Povos indígenas no Ceará: o que dificulta a plena participação no processo eleitoral

Ouvidos, integrantes da etnia Jenipapo-Kanindé relataram as principais barreiras existentes para conseguirem votar e serem candidatos

O Ceará é o quarto estado do Nordeste em números absolutos de população indígena. Em relação ao Brasil, ocupa o 9º lugar. De 2010 para cá, a quantidade de residentes indígenas quase triplicou no Estado, passando de 20.697 para 56.353 autodeclarados. Apesar disso, ainda há impasses na participação destes povos no exercício da democracia, tanto em relação ao ato de votar, quanto de serem votados.

Integrantes da etnia Jenipapo-Kanindé relataram as principais dificuldades enfrentadas no processo eleitoral e na comunidade em geral. Localizada no município de Aquiraz (CE), nos arredores da Lagoa Encantada, vivem na aldeia 130 famílias, totalizando 479 pessoas. Deste total, 215 consistem em eleitores aptos a votar.

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Os moradores da comunidade contam com uma seção eleitoral dentro da aldeia, na Escola Indígena Jenipapo-Kanindé, onde as entrevistas foram realizadas, nesta sexta-feira, 19, Dia dos Povos Indígenas. No local, eram oferecidos serviços de alistamento e regularização da situação eleitoral pelo Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE). Também foram disponibilizadas urnas eletrônicas para o manuseio da população votante.

Segundo os moradores, uma seção eleitoral tão próxima ajuda na participação nas eleições. Líder comunitário, Heraldo Alves, o Preá, afirma que ainda hoje pessoas da comunidade votam em outros locais, como a praia do Iguape. Moradores acordam às 4 horas da manhã para conseguirem votar logo cedo. “Muitos não vão, aí dá problema com o título. Por isso, ações de incentivo ao voto são ótimas”, relata.

Dentre as pessoas que transferiram o título está Marinete Vieira da Silva, 63 anos, natural da Lagoa Encantada, mas ex-residente de Fortaleza. Ela votava na capital cearense e transferiu o título nesta sexta-feira, 19. "Estou encantada. De estar de volta para meu povo e de poder votar aqui. É muito melhor para mim pois é perto e tenho uma filha deficiente. O trajeto em Fortaleza era muito difícil", relata.

Reivindicações do povo Jenipapo-Kanindé rodeiam a expulsão de posseiros e a reforma da estrada

Dentre as reivindicações do povo a serem cobradas para os representantes do poder público, as mais constantes foram relacionadas à estrada que leva à comunidade. O trajeto é de uma terra arenosa, que desliza quando não há chuvas e alaga quando o inverno chega. Todos os moradores ouvidos relataram problemas no deslocamento, tanto deles próprios quanto de familiares.

Além disso, foram citadas outras questões como: falta de representatividade indígena no ensino nas escolas públicas; falta de representatividade no poder público; carência de ações para a expulsão de pessoas não indígenas, que permaneceram dentro das terras delimitadas, chamados de “posseiros”.

Foi levantada ainda a implementação de fontes de energia renovável, como solar, para fornecer eletricidade sustentável e acessível, além do fortalecimento do turismo sustentável, já praticado pelo povo.

Vale lembrar que a etnia Jenipapo-Kanindé é apenas uma das 20 presentes no estado do Ceará, segundo a Funai. São elas: Anacé, Cariri, Gavião, Jenipapo-Kanindé, Kalabaça, Kanindé, Kariri, Kariri-Quixelô, Karão, Paiacu, Pitaguari, Potiguara, Quixará-Tapuia, Tapeba, Tabajara, Tapuia-Kariri, Tremembé, Tubiba-Tapuia, Tupinambá e Warão. Além disso, a população indígena está presente em 94% dos municípios cearenses. Cada uma dessas representações conta com características e reivindicações específicas.

Uma das questões mais importantes, inclusive, a demarcação de terras, não foi citada pelos Jenipapo-Kanindé pois eles conseguiram o primeiro marco que delimita a Terra Indígena Lagoa da Encantada, no início deste ano. Apesar disso, o Ceará está entre os estados com menor quantidade de indígenas vivendo em terras oficialmente delimitadas, com 10.524, o que corresponde a 18% da população total do grupo.

