Disputas entre Sarto e Elmano sobem de tom quanto mais perto fica da eleição

A discussão mais recente girou em torno do homicídio de um funcionário do IJF dentro da unidade hospitalar

As desavenças entre o prefeito de Fortaleza, José Sarto (PDT), e o governador do Estado, Elmano de Freitas (PT), acumulam-se desde o ano passado nas diferentes áreas das administrações, mas o tom aumentou nesta semana. Dois dias depois de o PT confirmar a escolha de Evandro Leitão para concorrer à Prefeitura de Fortaleza, contra Sarto, o governador e o prefeito protagonizaram bate-boca virtual sobre o homicídio de funcionário do Instituto Doutor José Frota (IJF) no interior da unidade hospitalar.

Inicialmente, o gestor municipal atribuiu a culpa da insegurança pública à paralisia do Governo do Estado no combate a grupos criminosos.

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“É inaceitável a violência em Fortaleza continuar do jeito que está. Hoje mais uma vez vivemos momentos de horror. Dois assassinatos brutais. A paralisia do Governo de Estado no combate às facções não parece ser apenas incompetência, mas também cumplicidade”, publicou o prefeito nas redes sociais.

Elmano refutou as acusações e afirmou que a morte do funcionário do hospital se tratou de um “crime passional”, motivado por ciúmes da vítima com uma mulher, que também trabalhava na unidade.

“Segundo investigações, trata-se de um ex-funcionário, que foi demitido há mais de um ano e, mesmo assim, teve acesso ao hospital municipal com reconhecimento facial. Um crime lamentável, que terá rápida resposta da polícia”, continuou.

“Há de se lamentar, também, a postura irresponsável e oportunista do prefeito de Fortaleza, que buscando criar um fato político em cima de uma tragédia, atribui o episódio a ação de facções. E ainda fala, levianamente, de cumplicidade do Estado. Em respeito aos cearenses, não entrarei nesse jogo de baixaria do prefeito”.

É o ponto mais alto da disputa que se desdobra há vários meses. Relembre  outros episódios e veja como foi a escalada.

Aumento da passagem

Em março de 2023, Elmano e Sarto protagonizaram uma das primeiras brigas públicas. Esta motivada pelo aumento da tarifa de ônibus na Capital, que passou de R$ 3,90 para R$ 4,90 a inteira, enquanto a meia caiu de R$ 1,80 para R$ 1,50

Sarto dizia que o aumento ocorreu porque Elmano interrompeu repasses estaduais que subsidiavam o valor. Elmano rebatia.

À época, José Sarto divulgou uma nota cobrando um repasse de R$ 3 milhões do Governo do Estado, afirmando que até aquele momento o recurso não havia sido disponibilizado.

Pelas redes sociais, o prefeito afirmou que estava “trabalhando para manter a tarifa integrada de transporte público entre as mais baratas do País” e que, “até 2022, havia uma parceria com o Governo do Ceará, que aportava mais R$ 3 milhões”. “Porém, chegamos em março de 2023 e, até agora, esse recurso do Estado não chegou”, criticou o prefeito.

Elmano, por sua vez, rebateu as críticas do gestor municipal, declarando que ele estava “transferindo” para o Estado a responsabilidade pelo aumento da passagem.

“Embora sendo uma responsabilidade direta do município”, continuou Elmano,“o Governo do Estado ajuda a manter o transporte público da capital há muitos anos com cerca de R$ 30 milhões/ano, através da redução em 66% na base de cálculo do ICMS do Diesel”.

O governador justificou que o Estado “deu um apoio financeiro extra para o município, pelo fato do prefeito alegar dificuldades financeiras naquele momento (durante a pandemia de Covid-19)”, e relembrou que assumiu a responsabilidade de “garantir gratuidade para todos e todas no transporte da Região Metropolitana”, no qual disse que irá cumprir.

