Girão é citado duas vezes no relatório da PF que indiciou Bolsonaro por plano de golpe

O senador não aparece entre os investigados nem foi indiciado no caso que tramita no STF

10:57 | Nov. 28, 2024

Por: Júlia Duarte
Eduardo Girão é senador pelo Ceará e foi candidato à Prefeitura de Fortaleza (foto: Samuel Setubal)

O senador cearense Eduardo Girão (Novo) foi citado duas vezes no inquérito da Polícia Federal (PF) que indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 36 pessoas por tentativa de golpe que visaria manter o ex-mandatário no poder mesmo com a derrota nas urnas. Girão não integra a lista nem era tido como investigado no caso.

A primeira menção aconteceu quando a PF investigava a ativa participação de aliados de Bolsonaro na mobilização de manifestantes apoiadores do ex-presidente que tomavam praças públicas e locais nas proximidades de quarteis do Exército.

Publicação de “boas-vindas”

Uma das conversas registradas no documento acontece entre o major Rafael Martins de Oliveira (“Joe”) e o tenente-coronel Mauro Cid, então ajudante de ordens da presidência. Rafael Oliveira pede direcionamento de Mauro Cid para poder direcionar os manifestantes.

A PF também afirma que além de orientar diretamente os manifestantes, os investigados se utilizam de declarações de políticos aderentes ao espectro político de Bolsonaro “para instigar parcela da população a aderir às manifestações, sob o pretexto de exercerem o direito constitucional de “liberdade de expressão””, como aponta o documento da polícia.

Mauro Cid encaminha para ‘Joe’ um link de um vídeo em que o deputado estadual eleito por São Paulo, Tomé Abduch (Republicanos), convoca pessoas para comparecer a uma manifestação no dia 15 de novembro de 2022 exatamente na Praça dos Três Poderes.

O grupo de apoiadores, que era contra a posse do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), usou o feriado da Proclamação da República, 15 de novembro, naquele 2022, na tentativa de mobilizar maior adesão aos atos golpistas. Durante a manhã, bolsonaristas intensificaram presença em cidades como São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro.

Em seguida, ‘Joe’ encaminha para Mauro Cid o link de uma publicação de Girão dando boas-vindas aos manifestantes que iriam se dirigir ao parlamento brasileiro, seguida de uma foto do Congresso tomado por manifestantes.

“SEJA BEM VINDO! Visita às vezes necessária p exercício da cidadania em momentos cruciais. Minha esperança é ver cada vez + brasileiros acompanhando a política, reivindicando- respeitosa e pacificamente-junto ao Parlamento q cumpra o seu dever constitucional. Levanta Senado! Paz & Bem”, diz o texto de Girão datado de 11 de novembro de 2022.

Audiência no Senado que teve críticas às urnas

A segunda menção acontece quando a PF discorre sobre audiência organizada no Senado Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor. O evento aconteceu no dia no 30 de novembro de 2022, atendendo um requerimento de Girão. A audiência tinha como tema a “fiscalização das inserções de propagandas políticas eleitorais”, mas muitas das falas foram de questionamentos ao processo eleitoral e contra as urnas eletrônicas. A sessão está disponível no canal do Senado.

“Os investigados aproveitaram o evento para propagar informações falsas sobre as urnas eletrônicas e o processo eleitoral de 2022, como forma de acirrar as manifestações que estavam ocorrendo naquele momento”, ressalta a PF.

Entre os convidados para o evento estavam os investigados Carlos Rocha, do Instituto Voto Legal, e o consultor político Fernando Cerimedo. “Ambos aproveitaram o momento de visibilidade para disseminar os “estudos técnicos”, já descritos no presente relatório, que teriam identificados falhas e vulnerabilidades que colocaram em descrédito o pleito”, diz ainda o relatório elaborado pelos agentes federais.

No documento, a investigação aponta que aliados de Bolsonaro trabalharam para a difusão da audiência. “ O grupo investigado agiu de forma coordenada com os manifestantes para criar um falso ambiente de adesão e pressão popular ao ideário de utilização do art. 142 da CF, legitimando uma intervenção militar no país. Nesse sentido, o General MÁRIO FERNANDES destinou especial atenção para que o evento tivesse apoio e publicidade desejados”, escreve o texto.

O nome de Girão aparece em diálogo entre o secretário-executivo Mário Fernandes e o coronel Reginaldo Vieira de Abreu, seu chefe de gabinete na Secretaria-Executiva da Presidência da República . Ele é chamado pelo codinome VELAME:

“Força, VELAME! Vai ter uma audiência pública, porra, tá todo mundo comentando com o cara expondo sobre a esclarecendo ainda mais sobre o que os achados da fraude eleitoral, porra, e a pressão daquela galera, veio muita gente do QG pra essa audiência pública. Foi o Girão que fez votar e foi aprovada por unanimidade. E ali não tem censura, então o nego vai falar tudo. Eu tô cerrando pra lá junto com o Coronel SÁVIO e o JESUS. Força!”, escreve Mário Fernandes.

Rafael Oliveira, Mário Fernandes, Carlos Rocha, Fernando Cerimedo e Mauro Cid foram indiciados pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa.

O que diz o senador

Consultado pelo O POVO, o senador ressalta que o texto dele citado no documento da PF diz "textualmente que os atos reivindicatórios do 8 de janeiro devem ser RESPEITOSOS e PACÍFICOS".  

Quanto à audiência, ele aponta que "à luz da verdade e da ética, é imperativo destacar que a referida sessão foi legitimamente aprovada - e por unanimidade entre partidos de esquerda e direita - obedecendo o regimento da Casa".

"De forma republicana foram convidados a participar da discussão inúmeras entidades da sociedade civil, entre elas OAB, Polícia Federal, ministros do TSE, STF e TCU e outras autoridades do mundo jurídico, objetivando, portanto, um amplo debate sempre em conformidade com os ditames legais e regimentais do Senado da República", ressalta.

Ela afirma que as duas menções, nas 800 páginas do inquérito da Polícia Federal, "não ensejam qualquer ofensa à moralidade e ética".

"Repudio com veemência qualquer ilação ou ataque à minha reputação como político e/ou como cidadão. Minha trajetória de vida é e sempre será pautada em favor de valores e princípios éticos e pela pacificação do País. Medidas judiciais cabíveis serão prontamente adotadas caso tentem conectar meu nome a qualquer ilícito", diz.