Entenda o que é o comunismo, ideologia que voltou a causar polêmica após fala de Lula

Menção de Lula à aprovação de "ministro comunista" para o Supremo agitou debate sobre movimento político e econômico nas redes

O debate sobre o comunismo ganhou efervescência nas redes sociais após a fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), segundo a qual ele estaria feliz com a presença de um ministro comunista no Supremo Tribunal Federal (STF). Ele se referia a Flávio Dino, que por 15 anos militou no Partido Comunista do Brasil (PCdoB) para depois seguir para o Partido Socialista Brasileiro (PSB).

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Como futuro integrante do Supremo, a partir de fevereiro, Dino retornará à magistratura e não poderá ter filiação partidária. Em síntese, o comunismo é um um movimento político, filosófico, social e econômico que se propõe à superação do capitalismo por meio da construção de sociedades baseadas no senso de igualdade e na própria abolição do conceito de classes sociais e de propriedade privada.

Não consta que Flávio Dino tivesse levado a cabo pretensões deste gênero quando governador do Maranhão ou ministro da Justiça. Muitos associam o comunismo somente às ideias dos alemães Karl Marx e Friedrich Engels, contudo, os pilares do conceito vão além disso. A discussão sobre essa ideia de mundo se baseia em pensamentos antigos, até mesmo dos escritos de Platão. Passou então por debates pavimentados por utópicos como Thomas More e Charles Fourier para, então, chegar ao seu modelo moderno, como concebido pela dupla de alemães.

A grande questão acerca da ideologia comunista é a insatisfação acerca das condições atuais do mundo, principalmente focando a desigualdade. É uma ideologia e um modo de produção que busca trazer maior igualdade e justiça, de modo que trabalhadores tenham também uma vida digna.

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Com o surgimento da burguesia como classe e as chamadas revoluções burguesas, cresceu-se esse clima de tensão com as classes que não pertenciam a esse nicho. A revolução industrial trouxe interesses bem claros e conflitantes: a dos donos dos meios de produção e dos trabalhadores.

Em suma, o pensamento comunista é uma ideologia que busca analisar a história com foco na desigualdade entre as pessoas e tenta lidar com isso. Uma das suas principais bandeiras é a abolição da propriedade privada e dos meios privados de produção. Com a revolução industrial, se percebeu que a produção aumentava bastante em escala, o que favorecia os detentores dos meios de produção.

Contudo, os trabalhadores ainda desfrutavam de condições desumanas de trabalho. Os especialistas e estudiosos comunistas percebiam que os trabalhadores viviam à margem, até mesmo das chamadas conquistas sociais. Então, preconizavam um modelo de sociedade mais justo, que partisse da ação dos próprios trabalhadores.

Principais características da ideologia comunista

Uma das características do pensamento comunista como ideologia é a noção de luta de classes. Essa ideia é muito distorcida no debate atual, principalmente no Brasil. Quando se fala de luta de classes, se pensa logo em revolução ou em luta armada. Há de considerar e esclarecer que a revolução é também outra das características do comunismo, contudo não é uma característica comum a todos os tipos de teoria comunista.

Até porque, como veremos com mais detalhes adiante, existiu um socialismo que pregava por ações mais graduais, menos abruptas e revolucionárias. Isso existia antes de Marx e Engels e voltou à tona depois também.Então, a luta de classes, dentro do espectro do socialismo, consiste em uma contradição de interesses entre classes conflitantes, algo que sustenta o capitalismo, modelo econômico predominante.

Como o comunismo surgiu?

O pensamento comunista sempre existiu, em formas diferentes. Alguns teóricos até defendem que o cristianismo primitivo era uma sociedade relativamente comunista, porque se baseava no combate à usura e na divisão de bens.

Por muito tempo se imaginou uma comunidade em que se distribuía tudo igualitariamente, sem os problemas da civilização moderna. Contudo, o comunismo ganhou forma como ideologia e inclusive alcançou as vias de fato depois do surgimento da modernidade.

Com a revolução francesa, o iluminismo e a revolução industrial, as discussões sobre desigualdade, fome, problemas do imperialismo e colonialismo se acirraram, dando voz a esses ideais.

Quem é o fundador do comunismo?

Essa é uma pergunta que não tem resposta fácil. Como falamos, Thomas More idealizou uma forma de sociedade comunista utópica; assim como Charles Fourier e outros franceses são conhecidos por pensarem suas formas.Quando se fala em ideário comunista hoje, no entanto, é comum pensar na versão de Marx e Engels, que foi chamada de socialismo científico. Então, nesse caso, o próprio Friedrich Engels pode ser considerado fundador dessa versão moderna e revolucionária que influenciou revoluções e ações ao longo do século XX.

