Área de litígio: Tabajaras reforçam pertencimento ao Ceará há mais de três séculos
A etnia Tabajara dispõe de provas documentais que constatam que o sentimento de pertencimento ao Ceará é ancestral, conforme Carta Régia, datada de 1721
16:04 | Abr. 19, 2024
Em alusão ao Dia dos Povos Indígenas, comemorado no dia 19 de abril, membros da comunidade originária que habita na região cearense disputada pelo estado vizinho Piauí reforçam a importância da relação com o território em que vivem e exigem que a localidade continue sob a posse do Ceará.
A etnia Tabajara, por exemplo, dispõe de provas documentais que constatam que o sentimento de pertencimento ao Ceará é ancestral, conforme Carta Régia, datada de 1721.
O documento, expedido no século XVIII, já integra a defesa cearense no processo da Ação Cível Originária n° 1831 que está em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF). A Carta Régia de 1721 determina que a Serra da Ibiapaba seria designada aos indígenas da etnia Tabajaras, como resposta ao sentimento de pertencimento exposto.
Os responsáveis pela elaboração da nota técnica divulgada no dia 5 de abril pelo Grupo de Trabalho do Ceará, que fica a cargo do processo de litígio, avaliam que a Carta Régia projeta a posse cearense sobre toda a Serra da Ibiapaba e atesta, também, a identidade territorial e cultural dos habitantes em relação ao território, fortificada em séculos de história e tradição.
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) reconheceu a existência de duas aldeias indígenas dentro da área em disputa. São elas: Cajueiro (Poranga) e Nazário (Crateús). As aldeias contam com mais de 50 famílias que representam as etnias Tabajara e Kalabaça, com narrativas culturais únicas e vinculadas ao território cearense, conforme a Secretaria dos Povos Indígenas do Ceará (Sepin).
O secretário-executivo da pasta, Jorge Tabajara, explica a relevância do tema para os habitantes da aldeia Cajueiro, na região de Poranga, disputada pelo Piauí.
“Como indígena Tabajara, da aldeia Cajueiro; e atual Secretário-Executivo da Secretaria dos Povos Indígenas do Ceará, tenho buscado, em todos os lugares e instâncias, reafirmar a nossa ancestralidade; a nossa originalidade e o nosso pertencimento ao Estado do Ceará”, esclarece.
No entendimento do secretário, a eventual mudança para o Piauí impactaria, negativamente, o processo pelo reconhecimento do território indígena da Aldeia Cajueiro, que já tramita nos órgãos competentes, como a Funai.
“É importante, ainda, que se faça a oitiva do nosso povo! Iremos, inclusive, até as instâncias internacionais, se for preciso, para defender o nosso direito de permanecer no território que sempre, desde de muito tempo, soubemos ser do Estado do Ceará”, complementa Jorge Tabajara.
Conforme a Constituição Federal, os direitos dos indígenas sobre suas terras são definidos como “direitos originários”, isto é, anteriores à criação do próprio Estado e que levam em consideração o histórico de dominação do período colonial.
Indígenas no Ceará
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referentes ao Censo Demográfico de 2022 apontam que há, pelo menos, 56.732 (Cinquenta e seis mil setecentas e trinta e duas) pessoas indígenas habitando em solo cearense. Destas, 7.070 (sete mil e setenta) estão nos 13 municípios cearenses envolvidos no litígio.
O GT do Ceará identificou, também, que existem outras aldeias localizadas em regiões próximas à região disputada. Entre elas estão: Gameleira (São Benedito), Umburana (Poranga), Mambira (Crateús), Cacheado (Crateús) e Realejo (Crateús).
No âmbito do Censo Demográfico 2022, o IBGE esclarece que se definiu como indígena:
- A pessoa residente em localidades indígenas que se autodeclarou indígena pelo quesito de cor ou raça;
- Pessoa que se enquadrou no quesito se “considera indígena”
- Pessoa que não reside nessas localidades que se declarou indígena no quesito de cor ou raça.
