Morte de Castello Branco: como foi acidente que matou ex-presidente cearense e ainda causa suspeita
Primeiro presidente da ditadura militar, Castello Branco morreu em um acidente aéreo controverso, em julho de 1967, quando voltava de Quixadá para FortalezaAcidentes aéreos já tiveram influência decisiva na política brasileira, com mortes de personagens de destaque. Dentre os casos recentes e emblemáticos envolvendo políticos e representantes de instituições há as mortes do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Teori Zavascki (2017), do então candidato a presidente Eduardo Campos (2014), do deputado Ulysses Guimarães (1992). No entanto, o mais emblemático talvez seja o caso do único ex-presidente brasileiro vitimado nessa situação: Humberto de Alencar Castello Branco, em 18 de julho de 1967.
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Primeiro militar a ocupar a presidência do Brasil após o golpe de 1964, Castello Branco era cearense, natural de Fortaleza. O acidente que o vitimou, no céu da mesma cidade em que nasceu, ainda dá pano para discussão e teorias (conspiratórias), pelas circunstâncias em que ocorreu. 57 anos depois muitas perguntas ainda estão sem respostas.
A última viagem
Castello estava no céu, retornando de Quixadá para a Capital, em um avião bimotor Piper Aztec junto de outras cinco pessoas: o irmão, Cândido Castello Branco, a escritora Alba Frota, o major Manuel de Assis Nepomuceno; o piloto Celso Tinoco e o copiloto Emílio Celso Tinoco, filho do comandante da aeronave e único sobrevivente do acidente. Era a primeira vez que o ex-presidente estava no Ceará após deixar o cargo.
Castello Branco visitava a fazenda Não Me Deixes para encontrar parentes e amigos. Dentre estes, a escritora Rachel de Queiroz. Na ida, uma aeronave foi oferecida pelo governo do Estado, mas o militar recusou, preferindo ir de carro para evitar burburinhos sobre a relação com a gestão estadual.
Já na volta da propriedade — cujo nome é um apelo contra a despedida — Castello retornou em avião de propriedade do Governo do Ceará. Quando a aeronave levantou voo, saindo de Quixadá, os relatos dão conta de que o trajeto percorrido era contemplado com um "céu de brigadeiro" (visibilidade em ótimas condições). Já próximo do retorno à base aérea de Fortaleza, um choque no céu mudou os rumos da história.
O acidente: dois aviões se tocam
A aeronave que levava Castello foi tocada, na cauda, por um avião da Força Aérea Brasileira (FAB), um TF-33A de treinamento que estava em formação com outros três aviões.
A aeronave da FAB sofreu danos leves e conseguiu pousar em segurança. Já o avião do ex-presidente caiu, em parafuso, espatifando-se contra o solo e vitimando cinco das seis pessoas a bordo.
Perguntas e suspeitas
Iniciava-se então a discussão sobre o que teria ocorrido e porque o acidente não foi evitado. Alguns acreditam em fatalidade, outros alegam uma conspiração.
A desconfiança é alimentada pelo fato de Castello pertencer a uma linha política entre os militares, enquanto outra vertente havia o substituído e chegado ao poder quatro meses antes. Era a linha dura, da qual era parte o sucessor imediato de Castello: o general Artur da Costa e Silva.
A forma como o caso foi conduzido com pouca transparência, — o que se pode dizer que era esperado numa ditadura —, alimentou essas e outras suposições que fazem, ainda hoje, a morte de Castello Branco ser uma das mais controversas entre políticos.
A teoria de conspiração, no entanto, é questionada por variáveis que estariam fora do controle de qualquer suposto plano e já foi negada publicamente por pessoas próximas a Castello, como a própria Rachel de Queiroz, que em entrevista ao programa Roda Viva, em 1991, explicava a relação com o conterrâneo cearense e descartava a teoria de atentado.
O jornalista, escritor e biógrafo cearense Lira Neto dedica em seu livro Castello, a marcha para a ditadura um pequeno trecho em que descreve o episódio que vitimou o conterrâneo. O autor conta que Castello fora de Fortaleza a Quixadá por terra, mesmo com a oferta do então governador cearense, Plácido Castelo, de uma aeronave para levá-lo ao município do interior, e que o ex-presidente voltaria à Capital pelo ar, em 18 de julho de 1967.
