Moraes usava STF e TSE fora dos trâmites para mirar aliados de Bolsonaro, diz jornal

Seriam, pelo menos, duas dezenas de casos em que o gabinete de Moraes solicitou de maneira extraoficial a produção de relatórios

09:33 | Ago. 14, 2024

Por: Júlia Duarte
Alexandre de Moraes, ministro do STF, também assumiu a presidência do TSE em 2022 e conduziu as eleições presidenciais (foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Reportagem publicada pela Folha de S. Paulo nesta terça-feira, 13, afirma que assessores do ministro Alexandre de Moraes, tanto no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como no Supremo Tribunal Federal (STF), trocavam informações fora dos trâmites legais. O intuito seria produzir relatórios que embasassem decisões do ministro no inquérito das fake news, que mirava aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

O inquérito foi aberto em março de 2019 no âmbito do STF, alguns meses após início do governo Bolsonaro, por ordem do ministro Dias Toffoli, que indicou Moraes como relator. Em agosto de 2022, Moraes foi empossado como presidente do TSE.

O jornal informa ter tido acesso a seis gigabytes de mensagens e arquivos trocados via WhatsApp por auxiliares de Moraes. Entre eles, Airton Vieira, o juiz instrutor, uma espécie de auxiliar de Moraes no gabinete, e outros integrantes da sua equipe no TSE e no Supremo.

A troca de mensagens, como reproduzido pelo jornal, apontariam para ação irregular do setor de combate à desinformação do TSE sendo usado como um braço investigativo do gabinete do ministro no Supremo. O jornal alega que os relatórios produzidos foram usados como embasamento para decisões que autorizaram medidas contra bolsonaristas, bloqueio de redes sociais e intimações para depoimento à Polícia Federal.

Seriam, pelo menos, duas dezenas de casos em que o gabinete de Moraes no STF solicitou de maneira extraoficial a produção de relatórios pelo TSE. As mensagens são de agosto de 2022, na campanha eleitoral, até maio de 2023.

A reportagem cita o caso do jornalista Rodrigo Constantino, apoiador de Bolsonaro como um exemplo de outras ações encontradas. Em 28 de dezembro de 2022, Vieira pergunta a Eduardo Tagliaferro, então responsável pela Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED), se ele pode falar. "Posso sim, posso sim, é por acaso [o caso] do Constantino?".

Nas mensagens, os dois iniciam uma conversa sobre um pedido do próprio ministro para fazer relatórios a partir de publicações das redes de Constantino e do também bolsonarista Paulo Figueiredo. A dupla atacava a lisura da eleição e os ministros do STF, além de incitar os militares contra o resultado das urnas.

Tagliaferro (TSE) encaminha uma primeira versão do relatório sobre o jornalista, mas Vieira (STF) manda mais postagens de Constantino e cobra a alteração do documento para inclusão de mais manifestações. Moraes é citado indiretamente e, pelo tom das mensagens, o ministro estaria “cismado”.

"Quem mandou isso aí, exatamente agora, foi o ministro e mandou dizendo: vocês querem que eu faça o laudo? Ele tá assim, ele cismou com isso aí. Como ele está esses dias sem sessão, ele está com tempo para ficar procurando", diz Airton Vieira em áudio enviado a Tagliaferro às 23h59 daquele mesmo dia.

Na madrugada do dia 29 de dezembro, há uma resposta do assessor do TSE que o material enviado, por meio do WhatsApp, já seria “suficiente”, mas que iria alterar o documento e incluir as postagens indicadas por Moraes.

"Concordo com você, Eduardo [Tagliaferro]. Se for ficar procurando [postagens], vai encontrar, evidente. Mas como você disse, o que já tem é suficiente. Mas não adianta, ele [Moraes] cismou. Quando ele cisma, é uma tragédia", responde o juiz Airton Vieira.

O jornalista, pelas  mensagens, já estaria na mira do ministro, isso porque, em 22 de novembro de 2022, consta um pedido de Moraes sobre Constantino. Neste caso, o próprio ministro teria mandado solicitações que chegaram ao órgão de combate à desinformação do TSE. "Em alguns, aparecia que o relatório era "de ordem" do juiz auxiliar do TSE. Em outros, uma denúncia anônima", diz o jornal. 

Vieira mandou o print de uma conversa com Moraes em um grupo do WhatsApp chamado Inquéritos. "Peça para o Eduardo analisar as mensagens desse [Constantino] para vermos se dá para bloquear e prever multa", diz a mensagem de Moraes, cujos prints foram enviados a Tagliaferro. "Já recebi" e "Está para derrubada", responde o assessor do TSE em duas mensagens.

A dupla volta a conversar no dia 1º de janeiro de 2023, quando Vieira manda para a cópia de duas decisões sigilosas de Moraes tomadas dentro do inquérito das fake news. Moraes ordenou, na época, a quebra de sigilo bancário de Constantino e Figueiredo, bloqueio de suas redes sociais e intimações para depoimento na Polícia Federal.

STF diz que os procedimentos foram oficiais

O gabinete do Ministro Alexandre de Moraes publicou nota sobre o caso e afirmou que "diversas determinações, requisições e solicitações foram feitas a inúmeros órgãos, inclusive ao Tribunal Superior Eleitoral" que teria poder de polícia. Para a Corte, todos os procedimentos doram oficiais e regulares. 

"Os relatórios simplesmente descreviam as postagens ilícitas realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem diretamente ligadas às investigações de milícias digitais. Vários desses relatórios foram juntados nessas investigações e em outras conexas e enviadas à Polícia Federal para a continuidade das diligências necessárias, sempre com ciência à Procuradoria Geral da República", diz o tribunal.

E segue: "Todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria Geral da República.