Livro reúne histórias sobre ditaduras, advocacia e até revolucionário disfarçado de frade
Obra é do advogado Hélio Leitão. Lançamento será na próxima terça-feira, 17, às 19 horas“O Brasil tem histórias tão fascinantes que não é preciso criar obras de ficção, basta contar o que aconteceu”, diz o advogado Hélio Leitão, em uma citação do biógrafo Fernando Morais.
O advogado conta ou comenta algumas curiosas histórias reais em uma coletânea de artigos, publicados originalmente no O POVO+ de 2020 a 2024 e agora transformados em livro. O lançamento será na próxima terça-feira, 17, às 19h, no auditório da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-CE) - Av. Washington Soares, 800.
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“Escrevinhando sobre quase tudo”, informa o título da obra, que resume uma gama de assuntos em seu interior: os temas vão desde migração, críticas ao governo Bolsonaro, advocacia até o caso de um cearense, ex-preso político, que se disfarçou de frade para fugir da ditadura militar.
Segundo Hélio, a iniciativa de publicar os artigos em forma de livro partiu de incentivos de amigos e leitores. O gosto pela leitura, no entanto, vem desde a infância, incentivado pela mãe. “Meio que por acaso me caiu nas mãos o Capitães da Areia, do Jorge Amado, foi o primeiro livro que li. Eu, garoto, só lia durante o dia, pois as cenas fortes me davam medo”, relata.
As raízes seguiram aos dias atuais. Virou um “leitor compulsivo”, como ele mesmo se elenca e, quanto ao fascínio por Amado, ele se faz presente no atual lançamento. A introdução é assinada pela neta do autor, Maria João Amado, a quem Hélio é amigo.
A capa é assinada por Socorro (Coca) Torquato e faz referência ao movimento armorial, de preservação da “pureza” da cultura brasileira, cujo grande expoente é o escritor Ariano Suassuna. O lançamento contará com a apresentação de Sydney Sanches, presidente do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB).
Contribuem, ainda, os mais variados personagens, nas páginas: Clayton Marinho, Paulo Bonavides, Desmond Tutu, Wanda Sidou, dentre outros.
Nos textos, apesar dos mais variados temas, parece permear o tópico dos direitos humanos, área do Direito na qual Hélio atua. “Duas vertentes que convergem, minha paixão literária - sou apaixonado pela literatura - e essa minha formação acadêmica e política na área dos direitos humanos”, afirmou.
Sobre as expectativas com a obra, o advogado foi sucinto: “Nenhuma”, respondeu, pedindo que assim fosse transcrito.
Mas quem é o ex-preso disfarçado de frade? Saiba a história
“Todo mundo fala isso, é engraçado”, ri Hélio, ao ouvir a palavra "curioso" relacionada ao conjunto de artigos sobre o tempo que o empresário José Honório da Silva, militante contra a ditadura militar, passou em um convento, fugindo do regime.
Hélio diz que conheceu Honório por ele ser do movimento de anistiados políticos do Estado. “Começou meio como uma conversa, achei a história fascinante e, com a autorização dele, contei a história”, diz o advogado.
Ele cita que achou interessante o pedido para preservação de certos detalhes, como o nome do mosteiro onde o refugiado se abrigou. “Ele disse que se valeu da boa fé das pessoas”, informa o advogado.
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Esses pedidos foram repetidos por José Honório, em conversa com O POVO. O empresário foi preso em duas ocasiões, solto pela advogada Wanda Sidou. Na saída da segunda detenção, passou por vários locais do Brasil: Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Salvador e Recife, em uma vida “sem sossego”, segundo suas próprias palavras.
Foi quando surgiu a ideia de abrigo em um seminário. Honório havia sido interno, em 1960, e utilizou dessa experiência prévia ao apelar para o padre responsável o aceitar no local. A oferta inicial era de ingresso em um ano, que acabou virando ingresso imediato.
Honório passou um ano no seminário. Em certas passagens, ele cita a vivência como “teatro”, no qual ele atuava para convencer os demais de que pertencia ao espaço. “Eu aos poucos fui conquistando os padres reitores da direção do seminário, através da organização da biblioteca”, disse.
E acrescentou: “Pintei as paredes, fazia parte dos trabalhos com afinco, me dedicava das 20h30min às 23h e tinha o estudo da bíblia, com um patrono da ordem religiosa. Ele fazia perguntas e eu fazia um teatro, para que acreditassem em mim de toda forma. Consegui me esconder por um ano”.
Honório ainda conta sobre aulas que dava em uma escola estadual, como parte das atividades do seminário. Segundo ele, conquistou os alunos contando histórias da Guerra de Troia, nos minutos finais. O momento era aguardado. “Os alunos adoravam ouvir a Odisseia”, diz ele, em uma história grega que relembra, ironicamente, a dele próprio.
A volta à Ítaca (Fortaleza) foi apenas em 1980, um ano após a Lei da Anistia, pelo presidente João Figueiredo. Anos depois, ele pôde sentar e conversar com um conhecido sobre os ocorridos na vida.
“Ele consegue descobrir histórias e faz uma leitura muito agradável e suave. Teve mais episódios, mas estava sendo quase uma novela. Conversei com o Hélio e disse: 'Acho que está bom por aqui. Se a gente continuar a fazer mais contos dessa minha história do seminário, vamos terminar me identificando e até o local'”, diz Honório.
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