Os últimos cearenses desaparecidos da ditadura militar

Três cearenses que participaram da guerrilha do Araguaia nunca foram encontrados

12:00 | Mar. 20, 2024

Por: Vítor Magalhães
Colagem com fotos de arquivo pessoal pertencentes a familiares de cearenses desaparecidos no Araguaia (foto: Acervo pessoal )

O golpe militar de 1964 completa 60 anos em 31 de março deste ano. Marco na história recente do Brasil, deixou cicatrizes profundas na sociedade e, sobretudo, em famílias que ainda lutam para reaver a dignidade de quem resistiu ao autoritarismo à época.

A região do Araguaia, território que abrigou uma guerrilha, é um dos marcos simbólicos dessa luta. Deste capítulo da história, três cearenses que atuaram na guerrilha do Araguaia continuam “desaparecidos políticos” há décadas. Jana Moroni Barroso, Antônio Teodoro de Castro e Custódio Saraiva Neto nunca foram encontrados. As famílias lutam, há anos, por justiça e na busca pelos restos mortais dos jovens que tinham histórico de engajamento político e ligação com o Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

Relatórios apontam que os três foram assassinados por agentes da ditadura ainda em 1974, após operação militar que visava encontrar “subversivos” no Araguaia. O contexto dos casos de Jana, Teodoro e Custódio são descritos no Relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV) Volume III - Mortos e desaparecidos.

Codinomes

Como mecanismo de proteção, guerrilheiros aderiram a codinomes. Jana passou a ser conhecida como “Cristina”; Teodoro tornou-se o “Raul” e Custódio passou a atender por “Lauro”. Nenhum deles teve os restos mortais encontrados ao longo das décadas que sucederam o que ocorreu no Araguaia.

Um outro cearense, Bergson Gurjão (codinome Jorge) foi o quarto cearense que atuou na região e o único a ter os restos mortais localizados, em 1996.

Relato das famílias

Em 2023, O POVO conversou com familiares de parte dos cearenses que atuaram na guerrilha do Araguaia e os ouviu sobre a trajetória dessas pessoas, suas motivações. Um dos irmãos de Jana, Breno Moroni, disse em entrevista ao O POVO, em março de 2023, que a irmã ajudou como pôde ao ir viver no local, ainda na década de 1970. “Jana era estudante de Biologia, mas lá chegando virou médica. Todos se ajudavam e tinham uma relação próxima com a população. E por isso parte da população sofreu com a ditadura”.

Sobre as circunstâncias do desaparecimento, o familiar relatou que há mais de uma versão. Uma delas, de que Jana teria se entregado ferida e sido metralhada. Outra dizia que ela foi presa e levada em um helicóptero. Breno ressaltou que o sentimento é de “orgulho” pela trajetória e influência da irmã. “A glória da vida dela abafa toda essa tragédia. Esse sentimento de conscientização, de aprendizado e conhecimento”.

No caso de Teodoro, a família só soube que ele estava no local anos após a chegada. A irmã, Mercês Castro, busca há décadas os restos mortais do irmão e chegou a visitar a região inúmeras vezes para reconstituir os passos do familiar. “Se você me perguntar quantas vezes eu fui, não sei te dizer, acho que nenhum de nós sabe”, disse Mercês em entrevista ao O POVO em março do ano passado.

O Relatório Arroyo, um dos mais completos sobre a situação ocorrida na guerrilha do Araguaia, cita o caso do terceiro cearense desaparecido: Custódio (Lauro) e diz que ele era uma das pessoas que estava em um acampamento no momento de um tiroteio, em dezembro de 1973. Relatório das Forças Armadas, de 1993, aponta que Custódio teria morrido em fevereiro de 1974, em Xambioá (TO), local que serviu de base militar.

No entanto, não há informações que comprovem as circunstâncias do desaparecimento. Na mesma época em que conversou com familiares dos cearenses do Araguaia, O POVO tentou contatar familiares de Custódio Saraiva Neto, mas não houve retorno.

Os cearenses foram reconhecidos como desaparecidos políticos por anexo da Lei nº 9.140/95 e pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), em 1996. Os nomes dos três aparecem no Dossiê “Ditadura: mortos e desaparecidos políticos no Brasil (1964-1985)” organizado pela CEMDP.

Lançamento

Castello, o Ditador é a nova produção audiovisual do O POVO+. Filme original da plataforma de streaming do Grupo de Comunicação O POVO, o documentário lança luz ao ano de 1964, período marcado pela implantação da ditadura cívico-militar no Brasil.