Morte de Castello Branco: como foi acidente que matou ex-presidente cearense e ainda causa suspeita

Primeiro presidente da ditadura militar, Castello Branco morreu em um acidente aéreo controverso, em julho de 1967, quando voltava de Quixadá para Fortaleza

11:00 | Mar. 27, 2024

Por: Vítor Magalhães
Destroços do avião que levava o ex-presidente Castello Branco (foto: Acervo O POVO)

Acidentes aéreos já tiveram influência decisiva na política brasileira, com mortes de personagens de destaque. Dentre os casos recentes e emblemáticos envolvendo políticos e representantes de instituições há as mortes do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Teori Zavascki (2017), do então candidato a presidente Eduardo Campos (2014), do deputado Ulysses Guimarães (1992). No entanto, o mais emblemático talvez seja o caso do único ex-presidente brasileiro vitimado nessa situação: Humberto de Alencar Castello Branco, em 18 de julho de 1967.

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Primeiro militar a ocupar a presidência do Brasil após o golpe de 1964, Castello Branco era cearense, natural de Fortaleza. O acidente que o vitimou, no céu da mesma cidade em que nasceu, ainda dá pano para discussão e teorias (conspiratórias), pelas circunstâncias em que ocorreu. 57 anos depois muitas perguntas ainda estão sem respostas.

A última viagem

Castello estava no céu, retornando de Quixadá para a Capital, em um avião bimotor Piper Aztec junto de outras cinco pessoas: o irmão, Cândido Castello Branco, a escritora Alba Frota, o major Manuel de Assis Nepomuceno; o piloto Celso Tinoco e o copiloto Emílio Celso Tinoco, filho do comandante da aeronave e único sobrevivente do acidente. Era a primeira vez que o ex-presidente estava no Ceará após deixar o cargo.

Castello Branco visitava a fazenda Não Me Deixes para encontrar parentes e amigos. Dentre estes, a escritora Rachel de Queiroz. Na ida, uma aeronave foi oferecida pelo governo do Estado, mas o militar recusou, preferindo ir de carro para evitar burburinhos sobre a relação com a gestão estadual.

Já na volta da propriedade — cujo nome é um apelo contra a despedida — Castello retornou em avião de propriedade do Governo do Ceará. Quando a aeronave levantou voo, saindo de Quixadá, os relatos dão conta de que o trajeto percorrido era contemplado com um "céu de brigadeiro" (visibilidade em ótimas condições). Já próximo do retorno à base aérea de Fortaleza, um choque no céu mudou os rumos da história.

O acidente: dois aviões se tocam

A aeronave que levava Castello foi tocada, na cauda, por um avião da Força Aérea Brasileira (FAB), um TF-33A de treinamento que estava em formação com outros três aviões.

A aeronave da FAB sofreu danos leves e conseguiu pousar em segurança. Já o avião do ex-presidente caiu, em parafuso, espatifando-se contra o solo e vitimando cinco das seis pessoas a bordo.

Perguntas e suspeitas

Iniciava-se então a discussão sobre o que teria ocorrido e porque o acidente não foi evitado. Alguns acreditam em fatalidade, outros alegam uma conspiração.

A desconfiança é alimentada pelo fato de Castello pertencer a uma linha política entre os militares, enquanto outra vertente havia o substituído e chegado ao poder quatro meses antes. Era a linha dura, da qual era parte o sucessor imediato de Castello: o general Artur da Costa e Silva.

A forma como o caso foi conduzido com pouca transparência, — o que se pode dizer que era esperado numa ditadura —, alimentou essas e outras suposições que fazem, ainda hoje, a morte de Castello Branco ser uma das mais controversas entre políticos.

A teoria de conspiração, no entanto, é questionada por variáveis que estariam fora do controle de qualquer suposto plano e já foi negada publicamente por pessoas próximas a Castello, como a própria Rachel de Queiroz, que em entrevista ao programa Roda Viva, em 1991, explicava a relação com o conterrâneo cearense e descartava a teoria de atentado.

O jornalista, escritor e biógrafo cearense Lira Neto dedica em seu livro Castello, a marcha para a ditadura um pequeno trecho em que descreve o episódio que vitimou o conterrâneo. O autor conta que Castello fora de Fortaleza a Quixadá por terra, mesmo com a oferta do então governador cearense, Plácido Castelo, de uma aeronave para levá-lo ao município do interior, e que o ex-presidente voltaria à Capital pelo ar, em 18 de julho de 1967.

