Eleição de Trump: o que os erros do Partido Democrata têm a ensinar ao PT?
Na última década, Brasil e Estados Unidos parecem viver uma história espelhada. A derrota do Partido Democrata tem algumas lições para o Partidos dos Trabalhadores no BrasilHá uma semana, todos os analistas de política diziam que o resultado do pleito presidencial nos Estados Unidos era imprevisível. Entretanto, o fechamento das urnas mostraram um resultado bastante confortável para Donald Trump. Nada comparado com Ronald Reagan, que em 1984 ganhou em todos os Estados, menos em Minnesota e na capital Washington. Mas ainda assim uma vitória expressiva, conquistando 312 delegados no colégio eleitoral.
Passada a euforia inicial da campanha de Kamala Harris, os democratas foram perdendo empolgação e Trump foi aos poucos reconquistando os holofotes e voltando a chamar a atenção na mídia. Alguns dizem que Biden desistiu de forma muito tardia de disputar a reeleição, mas segundo especialistas ouvidos pelo O POVO, o fato é que Trump conseguiu falar com os eleitores latinos e negros não de forma identitária, mas como eleitores que querem ganhar melhores salários, ter menos inflação e que se sentem desfavorecidos com a “fuga de empregos” para China e para o México.
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Tamanha semelhança das agendas que Estados Unidos e Brasil têm na política interna, os erros cometidos pelo Partido Democrata podem servir de lição para o Partido dos Trabalhadores. Após a derrota do republicano em 2020, talvez o maior erro foi considerar que Trump era uma página virada.
Segundo, Iago Caubi, mestre em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia e pesquisador do Núcleo de pesquisa de Geopolítica, Integração Regional e Sistema Mundial da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), “a derrota do Trump não significou, necessariamente, a diminuição de sua popularidade. Pelo contrário, o público fiel aos ideais que ele defende se tornaram ainda mais leais e radicalizados”.
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Posição parecida tem Thiago Godoy, doutorando em Relações Internacionais pelo PPGRI-San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e Especialista em Globalização e Cultura pela FESPSP. “É necessário compreender que a cultura digital importa cada vez mais em cada ciclo eleitoral. Outro erro que não pode ser replicado é justamente uma caminhada para a centro-direita na expectativa de que isso reflita em mais votos. A eleição de Lula não significou uma rejeição total ao bolsonarismo, basta observarmos os números dos resultados: uma eleição extremamente apertada”.
Considerando a radicalização de uma parcela social, não importa a atuação do governo, mesmo com bons indicadores econômicos, a administração sempre vai ser considerada ruim. A questão, porém, está na “contaminação”, de pessoas próximas a estas, que passam a ver a economia ruim apenas por causa do convívio com algum indivíduo radicalizado.
Thiago Godoy considera que a comunicação tem que ser um ponto importante nas estratégias do PT, sendo um ponto falho para o Partido Democrata nos Estados Unidos. “A comunicação com a população é um elemento central que tem sido a grande dificuldade tanto do Partido Democrata quanto do PT. Enquanto expoentes de uma direita mais radical conseguem mobilizar o trabalhador - mesmo sem políticas claras para esse eleitorado -, muitos políticos mais progressistas acabam por falhar na comunicação ", destacou Godoy.
Thiago observa que, nos dois países, eleitores de baixa renda, tradicionalmente petistas e democratas, mudaram o voto para candidatos de extrema-direita. “Basta observarmos os resultados nas eleições deste ano nos dois países: uma perda de votos considerável com eleitores de mais baixa renda”, completou.
Ainda segundo o acadêmico, a eleição americana deixou claro que a classe artística não garante votos. Segundo explica, a campanha de Trump buscou marcar presença em mídias alternativas com podcasts que têm milhares de ouvintes no país.
“Enquanto os democratas focaram em terem figuras carimbadas como Bill Clinton, Beyoncé e Eminem, a campanha de Trump fez uma estratégia mais acertada marcando presença em diversos podcasts com milhares de ouvintes - como a visita ao podcast de Joe Rogan, o mais ouvido do país”, disse Thiago.
