100 anos da Coluna Prestes: maior marcha militar do mundo passou pelo Ceará

O movimento tenentista Coluna Prestes percorreu 25 mil quilômetros por 12 estados brasileiros, incluindo o Ceará. O cearense Juarez Távora teve papel central no movimento

“A maior marcha militar do mundo” ocorreu no Brasil, em meados dos anos 1920. Um cenário marcado por insatisfações com a política brasileira foi o berço para o movimento conhecido como Coluna Prestes, que completou 100 anos no último 28 de outubro.

Encabeçada por Luís Carlos Prestes e Miguel Costa, o clima era de revolta com o sistema oligárquico que dominava a política do País. Tratava-se de uma iniciativa para reconstruir o Estado, a fim de erguer uma nova nação. Com início em 1924, a mobilização durou mais de dois anos.

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É o que explica Pedro da Costa, sociólogo e professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece): “Havia grande insatisfação por parte dos jovens oficiais de baixa e média patente em relação à disciplina interna das forças armadas e às péssimas condições de trabalho dos soldados”.

Pedro da Costa ressalta que “além das questões internas do meio militar, esses oficiais eram oriundos de camadas médias urbanas, e refletiam a insatisfação desses setores com os rumos da política do País, marcada pelo domínio das oligarquias”.

A Coluna Prestes e suas “irmãs” dentro do Tenentismo, a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana (1922) e a Revolta Paulista (1924), não desencadearam efeitos imediatos na configuração política brasileira da época, mas alimentaram a chama do descontentamento contra o poder das oligarquias, que funcionavam na estrutura conhecida como “café com leite”, em que a Presidência do Brasil era ocupada ora por um oligarca de São Paulo, ora por um de Minas Gerais.

“A Coluna Prestes não alcançou seu objetivo mais imediato, que era a deposição do presidente. Mas não há dúvidas de que o seu legado foi fundamental para o movimento de 1930, que pôs fim à República Velha e deu início ao processo de modernização autoritária conduzida pelo governo de Vargas”, avalia o professor.

O então presidente mineiro e representante da elite agrária, Arthur Bernardes (1875-1955), governou o país de 1922 a 1926 e cumpriu mandato em um cenário tenso, praticamente governando em estado de sítio sob a sombra do Movimento Tenentista na sua gestão. Ao deixar a Presidência, ocupou também o cargo de senador.

As reivindicações feitas pelos integrantes da mobilização giravam em torno de um conjunto de reformas sociais e políticas, como a instauração do voto secreto e a reestruturação do ensino público, para que fosse gratuito e obrigatório a todos os brasileiros.

O sincronismo das revoltas em um Brasil politicamente instável atingia a República Velha. Em São Paulo, o general Isidoro Dias Lopes, o tenente cearense Juarez Távora e outros políticos iniciaram um movimento para derrubar o presidente em 1924, batizado de Revolta Paulista.

A mobilização durou pouco mais de 20 dias. Dessa eclosão revoltosa, saiu o militar Miguel Costa, que seguiu para o sul do País, rumo ao agrupamento liderado por Luís Carlos Prestes. Germinava assim a Coluna Prestes.

Os caminhos da Coluna Prestes pelo Brasil

Deflagrada em 1924, as forças tenentistas remanescentes de São Paulo somaram-se aos revoltosos do Rio Grande do Sul. Unindo-se na Foz do Iguaçu, no Paraná, decidiram percorrer o País para unir forças contra o governo vigente. A partir desse momento, o capitão Carlos Prestes ganhou voz como principal líder.

Batizada popularmente de Coluna Prestes, também é conhecida como Coluna Miguel Costa-Prestes, mas oficialmente nomeada de 1ª Divisão Revolucionária. O movimento percorreu 25 mil quilômetros pelo País, passando por diversos estados brasileiros. Fontes históricas divergem, mas indicam 12 ou 13 estados ao todo.

O historiador e educador brasileiro, Gilberto Cotrim, aponta em suas publicações que 12 estados receberam a marcha militar nos mais de dois anos dessa revolta.

“A Coluna é considerada a maior marcha militar da história pela extensão que percorreu, agregando também civis nas suas fileiras, principalmente trabalhadores rurais. A marcha percorreu treze estados do país, incluindo o Ceará. A passagem pelos rincões do território nacional colocou em evidência a condição de miséria em que sobreviviam milhares de brasileiros”, resume o professor Pedro da Costa.

O movimento clamava também pelo fim das injustiças sociais e da miséria que assolavam as terras brasileiras. Durante a empreitada no território nacional, a Coluna sofreu perseguição sem descanso das forças do governo.