Obras paralisadas

Edifício São Pedro e Acquario

Também no mês de março do ano passado, declarações do vice-prefeito de Fortaleza, Élcio Batista (PSDB), ampliaram a animisodade entre Estado e Município. Na ocasião, o vice-prefeito cobrou o Governo do Estado pelas obras do Acquario, Ponte dos Ingleses e Edifício São Pedro, todos localizados nas imediações da Praia de Iracema, um dos cartões postais da Capital cearense.

Élcio foi secretário da Casa Civil do Governo do Estado até junho de 2020, durante a gestão de Camilo Santana (PT).

“A Prefeitura de Fortaleza está trabalhando pela cidade de Fortaleza e, como o Sarto diz, está trabalhando para todos, independente de coloração partidária, independente de interesses específicos, diferentemente do Governo do Estado. Porque aqui na Praia de Iracema hoje temos três entraves para o desenvolvimento e todas elas são responsabilidade do Estado”, disse. 

Ponte dos Ingleses

Na mesma ocasião, Élcio comentou acerca da obra na Ponte dos Ingleses, afirmando que o Estado não cumpriu a parte da negociação entre as esferas. O local está fechado desde 2018, quando a Prefeitura e o Governo do Estado anunciaram que iriam recuperar e requalificar o equipamento.

“O (ex) prefeito Roberto Cláudio assinou o acordo e cumpriu o acordo na gestão do prefeito Sarto. A ponte foi concluída, todo o trabalho de cálculo estrutural está lá. A parceria com o Governo do Estado, eles ficaram de fazer a parte de cima da ponte e nada. E o Acquario, a mesma coisa que está aí parada. A Praia de Iracema, a Prefeitura de Fortaleza está tendo compromisso”, acrescentou.

Em julho, o prefeito Sarto informou que a Prefeitura assumiria também a parte do Estado. O Governo do Estado do Ceará rebateu e informou que não teria realizado a parte que lhe cabia porque haveria risco de a estrutura desabar. A Prefeitura garantiu a segurança da ponte e assumiu os trabalhos, que estão em andamento.

Fechamento de Hospitais e lotação no IJF

Em abril do ano passado, Elmano e Sarto divergiram sobre o fechamento de hospitais e a superlotação no Instituto Doutor José Frota (IJF).

Neste caso, as acusações partiram do governador do Estado, que culpou o prefeito pela lotação nos hospitais estaduais, caracterizando o cenário como uma “situação muito grave”. Elmano acrescentou, à época, que o aumento da demanda nas entidades estaduais é resultado da “decisão da prefeitura de fechar serviços de saúde”.

“Eu espero que tenha responsabilidade de atender a população de Fortaleza. Nós já abrimos leitos, já chamamos pessoal da pediatria para dar uma salvaguarda daquilo que a Prefeitura não está fazendo”, pontuou o governador.

Em seguida, Sarto rebateu as críticas de Elmano, alegando que Fortaleza “carrega a saúde do Ceará nas costas”. “Todo mundo sabe que Fortaleza carrega a saúde do Estado do Ceará nas costas", disse o prefeito durante a assinatura da ordem de serviço para obras do terminal José de Alencar, no Centro.

Quando questionado sobre as críticas do chefe do Executivo estadual, Sarto respondeu: "Se o governador realmente não quiser fugir do debate, quiser ajudar, ele tem mesmo é de botar os hospitais regionais para funcionar, a começar pelo hospital da Uece (Universidade Estadual do Ceará), que está lá parado há cinco, seis meses", justificou.

Taxa do Lixo

Outro ponto de atrito entre as duas gestões foi a Taxa do Lixo. A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) deu parecer favorável à revogação da lei, em julgamento no Tribunal de Justiça. Na época, o governador defendeu o posicionamento.

"A manifestação da PGE é absolutamente técnica e jurídica. Em nenhum momento, eu fiz discussão de mérito da legislação de Fortaleza, acho que isso não me cabe, cabe à Câmara de Fortaleza, ao Poder Judiciário que vai analisar. A manifestação da PGE em nenhum momento tem manifestação política na matéria, tem uma manifestação jurídica, e o procurador do Estado tem a liberdade de manifestar o pensamento jurídico para o caso", afirmou o governador no dia 19 de maio. Inicialmente suspensa, a cobrança da taxa acabou liberada pela Justiça.