Para Iago Caubi a próxima eleição presidencial do Brasil também terá um debate etário, assim como nos Estados Unidos, com a idade do presidente Lula sendo posta em questionamentos. Inelegível por oito anos, Bolsonaro não pode ser candidato, e os nomes que podem subtítulo são figuras mais jovens que o presidente Lula.
“O que pode/deve acontecer é a replicação do método: por exemplo, o debate etário sobre a capacidade de Lula assumir mais um mandato, principalmente se o candidato do bolsonarismo for muito mais jovem. Além disso, as pautas são as mesmas: migração, ameaça do fantasma comunista, direitos de minorias e maiorias excluídas (caso da população negra e indígena)”, explicou Iago.
De volta a Casa Branca em 2025, Trump quer leais ao seu lado, e é acusado de ter vontade de “vingança”. Entretanto, a vingança pode ser creditada pelos eleitores e trabalhadores, que de certa forma não se sentiram ouvidos pelos democratas. Trump falou aos latinos, a negros tentando capitalizar a frustação com da inflação, falando com o cidadão que quer salários melhores e fechar as contas do mês, não da forma que os democratas falaram, que olham para estes como um grupo identitário.
“Como fez em 2016, Trump astutamente observa vácuos no discurso político vigente. Enquanto os democratas tratavam esse eleitorado quase como um 'eleitor cativo', Trump observou insatisfações em diversos tipos de eleitores acerca de temas relacionados à perda do poder de compra do norte-americano e os altos custos com saúde e moradia”, disse Thiago.
O discurso identitário aparece muitas vezes no discurso moderno do PT, o que serve de alerta para o próprio partido. Thiago Godoy argumentou que os democratas fugiam dessas pautas, se debruçando sobre temas como o aborto, altamente rejeitado pela população evangélica americana, assim como no Brasil. “Os democratas buscaram fugir dessas pautas e focar mais no tema do aborto - especialmente para o eleitorado feminino branco e com inclinação mais conservadora”, completou ele.
Isso soa bonito para uma parte pequena da população, na sua grande maioria pessoas mais politizadas e com diploma de ensino superior, a mesma coisa que parece acontecer. Para grande maioria da população, não se vota em uma mulher por ela ser mulher. Foi o mesmo erro que o Partido Democrata cometeu em 2016 quando Hillary Clinton perdeu também para Trump.
Se adequando à opinião pública, Trump abandonou a retórica de 2016, quando dizia ser a favor da extinção de uma das poucas iniciativas públicas de saúde nos Estados Unidos, o Medicare, dois terços da população americana aprova o programa. O agora presidente eleito também amenizou o discurso da meritocracia.
Tanto democratas quanto petistas parecem que não não conseguiram entender as novas dinâmicas do trabalho, e que nem todo trabalhador hoje é empregado. O próprio PT e o presidente Lula precisaram recuar na proposta de regulamentação do trabalho de motoristas de aplicativo, diante do recurso da própria categoria. Uma coisa parece certa, a progressistas prometem amparo do governo aos cidadãos, quando os números mostram uma melhora na qualidade de vida destes a dinâmica se inverte.
Os progressistas prometem políticas públicas, a extrema-direita promete riqueza e a emancipação da dependência de políticas do governo. Não é exagero dizer que isso já soa como música para uma parcela da população.
Para Thiago, a principal lição que fica do Partido Democrata para o Partidos dos Trabalhadores é a necessidade de novas lideranças, além das estratégias eleitorais. “Há a necessidade de repensar quadros de lideranças futuras para as próximas eleições e dar mais espaço para uma base mais progressista e popular que esteja mais conectada com as reais demandas do eleitorado. Se até o momento a tática de caminhar mais para a direita não funcionou, insistir nela seria um desperdício de energia nas próximas eleições”, completou Thiago.
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