Litígio: em novo estudo, Ceará diz que foi o Piauí que avançou sobre a Serra da Ibiapaba

A PGE defenderá, com a divulgação do estudo, atestar que é o Piauí que teria ocupado áreas do Ceará, avançando sobre o sopé ocidental da Serra da Ibiapaba em alguns pontos

20:01 | Mar. 18, 2024

Por: Júlia Duarte
A Serra da Ibiapaba tem seu sua divisão questionada no litígio movido pelo Piauí contra o Ceará no STF (foto: AURÉLIO ALVES)

Grupo de Trabalho do Litígio do Ceará divulgou informações nesta segunda-feira, 18, sobre novo estudo que identifica o local exato do sopé da Serra da Ibiapaba, alvo de questionamento na ação movida pelo Estado do Piauí no Supremo Tribunal Federal (STF). 

A Procuradoria Geral do Estado (PGE-CE) cita o novo estudo e avalia que, com base na análise técnica, apoiada em dados geográficos e topográficos, a divisa atualmente praticada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre os estados do Ceará e do Piauí deveria ser alterada para o lado oeste.

O argumento é de que o Piauí que teria ocupado áreas do Ceará, avançando sobre o sopé ocidental da Serra da Ibiapaba em alguns pontos. Para o Ceará, todo o território do lado ocidental considerando o sopé da serra pertence ao Estado, enquanto os vizinhos questionam no processo que a divisão das terras deve acontecer do pico da serra, o chamado divisor de águas. 

A mudança na interpretação pode acarretar em mudanças no território de 13 municípios do Ceará. A população desses territórios que podem se tornar piauienses é estimada em 25 mil pessoas. O município mais atingido pode ser Poranga, que tem 66,3% da área atual questionada pelo Piauí.

Conforme o Grupo de Trabalho do Ceará, o sopé seria o divisor natural que demarca o início das terras cearenses, segundo mapas e documentos históricos. O trabalho científico é um mapeamento geológico-morfológico que "propõe explorar a relevância dessa ferramenta para a resolução da controvérsia entre os estados vizinhos".

 

O trabalho é baseado em técnicas cartográficas modernas e produtos de sensoriamento remoto que deve integrar a defesa do Ceará no processo de litígio que tramita. A Serra da Ibiapaba, geomorfologicamente, está presente nos 13 municípios que tem suas áreas questionadas pelo Piauí.

A definição exata de onde tem início a Serra da Ibiapaba é considerada fundamental no processo do litígio, conforme a PGE. "É o sopé desta serra que consta em diversos documentos históricos, ainda do século XVIII, como a divisa natural entre as terras que se tornariam posteriormente os estados do Ceará e do Piauí. Tais documentos já foram apresentados pela defesa cearense", ressaltou em nota. 

A procuradoria cita ainda que a Carta Régia de 1721 estabelece que a Serra da Ibiapaba seria destinada aos indígenas Tabajara. O documento comprovaria a posse e a ocupação da serra pelo Ceará. Os autores do estudo analisam que a referida carta régia não apenas delineia a posse cearense sobre toda a Serra da Ibiapaba, como também "atesta a identidade territorial e cultural dos habitantes com o território, enraizada em séculos de história e tradição".

Entendimento do Ceará

Para o Governo do Ceará, com base na análise de mapas e decretos históricos, o decreto imperial tratou apenas dos territórios trocados, sem envolver toda a divisa entre Ceará e Piauí. Permaneceu assim a Serra da Ibiapaba inteiramente no Ceará, com a divisa no sopé ocidental da serra, a parte de baixo, do lado oeste, como era desde o século XVIII, quando havia os antigos Estado do Brasil e Estado do Maranhão e Grão-Pará. São mostrados diversos mapas feitos ao longo de séculos que mostram que a serra sempre foi parte do Ceará.

Para a procuradoria cearense, o divisor de águas (vertentes orientais e ocidentais) jamais deveriam ser utilizados na região da Serra da Ibiapaba, “território esse que sempre pertenceu ao estado do Ceará”. Os divisores de águas (ou interflúvios) são linhas divisórias localizadas nas áreas mais elevadas do relevo, no encontro de planos que marcam a mudança de sentido no escoamento das águas da rede hidrográfica.

Entendimento do Piauí

A argumentação do Piauí, no entanto, versa sobre o entendimento de que a divisão deve acontecer no pico mais alto da serra, o que eles consideram ser o divisor de águas. “Como se trata de uma serra, um marco divisor sempre é um pico das serras que se fixam os limite, então o ponto mais alto da serra aquele para o qual que divide. O Ceará argumenta que seria o marco o sopé, a parte de baixo da serra, que a serra estaria na sua integridade do Ceará, mas essa tese foge até da própria redação do decreto”, explica o procurador-chefe da Procuradoria do Patrimônio Imobiliário da PGE-PI, Livio Carvalho Bonfim.

