul se cacifa para quem sabe fechar acordo com os países do sudeste asiático, a Asean, que também está em expansão”.

Para Luiz Philipe, o bloco se torna um dos maiores fornecedores e destaca a importância do Brasil. “O acordo é bastante importante não só pela expansão do bloco, mas pelo fortalecimento e representatividade e influência dele na região e como ator global. A partir do momento que ele faz um acordo com a UE, ele se torna um dos principais fornecedores, sem impostos, sem taxas, ou reduzidas para um dos maiores mercados. Se outros países da região quiserem exportar para o Brasil, vão ser mais tarifados do que a Europa”, diz ele, explicando a importância de outros países aderirem ao Mercosul.

E completa dizendo que se o acordo potencializar a expansão do Mercosul, isso pode ser geopoliticamente favorável ao Brasil, aumentando a influência do país na América Latina e no Caribe. “A influência brasileira é inegável para aprovação, e pode aumentar o poder de barganha e de liderança que o Brasil vai ter na região latina e do Caribe”, concluiu Philipe.

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