De acordo com o Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE), em março de 2024, os eleitores autodeclarados indígenas passaram dos 8% (102.335) do total considerado para a raça no Censo Demográfico 2022 (1.187.246), realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

O cálculo da porcentagem da população indígena com título de eleitor levou em consideração a população entrevistada pelo Censo 2022 com idades entre 15 e 100 anos.

No entanto, nas eleições de 2022, estimativas do TRE-CE apontaram que apenas 8.309 eleitores de comunidades indígenas votaram em seções especiais. Essas seções foram instaladas em comunidades, totalizando 26 locais de votação em 16 municípios, dentre eles Acaraú, Caucaia e Maracanaú.

Confira abaixo os registros da ação de alistamento e regularização eleitoral

A presença dos povos indígenas não pode se limitar à participação como eleitores. As comunidades direcionam o voto a quem pode encaminhar as reivindicações. O ideal, neste caso, são pessoas das próprias comunidades ocupando os espaços de poder e falando em nome delas.

Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o número de candidatas e candidatos que se autodeclararam indígenas cresceu na série histórica que iniciou em 2014. Neste ano, a Justiça Eleitoral começou a computar a informação de cor e raça no registro de candidatura.

Sobre os pleitos municipais, em 2020, houve o registro de 1.721 candidaturas autodeclaradas indígenas, crescimento de 11% em relação às eleições anteriores, em 2016.

No entanto, apenas 9% dessas candidaturas chegaram a ser eleitas, totalizando 181 indígenas nas câmaras municipais brasileiras. Já em relação ao Executivo, foram eleitos 12 vice-prefeitos e 8 prefeitos indígenas em 2020. Em comparação, em todo o País, foram eleitos 58.208 vereadores, no geral, e 5.568 prefeitos.

Na comunidade ouvida, os moradores expressam suas reivindicações por meio de 12 líderes comunitários. Eles alegam que o diálogo tanto com a Prefeitura de Aquiraz quanto com o Governo do Estado é positivo.

Apesar disso, uma representação direta foi citada pelo pajé João Jenipapo Kanindé. “Eu ia colocar meu nome, mas eu sou muito novo nesse negócio de política e tenho um prefeito que está nos apoiando, vou deixar ele ficar mais quatro anos”, brincou.

O papel da Justiça Eleitoral na inclusão das comunidades indígenas

Cacique Irê do povo Jenipapo-Kanindé, a secretária dos Povos Indígenas do Ceará, Juliana Alves, comentou que o papel da Justiça eleitoral, nestas eleições, deve ser de aumentar o dito “trabalho de campo”.

“Devem ir nas aldeias. Ver os jovens que não têm titulo, idosos que não têm título. Se instalar e acompanhar de perto nas aldeias. Às vezes, fica muito difícil para essas pessoas se deslocarem até um cartório eleitoral próximo”, diz ela.

E completa: “Se tivéssemos essa presença mais perto, iríamos avançar positivamente nas eleições deste ano.”

A representante ainda cita que, além da presença de seções eleitorais, é preciso que estas tenham um número razoável de urnas. Segundo constatações da Secretaria, alguns locais de votação em comunidades contavam com apenas uma ou duas urnas, o que ocasionava grandes filas. “Isso dificulta, a população tem que passar horas e horas para exercer a cidadania”, afirmou.

Segundo o TRE-CE, as principais ações vão estar dentro do projeto TRE Itinerante, o mesmo realizado nesta sexta na aldeia. Nele, são ofertados serviços de

  • alistamento eleitoral: emissão do primeiro título;
  • revisões eleitorais: pequenas mudanças, como estado civil e endereço dentro do mesmo município
  • transferência eleitoral: mudança de município
  • treinamento de votação: testes nas próprias urnas.

Sobre os Jenipapo-Kanindé

A etnia Jenipapo-Kanindé é originária dos povos Payaku, localizada na Terra Indígena Lagoa da Encantada. Neste ano a comunidade recebeu o primeiro marco que delimita a Terra Indígena Lagoa da Encantada.

De acordo com informações da Secretaria da Cultura, trata-se de um povo indígena urbanizado, mas que busca nas suas origens a redescoberta da prática dos rituais e das danças tradicionais de sua etnia, tal como se verifica com a dança do Toré, considerada um grande símbolo de resistência e forte tradição entre os povos indígenas das regiões do Nordeste brasileiro e do estado de Minas Gerais.

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