Entenda o litígio entre Ceará e Piauí

Ceará e Piauí travam uma disputa secular que passa por perícia do Exército e será resolvida no Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da ação cível originária (ACO) 1.831. Tentativas de conciliação fracassaram.

Em jogo estão partes de 13 municípios do Ceará. A população desses territórios que podem se tornar piauienses é estimada em 25 mil pessoas. O município mais atingido pode ser Poranga, que tem 66,3% da área atual questionada pelo Piauí. O risco é de perder dois terços do atual território poranguense.

O que há na área de litígio entre Ceará e Piauí

Segundo pesquisa realizada pelo Estado do Ceará, há quatro distritos municipais e 136 localidades na área de distrito. De equipamentos públicos, são 48 escolas das redes municipais e estadual e 14 unidades de saúde estaduais e municipais. Existem ainda 589,3 km de estradas. E são 15 os locais de votação instalados pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-CE).

A área abrange ainda três unidades de conservação, duas estaduais e uma federal. Estão ali localizados 18 sítios arqueológicos. Existem quatro terras indígenas, cinco assentamentos rurais e quilombolas

A Serra da Ibiapaba é considerada a joia do agronegócio num estado marcado pelo semiárido. A perda do território em litígio pode custar até 30% do PIB agrícola do Estado

A perícia militar tem previsão de ser concluída até maio. Grupos técnicos e jurídicos dos dois estados preparam argumentos para apresentar perante os magistrados.

Série de reportagens

O repórter Henrique Araújo e o repórter fotográfico Aurélio Alves percorreram 700 km ao longo da área de litígio, a maior parte em estradas de terra.

Foram visitados nove municípios do Ceará entre os que têm maior território alvo da litigância: Poranga, Ipueiras, Croatá, Guaraciaba, Carnaubal, São Benedito, Ibiapina, Ubajara e Tianguá. A equipe visitou ainda Domingos Mourão, no Piauí.

A repórter Júlia Duarte ficou responsável pela pesquisa histórica, por reunir os argumentos de cada lado, ouvir representantes da Procuradoria Geral de cada um dos estados.

O material colhido está reunido em uma série de 14 reportagens. Estão contadas desde as origens históricas da polêmica, o estágio atual da disputa, os argumentos perante o Supremo e a realidade local da população na área de litígio: o que lá existe, o que pensam as pessoas e como as vidas podem ser impactadas.

As reportagens possuem rico material de fotos, mapas, infográficos e, principalmente, pessoas, rostos e depoimentos que mostram os efeitos imediatos de uma peleja que atravessa os séculos.

Confira as matérias da série sobre a área de litígio entre Ceará e Piauí

  • Por que a disputa existe e o que está em jogo: entenda por que o Piauí considera ter direito a parte do Ceará. Como a disputa começou, há cerca de 300 anos. As histórias que o povo90 de cada estado conta. Os argumentos apresentados. Os municúipios afetados. As mudanças que já ocorreram mostradas em mapas. As consequências de uma possível mudança
  • O que pensa a população da área em disputa: O POVO mostra como os moradores da área de litígio acompanham a disputa. O assunto está presente nas rodas de conversa e ninguém deixa de ter opinião. Muitos a favor de ficar do lado cearense, mas há também os que têm mais vínculo com o Piauí
  • A casa dividida: a curiosa história da casa construída bem na divisa e que fica parte no Ceará, parte no Piauí. Uma espécie de ícone da disputa entre estados
  • O mapa mudou: como era o Ceará antes de trocar Crateús por parte do litoral do Piauí. Essa permuta territorial no fim do século XIX, por decreto do então imperador dom Pedro II, é o motivo da disputa com Piauí que deve ser decidida agora
  • Patrimônios em disputa: área de litígio entre Ceará e Piauí inclui 3 unidades de conservação, 4 terras indígenas e 18 sítios arqueológicos
  • Equipamentos públicos: Ceará tem 136 localidades, com 48 escolas e 14 unidades de saúde em área de litígio com Piauí
  • Argumento no STF: Ceará apontará sentimento de "pertencimento" da população como um dos fatores na disputa jurídica contra o Piauí
  • Diário de bordo: dia a dia, os bastidores de como foi a viagem do O POVO pela área em disputa entre Ceará e Piauí