Marinha faz vídeo polêmico para questionar privilégios e gera repercussão negativa
Em resposta a possíveis corte de gastos nas Forças Armadas, a Marinha publicou vídeo controverso ao comparar a carreira dos marinheiros com a vida dos civis
13:59 | Dez. 02, 2024
A Marinha do Brasil divulgou no último domingo, 1°, uma peça publicitária que compara o trabalho da Força Armada à vida dos civis. Com 1 minuto e 15 segundos, a produção audiovisual se encerra com a frase: “Privilégios? Vem pra Marinha”.
O vídeo foi planejado para ser exibido em comemoração ao Dia do Marinheiro, celebrado em 13 de dezembro.
A produção que questiona os “privilégios” está sendo veiculada após o plano de corte de gastos - que prevê alterações na carreira militar - ter sido anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT).
No vídeo, militares da Marinha aparecem em situações de trabalho extremo enquanto são intercaladas cenas de pessoas em momentos de lazer, se divertindo.
No X (ex-Twitter), a Marinha do Brasil publicou o vídeo com a legenda: “Ao chegarmos em dezembro, homenageamos os Marinheiros e Fuzileiros, que abdicam de suas famílias e dos momentos de lazer para proteger as riquezas do Brasil no mar”.
O propósito da propaganda é evidenciar “os sacrifícios” da carreira militar, que envolve privações e situações singulares comparados à vida dos civis em momentos de lazer.
Com isso, a Marinha indica que não se pode comparar o serviço dos marinheiros com o dos cidadãos comuns, retratados em situações de ócio.
As medidas fiscais para as Forças Armadas integram, além de outros ajustes, a determinação de uma idade mínima para previdência dos militares (passagem para a reserva) e a limitação na transferência de pensões.
A cúpula da Marinha havia divulgado um comunicado em que questionava a idade mínima para a reserva remunerada proposta pelo governo, conforme o jornal Estadão revelou.
O pacote prevê idade mínima de 55 anos. Atualmente, o critério é apenas pelo tempo de serviço, de 35 anos, mas a partir de 2032 todos os militares terão que adotar a idade mínima.
“Para as aposentadorias militares, nós vamos promover mais igualdade, com a instituição de uma idade mínima para a reserva e a limitação de transferência de pensões, além de outros ajustes. São mudanças justas e necessárias”, disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em pronunciamento de rádio e TV na última quarta-feira (27).
Em reunião, no último sábado, 30, com o presidente Lula (PT), os militares explicaram o possível impacto da adoção da idade mínima para a carreira militar. Estavam presentes:
- O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro,
- o comandante do Exército, general Tomás Paiva;
- o comandante da Marinha, almirante Marcos Olsen;
- e da Força Aérea Brasileira (FAB), brigadeiro Marcelo Damasceno.
Até 2032, o critério de transição determina que os militares que forem se aposentar nos próximos anos passarão pelo cálculo de 9% de pedágio sobre esse período.
Na prática, isso significa que se o projeto de lei for aprovado no próximo ano, e, por exemplo exemplo, se um militar tiver 32 anos de carreira, e faltar apenas 3 anos de serviço para ele ir para a reserva, ou seja, 36 meses, ele aplicará ao cálculo os 9% de pedágio a esse período. A soma acrescentaria cerca de 3 meses a mais de serviço, acima do que estava previsto por ele antes da aprovação da lei.
Atualmente, a idade média de transferência dos militares varia em torno de 52,5 anos. Ao acrescentar mais 3 anos de contribuição, é necessário ajustar a lei de promoção dos militares. O projeto de lei que prevê essas alterações deve ser enviado pelo Governo ao Congresso nos próximos dias.
Veja algumas reações contra o vídeo da Marinha
Em publicação no X (antigo Twitter), o ex-presidente do partido Novo, João Amoêdo, criticou a produção audiovisual: “Esse vídeo da Marinha para pressionar o governo contra cortes de privilégios e valorizar a instituição tem para mim o efeito contrário”.
Para ele, os militares “deveriam excluí-lo o quanto antes e pedir desculpas aos brasileiros que trabalham muito para pagar todas as contas públicas, inclusive da realização desse vídeo”.
INACREDITÁVEL! Essa propaganda da Marinha é uma atitude irresponsável e desrespeitosa para com a população brasileira. Ao tentar minimizar o trabalho dos civis, retratando-os como pessoas ociosas, a Marinha esquece que é justamente o suor e o trabalho duro dessa mesma população… pic.twitter.com/7Bw8XLHwiH
— Ivan Vieira (@ivanvieira_5) December 2, 2024Já Rafael Viegas, doutor em Administração Pública e Governo pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), questionou a peça publicitária da Marinha: “A Marinha do Brasil usou recursos públicos para produzir um vídeo em que os civis curtem a vida enquanto só a Marinha trabalha. Quem autorizou produzir esse vídeo e quanto custou? Queremos saber.”
Não custa lembrar que foi o comandante da Marinha que topou dar golpe de Estado. https://t.co/2Lm8q5uzsJ pic.twitter.com/gL3a7akJfZ
— Thiago Viana (@ThiagoGViana) December 1, 2024“Parece que falta inclusão no currículo da Marinha do Brasil noções básicas sobre democracia, Estado de direito, orçamento público, impostos, receitas, serviço público, sociedade civil”, completou Rafael Viegas em publicação no X (ex-Twitter).
De acordo com o antropólogo Piero Leirner, “para a Marinha não existe classe trabalhadora. Os civis são um bando de turistas no Brasil, enquanto eles fazem tudo”.
A Marinha realmente tem atribuições reais, de guarda costeira, de resgate marítimo, apoio hospitalar à comunidades ribeirinhas etc...
Mas essa é menor parte.
Dos quarteis que eu servi, se fechassem as portas por UM ANO ninguém notaria a diferença
Para o geógrafo e comunicador social Pedro Ronchi, em publicação no X, "a Marinha do Brasil fez publicidade para recrutar novas pessoas, mas errou na dose ao insinuar que enquanto eles dão duro, o povo se diverte. Mas sem os impostos do povo não existiria Marinha."
Inacreditável esse comercial da Marinha. Mas dá uma ideia da bolha em que esse povo vive.
Qualquer professor, qualquer cobrador de ônibus, qualquer motorista de Uber, qualquer pedreiro, qualquer trabalhador civil desse país tem uma rotina mais estressante e mais perigosa do que… https://t.co/g2gB7USYqP