Lei marcial na Coreia do Sul: qual a semelhança com tentativa de golpe no Brasil?
Atual presidente é ex-juiz que julgou e condenou ex-presidente. Ele foi eleito com uma pauta conservadora e atualmente enfrenta acusações de tentar barrar investigações contra familiares
11:21 | Dez. 05, 2024

Um dia após o susto que o mundo teve ao assistir o presidente Yoon Suk-yeol decretar de lei marcial no que parecia um golpe de estado na Coreia do Sul, a comparação com as recentes revelações da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe no Brasil, após a derrota de Jair Bolsonaro em 2022, parecem inevitáveis. Nesta quarta-feira, 4, o programa O POVO News 1ª edição trouxe o assunto para pauta e conversou com dois especialistas fazendo paralelo com a situação brasileira.
Vladimir Feijó, doutor em direito internacional pela PUC Minas, um dos entrevistados, disse que não existe instrumento constitucional de lei marcial no Brasil, embora já se possa traçar semelhanças. “O Brasil não tem paralelo com esse modelo, de empregar constitucionalmente a gestão de muitos dos aspectos da administração pública para as forças armadas e sem controle do poder executivo e do povo por determinado período, porém tem paralelismo com o que a gente chama de estado de exceção”.
Segundo explica o acadêmico, os estados de exceção são momentos em que direitos fundamentais podem ser suspensos, sendo que a Constituição brasileira prevê dois tipos: o estado de defesa, para crises regionais, e o estado de sítio, para crises nacionais, existindo duas justificativas, sendo crises internas ou externas, como no caso de guerra.
Entretanto, o país não passa por nenhuma das justificativas que sejam plausíveis de se aceitar. Sobre a Coreia do Sul, caso o decreto de lei marcial não tivesse sido derrubado, alguns direitos fundamentais seriam interrompidos, entre eles a liberdade de imprensa.
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Vladimir explica que “no caso de decretação de estados de exceção no Brasil, a Constituição brasileira não lista no artigo 139 quais direitos poderiam ser suspensos, eles precisam ser listados no decreto”. Já na Coreia do Sul, isso está previsto na lei e independente da justificativa da crise, se interna ou internacional, há possibilidade de muitos direitos serem suspensos e da transferência dos poderes do Judiciário para responsabilidade da Justiça Militar.
Como nenhuma guerra está em andamento, parlamentares e juristas sul-coreanos não consideram nenhuma dessas duas justificativas ser possível a aplicação.
Já para Fábio Reis, mestre em Negócios internacionais e Estudos Europeus, a paralelo se faz com o Brasil, devido à tentativa do presidente em exercício tentar dar um autogolpe e bloquear a atuação dos demais poderes. “Sim, aparentemente seria uma tentativa de autogolpe, pois ele já está no poder”.
Além disso, Reis lembra que em uma situação semelhante ao Brasil, Yoon Suk-yeol foi um juiz que entrou para a política, após condenar à prisão a ex-presidente Park Geun-hye, que ficou no poder de 2013 a 2017, até ser removida do cargo por impeachment.
“O presidente foi eleito no bojo de um ambiente interno conflagrado, ele foi um juiz que condenou e levou à prisão a ex-presidente Park Geun-hye. E ele ganhou popularidade nesse caldo de cultura midiático persecutório, muito similar com o que aconteceu no Brasil com a Lava Jato. Mas diferente do Sergio Moro no Brasil, ele se elegeu presidente com alguma popularidade, mas sem maioria no parlamento”.
Fabio argumenta ainda que o presidente tem baixa aprovação e que, nas eleições de abril deste ano, viu a oposição conquistar maioria no Legislativo. “Hoje ele é um presidente acossado, com 20% de popularidade em um país que sofre social e econômica extrema”.
Em outra analogia ao Brasil, Fabio Reis observa o decreto de lei marcial e vê semelhanças com a situação do Brasil. Ele destaca ainda que o atual comando da Coreia do Norte apela a “fantasmas” ao alegar ser necessária a implementação da lei marcial, fazendo referência ao combate aos comunistas da Coreia do Norte.
Já Vladimir lembra que mesmo eleito com uma bandeira anticorrupção, o presidente é acusado de inúmeras manobras para tentar livrar a esposa de acusações de corrupção e propina.
“Eleito com uma pauta conservadora anticorrupção é pego de calça curta fazendo medidas para proteger a sua esposa e indicando políticos para acabar com qualquer investigação de má conduta. Portanto, pego na hipocrisia, quando a crítica é pro seu lado, o rigor na crítica fica de lado”, explica ele fazendo comparação com a situação brasileira.