Reunião que não acontecia

Em junho do ano passado, Sarto revelou que enfrentou resistência em agendar reuniões com Elmano. “Eu tô aguardando", disse o prefeito, que fez seguidas cobranças públicas. A reunião aconteceu só no começo de agosto. 

Limite de velocidade na mesma avenida

Em junho, Estado e Município divergiram acerca do limite de velocidade na avenida Osório de Paiva, que tinha trecho sob jurisdição municipal e parte de responsabilidade estadual. Quando as duas instâncias eram aliadas, houve acordo para uniformizar a velocidade máxima ao longo da via.

Naquele mês, todavbia, passou a haver um limite na área fiscalizada pela Autarquia Municipal de Trânsito (AMC) e outro no que cabe ao Departamento Estadual de Trânsito do Ceará (Detran-CE).

No trecho municipal, a Osório de Paiva tem velocidade máxima de 50 km/h desde 2018. A norma vale no intervalo entre avenida Gomes Brasil, próximo ao Ginásio Poliesportivo da Parangaba, e a Perimetral — chamada naquele trecho de avenida Luiz Vieira. Na parte estadual, da Perimetral ao 4º Anel Viário, passa a velocidade máxima é de até 60 km/h.

Aproximação com o bolsonarismo 

Em dezembro do ano passado, o governador e o prefeito visitaram O POVO na mesma semana. Ambos apontaram questões polêmicas nas respectivas gestões. Dentre os temas levantados como ponto de colisão estão a aproximação com o bolsonarismo, segurança pública e dessanilização.

De um lado, o chefe do Executivo estadual lamentou a aproximação de "um grupo político liderado pelo prefeito" com setores de extrema-direita na Capital cearense. Acabara de ser concedido título de cidadão fortalezense ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na Câmara Municipal de Fortaleza, com votos de vereadores da base de Sarto. 

"Eu queria ver a mesma intensidade que eu vejo de algumas lideranças do grupo do Sarto e seus líderes que atacam o Lula, o Camilo e o PT, que eles tivessem 10% dela para atacar a extrema-direita no Ceará e em Fortaleza. Ao contrário, o que vejo é buscar se abraçar cada vez mais para lutar contra forças democráticas", disse Elmano.

Mesmo diante desse cenário, o governador disse "não se arrepender" do apoio que deu ao gestor do Executivo municipal no segundo turno das eleições de 2020, tendo em vista que o opositor era o então candidato Capitão Wagner (União). "Nós acertamos, o Wagner se mostrou candidato do bolsonarismo".

Do outro lado, Sarto avaliou o primeiro ano do mandato de Elmano como "muito abaixo da expectativa". Durante entrevista ao podcast do O POVO Jogo Político, a principal crítica do prefeito da Capital cearense foi em relação à segurança pública.

“Antes se atribuía muito a questão da segurança a uma falta de alinhamento com o governo federal. Agora que estão alinhados, não se vê resultado”, explicou. "A função constitucional de dar segurança ao cidadão é do Estado e da União. À Prefeitura, cabe outra função. É uma função coadjuvante. O protagonismo deve ser do governo", completou. 

Dessalinização

Na mesma época, no fim de 2023, os gestores sinalizaram divergir acerca do projeto de dessalinização na Praia do Futuro, em Fortaleza. Em entrevista exclusiva ao O POVO, o prefeito Sarto informou que a construção de uma usina de dessalinização no local dificulta a atração de empresas de datacenter. De acordo com ele, os empreendedores interessados dizem que investir sob esse tipo de discussão seria "arriscado".

"(Se existe possibilidade de perder investimentos por conta do imbróglio?) Sim. Inclusive, duas empresas afirmaram que é preciso deixar claro as regras e como vai ficar para avançar com o investimento", pontua o chefe do Executivo municipal. 