São consideradas localidades indígenas as que compõem o conjunto das Terras Indígenas, dos agrupamentos indígenas e das demais áreas de conhecida ou potencial ocupação indígena.
Entenda a disputa entre Ceará e Piauí pela área de litígio
Ceará e Piauí travam uma disputa secular que passa por perícia do Exército e será resolvida no Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da ação cível originária (ACO) 1.831. Tentativas de conciliação fracassaram. Ao todo, são mais de 300 anos de impasse.
Em jogo estão partes de 13 municípios do Ceará. A população desses territórios que podem se tornar piauienses é estimada em 25 mil pessoas. O município mais atingido pode ser Poranga, que tem 66,3% da área atual questionada pelo Piauí. O risco é de perder dois terços do atual território poranguense.
Segundo pesquisa realizada pelo Estado do Ceará, há quatro distritos municipais e 136 localidades na área de distrito. De equipamentos públicos, são 48 escolas das redes municipais e estadual e 14 unidades de saúde estaduais e municipais. Existem ainda 589,3 km de estradas. E são 15 os locais de votação instalados pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-CE).
A área abrange ainda três unidades de conservação, duas estaduais e uma federal. Estão ali localizados 18 sítios arqueológicos. Existem quatro terras indígenas, cinco assentamentos rurais e quilombolas.
Confira as matérias da série de reportagens do O POVO sobre a área de litígio entre Ceará e Piauí
Por que a disputa existe e o que está em jogo: entenda por que o Piauí considera ter direito a parte do Ceará. Como a disputa começou, há cerca de 300 anos. As histórias que o povo de cada estado conta. Os argumentos apresentados. Os municúipios afetados. As mudanças que já ocorreram mostradas em mapas.
O que pensa a população da área em disputa: O POVO mostra como os moradores da área de litígio acompanham a disputa. O assunto está presente nas rodas de conversa e ninguém deixa de ter opinião. Muitos a favor de ficar do lado cearense, mas há também os que têm mais vínculo com o Piauí.
A casa dividida: a curiosa história da casa construída bem na divisa e que fica parte no Ceará, parte no Piauí. Uma espécie de ícone da disputa entre estados.
Pesquisa ouviu a opinião da população local: números divulgados pelo Grupo de Trabalho organizado pelo Governo do Ceará aponta que 87,5% dos entrevistados escolheriam pertencer ao Ceará; veja os números.
Impacto eleitoral do litígio Ceará-Piauí: área reivindicada pelos piauienses possui 15 locais de votação do Estado do Ceará.
O mapa mudou: como era o Ceará antes de trocar Crateús por parte do litoral do Piauí. Essa permuta territorial no fim do século XIX, por decreto do então imperador dom Pedro II, é o motivo da disputa com Piauí que deve ser decidida agora.
Patrimônios em disputa: área de litígio entre Ceará e Piauí inclui 3 unidades de conservação, 4 terras indígenas e 18 sítios arqueológicos.
Equipamentos públicos: Ceará tem 136 localidades, com 48 escolas e 14 unidades de saúde em área de litígio com Piauí.
Argumento no STF: Ceará apontará sentimento de "pertencimento" da população como um dos fatores na disputa jurídica contra o Piauí.
Moradores da área em disputa: comunidade quilombola está na área de litígio entre Ceará e Piauí
Piauienses em pleno Ceará: a história de uma colônia do Piauí que se instalou no território de um município cearense.
Município mais afetado: Poranga pode perder até 66% do território para o Piauí.
Território mais disputado ainda: municípios cearenses de Carnaubal e Guaraciaba do Norte e o Estado do Piauí.
Diário de bordo: dia a dia, os bastidores de como foi a viagem do O POVO pela área em disputa entre Ceará e Piauí.
Colaborou a repórter Júlia Duarte
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