De joelhos, presidente da Comissão da Anistia pede perdão a povos indígenas por crimes da ditadura
O pedido tinha sido negado pela composição anterior da comissão, com integrantes indicados pelo governo Bolsonaro (PL)
16:32 | Abr. 02, 2024
A Comissão Nacional de Anistia começou a julgar nesta terça-feira, 2, pedidos de reparação coletiva. Em ato inédito, o grupo aceitou o pedido da comunidade indígena Krenak, originários de Minas Gerais e alvos da perseguição política por parte da ditadura militar. Foi formalizado um pedido de desculpas em nome do Estado brasileiro aos indígenas da etnia. Na sequência, a Comunidade Indígena de Guyraroká também teve seu pedido aceito.
Ao final da análise do caso Krenak, a presidente da Comissão de Anistia, Eneá de Stutz, se ajoelhou e pediu desculpas aos indígenas em nome do Estado brasileiro. Como resultado, houve o encaminhamento para outros órgãos para que o território indígena seja demarcado.
"Peço permissão para me ajoelhar com a sua benção. Em nome do Estado brasileiro, eu quero pedir perdão por todo sofrimento que o seu povo passou. Estou pedindo perdão, não pelo que aconteceu na ditadura, mas estou pedindo perdão pela perseguição que, nos últimos 524 anos, o seu povo e os demais povos indígenas sofreram por conta da invasão", disse.
Os grupos nunca receberam indenização ou compensação. Apenas pedidos individuais eram analisados pela Comissão de Anistia. Fato que foi mencionado pelo representante do Ministério dos Povos Indígenas, Jecinaldo Sateré, da Assessoria de Participação Social e Diversidade.
"A omissão do Estado brasileiro em responder violações praticadas contra os indígenas, além de configurar uma dívida imensa aos nossos povos, leva boa parte da sociedade a desconhecer o fato que os povos originários também sofreram as consequências das práticas violentas do regime militar. Nossos povos indígenas também foram vítimas das violações desse período", ressaltou.
Os primeiros pedidos de indígenas de reparação de violações de direitos durante a ditadura militar foram julgados em 2014. Na época, 14 indígenas Suruí do Pará (Aikewara) receberam a condição de anistiado político e uma indenização de 120 salários mínimos (R$ 86,8 mil).
"A reparação naquela época não foi coletiva na forma como hoje está na pauta, mas em caráter individual e exigindo um esforço indescritível para comprovar as violações individualmente sofridas por cada membro da comunidade. As indenizações foram concedidas também de forma individual para cada indígena anistiado, desconsiderando o caráter coletivo do modo de vida dos originários", pontuou ainda o assessor.
Ele também explicitou as diversas violências sofridas pela etnia, ressaltando que as violações aconteceram a outros povos indígenas, alvos de forma intencional ou não pelos militares. "O povo Krenak sofreu tortura, prisões, teve indivíduos submetidos a maus tratos, trabalho forçado e deslocamento compulsório de seu território", apontou.
E seguiu: "Sofreram ataques decorrentes da criação da Guarda Rural Indígena. Foram submetidos a instalação do Reformatório Krenak, um presidio para indígenas, e sofreram deslocamento forçado de indígenas para a fazenda Guarani no município de Carmenésia, em Minas Gerais, que também funcionou como centro de detenção arbitrária após a extinção do Reformatório Krenak".
O pedido tinha sido negado pela composição anterior da comissão, com integrantes indicados pelo governo Bolsonaro (PL). O julgamento desta terça se refere aos recursos apresentados após a negativa do caso. "O segundo argumento (para negar) é espantoso, foi dito que, ainda que tivesse competência, a comissão não poderia conceder anistia porque não houve perseguição política, motivação política, a ponto de justificar as perseguições", criticou o advogado Marcelo Uchoa, um dos cearenses que ocupa a posição de conselheiro na comissão.
"O Reformatório Krenak e a Guarda Rural Indígena falam por si. Não precisa ser muito inteligente, basta ver as imagens e os depoimentos que foram ditos aqui", ressaltou. Ele avaliou que, como os pedidos foram rejeitados em datas próximas, mostraria uma "política" da gestão do ex-presidente.
O pedido de membros da Missão Diplomática Chinesa, presos e torturados nos primeiros dias do golpe de 64, também será julgado ainda nesta terça.