Os estados que receberam a marcha foram Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Tocantins, conforme dados no portal da Câmara dos Deputados.

A junção dos movimentos paulista e gaúcho evidenciou, com o avanço da Coluna, que a República não era inatingível, embora os rebeldes não tenham derrubado a Presidência, sua principal mira.

Participação do cearense Juarez Távora

Em meio ao protagonismo dos militares, Juarez Távora (1898-1975), militar e político cearense, foi um dos líderes da Coluna. “Muitas lideranças vinculadas ao movimento tenentista tiveram destaque na política nacional posteriormente, como é o caso de Juarez Távora”, destaca o sociólogo.

Antes da extinção da Coluna, Juarez foi preso. Essa versão é contestada pelo jornalista piauiense Chico Castro, que defende outra perspectiva. Para Chico, o militar teria, na verdade, se entregado em Teresina (PI), no começo de 1926.

O jornalista refez os caminhos percorridos por Juarez e teve acesso a registros históricos da época que o levaram à conclusão de que ele praticamente se entregou. Também levantou a possibilidade de Carlos Prestes ter tido contato com o Partido Comunista pela primeira vez nesse Estado. Alguns historiadores apontam a Bolívia como berço desse encontro.

A captura - ou rendição - do cearense enfraqueceu o movimento e parou o avanço em terras brasileiras, recuando rumo ao exílio na Bolívia, após desfazerem as tropas, em 1926, segundo dados do historiador Gilberto Cotrim.

O movimento contribuiu fortemente para a Revolução de 1930, quando os governos rebeldes de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul deram um golpe de estado, tirando o então presidente Washington Luís da Presidência da República e impedindo a posse de Júlio Prestes. Após tomar o poder, Getúlio Dornelles Vargas, militar e político do Rio Grande do Sul, instaurou o período conhecido como “Era Vargas”, de 1930 a 1945.

Anistia ao militares da Coluna Prestes exilados é discutida
Anistia ao militares da Coluna Prestes exilados é discutida Crédito: Arquivo jornal O POVO

O retorno de exilados à casa e o início do governo varguista apresentaram novos caminhos na política para muitos dos militares que estavam à frente da mobilização. Nesse quadro, Juarez Távora aderiu à política ditatorial varguista, chefiando na época dois ministérios na Era Vargas.

Carlos Prestes no exílio continuava “servindo ao Brasil”: foi o que trouxe matéria impressa no jornal O POVO, em 17 de janeiro de 1928 (dez dias após a fundação do periódico cearense). “Sabe-se que foram cerca de 500 homens da Coluna Prestes internados no território boliviano. Nesse número, já muitos entre os soldados, vão sendo repatriados para os estados de onde são originários ou onde se incorporaram à Coluna”, consta no texto.

O bom filho à casa torna: a volta de Luís Carlos Prestes

Luís Carlos Prestes voltou ao País, tornando-se um dos principais encabeçadores do Partido Comunista. Miguel Costa também retornou e, posteriormente, aderiu à Aliança Nacional Libertadora (ANL), organização anti-integralista, anti-imperialista e antifascista.

Luís Carlos Prestes
Luís Carlos Prestes Crédito: Arquivo Nacional

Pedro Costa explica que “a identificação do legado da Coluna Prestes com a Revolução de 1930 ocorreu à revelia da principal liderança da Coluna, Luís Carlos Prestes, que durante o exílio se aproximou do Partido Comunista, tornando-se seu principal dirigente nas décadas seguintes”.

Ativista de esquerda, Prestes foi perseguido e preso pela ditadura implantada por Vargas no período do Estado Novo (1937-1945). Sua companheira, Olga Benário, foi expulsa do Brasil e entregue aos nazistas, onde seria morta em uma câmara de gás em 1942.

Prestes passou a vida defendendo uma revolução comunista. Na ditadura de 1964, teve seus direitos políticos cassados e se abrigou na antiga União Soviética.

A Coluna Prestes “revelou uma ânsia de setores militares por maior protagonismo político, enxergando as forças armadas como detentoras de uma espécie de poder moderador da República. Mas vale pontuar que essa tentativa de interferência no processo político se diferencia abruptamente dos movimentos políticos com participação de militares ocorridos posteriormente, com destaque ao golpe civil-militar de 1964 e ao ataque às instituições democráticas em janeiro de 2023”, analisa o professor da Uece.

“Enquanto esses movimentos contaram com apoio de setores da alta cúpula das forças armadas para golpear as instituições e defender interesses do capital privado, a Coluna Prestes representava as camadas baixas dos militares que lutavam pelo fim do poder oligárquico e pela democratização do país, vislumbrando uma nação livre e com justiça social”, disse Pedro da Costa.

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