Na contramão, o governador Elmano defendeu que a iniciativa garantirá o abastecimento de água em Fortaleza durante o período de seca que estava previsto com o fenômeno El Niño. Contudo, o empreendimento é alvo de críticas de empresas de internet e cabos, como as citadas pelo prefeito.

"Efetivamente, eu não posso, de maneira nenhuma, atrasar uma usina de dessalinização que pode garantir água numa situação de seca. O povo de Fortaleza não passará necessidade de faltar água em suas casas", garantiu o governador. 

Terreno no Álvaro Weyne

Já em 2024, as administrações seguiram se desentendendo, desta vez em torno da posse de um terreno localizado no cruzamento das avenidas dr. Theberge e Tenente Lisboa, no bairro Álvaro Weyne, em Fortaleza. 

Em março deste ano, a Prefeitura de Fortaleza teria começado obras para revitalizar o espaço, com a construção de um parque urbano. O Metrofor, no entanto, impediu as intervenções alegando planos para uma futura linha de metrô subterrânea no local. Enquanto as gestões discutem qual equipamento deve ter prioridade, moradores cobram melhorias definitivas para a área.

Conforme a Secretaria de Infraestrutura (Seinf), a entrega do Parque Urbano do Álvaro Weyne estava prevista para o fim de 2024. Já o investimento total da obra seria de aproximadamente de R$ 8 milhões.

O titular da pasta, Samuel Dias, ressalta que, no último dia 12 de março, a mobilização para as obras já havia sido iniciada na região, com a instalação do canteiro e a montagem dos tapumes. A Polícia Metroviária, no entanto, teria ido ao local e exigido a retirada imediata do material.

Lord Hotel seria transformado em Câmara Municipal 

No início deste mês, as gestões entraram em discussão acerca do Lord Hotel, prédio de quase 70 anos, localizado no Centro de Fortaleza, que está em estado de abandono. Anteriormente propriedade do Governo do Estado, foi cedido à Prefeitura em 2019, que propôs o restauro do local para abrigar a Câmara Municipal.

O Poder Legislativo, contudo, desistiu do projeto por causa da “complexa obra de revitalização do prédio que se mostrou inviável economicamente”. Após desistência do Legislativo, a Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor), que executa a instrução de tombamento do prédio, declarou que realizou o processo de devolução do Lord Hotel ao Governo do Estado.

Já o Metrofor, que ficou à frente da desapropriação do prédio em 2001, informou que o Lord Hotel ainda se encontra sob responsabilidade da Prefeitura de Fortaleza. “Em dezembro de 2023, o Governo do Ceará recebeu ofício da Prefeitura de Fortaleza manifestando interesse em desfazer a cessão — antes do prazo inicial [de 25 anos] estipulado, e sem as anunciadas obras no local”, informou a pasta.

Governo trata prefeitura como "rival", segundo gestor municipal

No último dia 15, Sarto alegou ao O POVO que o governador Elmano de Freitas vê a Prefeitura de Fortaleza como "rival". 

"O município de Fortaleza está sendo tratado não como a capital do Estado do Ceará, mas como um rival. Pela primeira vez em Fortaleza nós temos remédio em casa, passe livre estudantil, mas temos pela primeira vez em Fortaleza a Prefeitura sem nenhuma pactuação institucional com o Estado e União", seguiu. 

"Roberto Cláudio, que para mim foi o maior prefeito da história de Fortaleza, teve seis anos de parceria com governo do Estado e União ajudando. A ex-prefeita Luizianne Lins teve oito anos sendo ajudada pelo governo do Estado, Cid Gomes, e pelo Governo Federal, Lula e Dilma. O prefeito José Sarto está com o povo e Deus". 

A declaração decorre dos questionamentos acerca das eleições municipais de Fortaleza, que o gestor avaliou como um "triplex" que se somaria aos governos petistas no Ceará e no âmbito federal. Para ele, é equivocada a lógica segundo a qual Fortaleza estaria três — ou quatro, a contar com Camilo Santana no Ministério da Educação — vezes mais fortalecida com o controle da Presidência, do Governo do Ceará e da Prefeitura de Fortaleza nas mãos de um único partido e grupo político. 

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