O livro narra que o piloto que buscaria Castello no Interior, disse que chovia na Capital no momento da ida a Quixadá, o que atrasou a chegada do avião à terra dos monólitos. Também relata que Castello e a comitiva chegaram atrasados para o embarque na pista improvisada, devido a um problema no veículo que os levava até o local. "Deu prego", narra Lira Neto nas palavras do motorista que conduziu Castello.

O livro também destaca que, "por omissão absoluta da torre de controle", a esquadrilha de quatro jatos da FAB entrara em rota de colisão com o Piper de Castello Branco. Lira Neto ressalta as últimas palavras do ex-presidente, segundo o relato do copiloto e único sobrevivente do acidente aéreo: "Faça qualquer coisa para nos salvar", teria dito Castello à tripulação enquanto o avião caia num mergulho fatal.

No fim, o inquérito oficial apenas concluiu que a culpa do acidente recaia sobre o controle de tráfego aéreo de Fortaleza, que não advertiu os jatos sobre o perigo de aproximação. A aeronave da FAB era pilotada pelo tenente Alfredo Malan D’angrogne, filho do general Alfredo Souto Malan, amigo de Castello, que passou por intenso interrogatório após o ocorrido e negou qualquer tipo de intencionalidade no choque.

Mas, para os adeptos das teorias conspiratórias, a conclusão não foi suficiente. Começou-se a questionar por qual motivo a torre de controle não monitorou os voos das aeronaves, ou como a esquadrilha da FAB não visualizou o pequeno avião a tempo, se eles voavam em alturas similares.

Outro ponto questionado foi a perícia pós-acidente. Houve falta de transparência na averiguação de peças como o estabilizador vertical e o leme do Piper, que nunca foram reunidos aos demais destroços.

“Uma análise minuciosa da fuselagem e das peças poderia sanar dúvidas, indicando o ângulo em que os aviões se chocaram, se estavam em linha horizontal ou se alguma das aeronaves voava em ângulo ascendente ou descendente (...) o que poderia aumentar a dificuldade de visualização", diz Lira Neto no livro.

Entrevista com Rachel de Queiroz

Em 1991, Rachel de Queiroz foi entrevistada pelo programa Roda Viva, da TV Cultura, e comentou a morte do amigo e outros casos envolvendo o período da ditadura. Sobre o acidente de Castello, a escritora cearense aproveitou a oportunidade para “desmentir” quaisquer teorias de conspiração que foram alimentadas ao longo dos anos.

“Ele (Castello) vinha da nossa fazenda. Eu até estimo a oportunidade que vocês me dão de desmentir essa história (de suposta conspiração). Castello vinha de Quixadá, num aviãozinho bimotor do governo do Estado. Viajava ele, o Candinho (irmão), minha amiga Alba Frota, um major do Exército que servia de segurança, o comandante do avião e o filho que era copiloto. O copiloto foi o único que sobreviveu, e pelo depoimento sabemos que eles vinham para Fortaleza e passaram pelas linhas de eletricidade (alta tensão) que vinham do São Francisco; e Castello pediu ao comandante para ver aquelas linhas”, conta.

A escritora segue o relato destacando que o piloto teria ficado indeciso em atender o pedido num primeiro momento, já que a manobra alteraria a rota da aeronave. “O comandante ficou indeciso, mas cedeu. No instante que eles atravessaram a linha, veio uma formação de jatos e um deles pegou. Fora que um atentado seria impossível, tinha que adivinhar que o Castello ia pedir, que o comandante não queria e que depois cedeu. Basta dizer que o oficial que vinha com o avião que matou Castello era filho de um grande amigo dele, o então tenente Malan, que nunca aceitou direito ter sido instrumento do destino nesse desastre”.

A escritora comentou brevemente a relação com Castello. “Ele era meu parente e éramos amigos de muitos anos. A amizade dele maior era com meu marido (Oyama de Macedo)”.

 

Documentário

Humberto de Alencar Castello Branco foi o primeiro militar a comandar o Brasil após o golpe de 1964. O POVO lançou o filme: "Castello, o ditador". A obra conta como o cearense, tido como moderado, foi responsável por instalar a Ditadura Militar no país e possibilitar a continuidade do regime por mais de duas décadas.

No ano em que o golpe militar completa 60 anos, o filme trás de volta a memória da ditadura e mostra como Castello Branco influenciou o destino do país e a vida de cearenses que resistiram ao regime. Assista aqui