O livro narra que o piloto que buscaria Castello no Interior, disse que chovia na Capital no momento da ida a Quixadá, o que atrasou a chegada do avião à terra dos monólitos. Também relata que Castello e a comitiva chegaram atrasados para o embarque na pista improvisada, devido a um problema no veículo que os levava até o local. "Deu prego", narra Lira Neto nas palavras do motorista que conduziu Castello.
O livro também destaca que, "por omissão absoluta da torre de controle", a esquadrilha de quatro jatos da FAB entrara em rota de colisão com o Piper de Castello Branco. Lira Neto ressalta as últimas palavras do ex-presidente, segundo o relato do copiloto e único sobrevivente do acidente aéreo: "Faça qualquer coisa para nos salvar", teria dito Castello à tripulação enquanto o avião caia num mergulho fatal.
No fim, o inquérito oficial apenas concluiu que a culpa do acidente recaia sobre o controle de tráfego aéreo de Fortaleza, que não advertiu os jatos sobre o perigo de aproximação. A aeronave da FAB era pilotada pelo tenente Alfredo Malan D’angrogne, filho do general Alfredo Souto Malan, amigo de Castello, que passou por intenso interrogatório após o ocorrido e negou qualquer tipo de intencionalidade no choque.
Mas, para os adeptos das teorias conspiratórias, a conclusão não foi suficiente. Começou-se a questionar por qual motivo a torre de controle não monitorou os voos das aeronaves, ou como a esquadrilha da FAB não visualizou o pequeno avião a tempo, se eles voavam em alturas similares.
Outro ponto questionado foi a perícia pós-acidente. Houve falta de transparência na averiguação de peças como o estabilizador vertical e o leme do Piper, que nunca foram reunidos aos demais destroços.
“Uma análise minuciosa da fuselagem e das peças poderia sanar dúvidas, indicando o ângulo em que os aviões se chocaram, se estavam em linha horizontal ou se alguma das aeronaves voava em ângulo ascendente ou descendente (...) o que poderia aumentar a dificuldade de visualização", diz Lira Neto no livro.
Entrevista com Rachel de Queiroz
Em 1991, Rachel de Queiroz foi entrevistada pelo programa Roda Viva, da TV Cultura, e comentou a morte do amigo e outros casos envolvendo o período da ditadura. Sobre o acidente de Castello, a escritora cearense aproveitou a oportunidade para “desmentir” quaisquer teorias de conspiração que foram alimentadas ao longo dos anos.
“Ele (Castello) vinha da nossa fazenda. Eu até estimo a oportunidade que vocês me dão de desmentir essa história (de suposta conspiração). Castello vinha de Quixadá, num aviãozinho bimotor do governo do Estado. Viajava ele, o Candinho (irmão), minha amiga Alba Frota, um major do Exército que servia de segurança, o comandante do avião e o filho que era copiloto. O copiloto foi o único que sobreviveu, e pelo depoimento sabemos que eles vinham para Fortaleza e passaram pelas linhas de eletricidade (alta tensão) que vinham do São Francisco; e Castello pediu ao comandante para ver aquelas linhas”, conta.
A escritora segue o relato destacando que o piloto teria ficado indeciso em atender o pedido num primeiro momento, já que a manobra alteraria a rota da aeronave. “O comandante ficou indeciso, mas cedeu. No instante que eles atravessaram a linha, veio uma formação de jatos e um deles pegou. Fora que um atentado seria impossível, tinha que adivinhar que o Castello ia pedir, que o comandante não queria e que depois cedeu. Basta dizer que o oficial que vinha com o avião que matou Castello era filho de um grande amigo dele, o então tenente Malan, que nunca aceitou direito ter sido instrumento do destino nesse desastre”.
A escritora comentou brevemente a relação com Castello. “Ele era meu parente e éramos amigos de muitos anos. A amizade dele maior era com meu marido (Oyama de Macedo)”.
Documentário
Humberto de Alencar Castello Branco foi o primeiro militar a comandar o Brasil após o golpe de 1964. O POVO lançou o filme: "Castello, o ditador". A obra conta como o cearense, tido como moderado, foi responsável por instalar a Ditadura Militar no país e possibilitar a continuidade do regime por mais de duas décadas.
No ano em que o golpe militar completa 60 anos, o filme trás de volta a memória da ditadura e mostra como Castello Branco influenciou o destino do país e a vida de cearenses que resistiram ao regime. Assista aqui
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