Tristão Gonçalves: 200 anos morte do governador do Ceará republicano na Confederação do Equador

Integrante da poderosa família Alencar liderou o movimento nordestino no Ceará, foi emboscado e morto com a própria espada às margens do rio Jaguaribe

13:17 | Nov. 28, 2024

Por: Cíntia Duarte
Documentos originais da Confederação do Equador, no Arquivo Público do Ceará (foto: FERNANDA BARROS)

Há 200 anos, um movimento revolucionário em parte do Nordeste brasileiro levantou a bandeira de uma república, que demoraria ainda 65 anos. A Confederação do Equador uniu os estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará pelo desejo de revolucionar a política monárquica que tomava decisões a partir da corte no Rio de Janeiro.

Hoje, os líderes do movimento são nomes de ruas importantes em Fortaleza. Pernambuco foi o coração do movimento, mas o Ceará teve papel decisivo, e sofreu o peso da repressão.

Tristão Gonçalves de Alencar Araripe

Filho de Bárbara de Alencar, Tristão Gonçalves nasceu em uma família com sangue aristocrático e histórico de movimentos contra a coroa, na esteira da liderança pernambucana. A família já havia tido protagonismo na Revolução Pernambucana de 1817, quando uma república independente foi proclamada no Crato.

Em 1824, dom Pedro I havia conferido a si próprio poderes absolutos, após dissolver a primeira Assembleia Nacional Constituinte e outorgar uma carta constitucional ao seu gosto. Inclusive, tirava das províncias — equivalentes aos atuais estados — a autonomia na escolha de governantes locais.

Na província, desde 1821 havia sido deposto o governador português Francisco Alberto Rubim, e foi instalada uma junta provisória, que apoiou a independência proclamada por dom Pedro em 1822.

Tristão Gonçalves e o líder militar Pereira Filgueiras retornavam ao Ceará no começo de 1824, após travarem combates em Piauí e Maranhão contra os portugueses, a favor do movimento de independência brasileiro.

A historiadora pela Universidade Estadual do Ceará (Uece) Charlene Ximenes explica: "Tristão Gonçalves participou ativamente do cenário político do Ceará desde a década de 1820, mas não era membro formal da junta provisória instalada em 1821. A liderança dele no Ceará ocorreu após a dissolução da Assembleia Constituinte de 1823, que marcou um ponto de ruptura importante na política do Império". 

O início da revolução

A Assembleia Constituinte era formada por representantes eleitos das províncias e deveria elaborar uma constituição para a nação que estava sendo fundada. Porém, o texto produzido limitava os poderes do imperador e dom Pedro não aceitou. Após a constituinte se fechada, os liberalistas se rebelaram.

Em 9 de janeiro de 1824, os membros da Câmara de Campo Maior de Quixeramobim proclamaram uma república e disseram que não mais responderiam à corte no Rio de Janeiro. Em 25 de março, dom Pedro outorgou a Constituição e, em 14 de abril, chegou ao Ceará o presidente da província que o imperador escolheu, Pedro José da Costa Barros. Houve resistência armada liderada por Pereira Filgueiras e os membros da extinta junta provisória. Em 25 de abril, os revoltosos marcharam sobre Fortaleza. No dia 28, Costa Barros foi deportado para o Rio de Janeiro e Tristão Gonçalves foi eleito pelas elites locais presidente da província do Ceará. 

Jornal Diário do Estado do Ceará

Em 1º de abril de 1824, começou a crcular o Diário do Governo do Ceará, primeiro jornal do Estado. Nele eram noticiados os fatos de caráter oficial da província e foi também o principal porta-voz das ideias revolucionárias defendidas pelos grupos que lutavam pela República. Tristão Gonçalves nomeou Padre Mororó como redator-chefe.

O jornal era uma ferramenta política e de articulação. A trajetória foi curta. Com o avanço das tropas imperiais e o colapso do governo provisório no Ceará, o periódico foi encerrado, assim como a tentativa de instaurar uma República no Nordeste, explica a historiadora Charlene Ximenes.

"Durante os meses de publicação, o jornal deixou um legado que simboliza a importância da imprensa na articulação de movimentos políticos do século XIX e na luta pela liberdade de expressão". 

Início da Confederação do Equador 

A agotação no Ceará vinha desde janeiro, mas a Confederação do Equador começou formalmente em 2 de julho de 1824. A adesão do Ceará ao movimento republicano foi formalizada em 26 de agosto de 1824, quando Tristão Gonçalves proclamou a República do Ceará. O ato reafirmou o compromisso da província com a luta pela autonomia e contra o autoritarismo dedDom Pedro I, unindo-se a Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte.

Apesar dessa adesão, o movimento enfrentou divisões internas e falta de coordenação efetiva entre as províncias, o que limitou a força contra o Império.

LEIA TAMBÉM | Especial dos 200 anos da Confederação do Equador

O plano era a criação de uma república confederada, sustentada pelo pacto ligando as províncias umas às outras, mas com estruturas políticas livres e soberanas. Haveria independência nas decisões, apesar de também deixarem claro que seria realizada uma assembleia constituinte e legislativa para decidir de forma conjunta sobre diversos temas, entre eles, o tráfico de escravos.

Repressão do Império à Confederação 

Dom Pedro enviou o almirante escocês Thomas John Cochrane ao Nordeste para reprimir a Confederação do Equador. Veterano das guerras napoleônicas, serviu como mercenário nas guerras de independência. Depois, o contrato foi estendido para reprimir as rebeliões locais.

Em 18 de outubro de 1824, ele atracou em Fortaleza com a nau Pedro I e a capital se entregou. Pouco a pouco, as vilas que haviam aderido à revolução se renderam. As poucas que resistiram foram uma a uma derrotadas pelas tropas superiores em combates.

O fim de Tristão Gonçalves 

Tristão Gonçalves estava em Aracati acompanhado de tropas indígenas. Como já perdera muitos soldados, resistia ao enfrentamento. Cochrane o notificou a se render. Membro da poderosa família Alencar, ele receberia anistia se o fizesse. Sem resposta, o almirante escocês colocou recompensa pela cabeça dele.

No dia 31 de outubro de 1824, Tristão foi emboscado e morto nas proximidades da vila de Santa Rosa, às margens do rio Jaguaribe, onde ficava a antiga cidade de Jaguaribara, inundada pelas águas da barragem do Castanhão.

O governador do Ceará republicano durante a Confederação do Equador foi esfaqueado com a própria espada e alvejado por muitos tiros. O corpo foi amarrado a uma árvore para que todos vissem o seu fim.