Símbolos do comunismo

Alguns símbolos que se mostraram relevantes ao longo dos anos são: a cor vermelha, em bandeiras e em peças; e o machado e a foice, símbolo de países comunistas ao longo dos séculos e símbolo maior da União Soviética.O que significa ser comunista? Ser comunista é basicamente lutar por um mundo mais justo para pessoas de classes inferiores. É lutar contra desigualdades, contra fome, contra opressão contra pessoas. É buscar um modelo de mundo ideal, que pode ser alcançado a partir da mobilização social. É também pensar em melhores formas de manter esse mundo futuro, aproveitando o que se tem no mundo hoje (como as tecnologias usadas nos meios de produção).

Claro que essa concepção evoluiu bastante desde o século 19, quando Engels e Marx pensaram o conceito. Hoje, é ter ressalvas com relação ao estado burguês, a noção de democracia que, segundo os teóricos comunistas, é falha em muitos aspectos e buscar reformas sociais contundentes que tragam resultado real na luta contra o poder estabelecido. É, sobretudo, ser contra o conservadorismo, das reformas graduais e lentas. É buscar mudanças profundas, radicais, que tragam resultados reais.

Qual a diferença entre socialismo e comunismo?

A real diferença é que o socialismo tende a ser uma versão mais branda do comunismo. O socialismo é considerado por muitos teóricos como uma transição para um estado comunista. Nessa transição, o governo ainda é relevante e é usado como meio para atenuar desigualdades, reduzir a propriedade privada dos meios de produção e favorecer os interesses da classe trabalhadora. Ao passo que a ideologia comunista preconiza o fim do estado, concessão do poder aos trabalhadores e o fim da propriedade privada.

Qual é a diferença entre capitalismo e comunismo?

O comunismo é, basicamente, uma grande forma de se opor ao capitalismo. Se o capitalismo é fincado em propriedade privada dos meios de produção, produção assalariada, mercados livres e democracia liberal, a ideologia comunista busca mudar vários desses valores.O ideário comunista difere, pois pensa que a propriedade de produção deve ser coletivizada, em busca do bem comum. Também que pensa que modelos de democracia que predominam na sociedade capitalista são ineficazes e não representam, de fato, o que buscam prometer: o poder dado ao povo.

Outra diferença crucial é com relação ao combate a desigualdades. O capitalismo é um sistema que convive com desigualdades e até mesmo se alimenta delas. Há defensores do capitalismo que entendem que a desigualdade é importante em um contexto de concorrência, etc. O capitalismo busca nutrir a livre concorrência em um mercado que domina as diversas esferas da vida cotidiana. A ideologia comunista, por sua fvez, pensa que desigualdades são prejudiciais e que devem ser abolidas completamente. Afinal, segundo os teóricos, a desigualdade é fundamentada em uns vivendo às custas dos outros.

O socialismo revolucionário marxista encara o capitalismo como uma fase da humanidade, a mais avançada até então. Então, Engels e Marx, influenciados pela dialética de Hegel, entendem o capitalismo como um estágio moderno e avançado, mas contraditório em essência. Essa contradição tem a ver com a luta de classes; com o fato de que, enquanto a sociedade enriquece e avança, muitos ainda passam fome e lutam para sobreviver.Segundo os comunistas, essas contradições são a própria razão da derrocada do capitalismo, que dará lugar ao comunismo.

Então, em escritos mais tradicionais, o capitalismo é visto com um estágio que deverá ser superado para alcançar o comunismo.Apesar da contradição, Marx ainda via com bons olhos, por exemplo, avanços sociais das revoluções burguesas e as revoluções tecnológicas que o capitalismo trouxe. A ideia é manter uma tecnologia eficiente no futuro modelo comunista de sociedade para viver melhor, com condições mais justas e igualitárias.

O comunismo moderno

Como falamos, desde que Marx e Engels idealizaram e de que as ideias revolucionárias foram postas em práticas em vários países, o pensamento comunista mudou bastante. Saiu um pouco da esfera teórica e ganhou a prática, com mobilização de partidos e movimentos e ação direta em mudanças reais na sociedade. Hoje, vemos os comunistas atuando fortemente até dentro dos estados capitalistas. Tentam mobilizar, organizar a luta e se coordenar para uma eventual revolução e tomada de poder. A luta não é somente contra os capitalistas, no entanto; boa parte da luta é contra socialistas que defendem mudança gradual, como os social-democratas (que estão em maior número).

A social-democracia é uma forma branda de socialismo que busca mudanças graduais e evolutivas dentro do seio do capitalismo. É também chamado de socialismo evolucionário, em uma clara alusão às ideias de Charles Darwin.

Quais os países comunistas atualmente?

Hoje, temos Cuba, que passou por revoluções e grandes movimentos relacionados com o socialismo. A China, que é uma grande potência mundial, é conhecida por ter um governo do Partido Comunista. Também pode-se citar a Coreia do Norte e o Vietnã.

Comunismo no Brasil

Mesmo com a temática em pauta, os especialistas afirmam, contudo, que ao analisar a história política do País, desde o início do período republicano, o Brasil nunca esteve nem ao menos próximo ao comunismo. Conforme Rodolfo Marques, doutor em Ciências Políticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a discussão sobre essa ideologia teve destaque em terras tupiniquins em momentos específicos, como nas décadas iniciais do século XX e durante o período de ditadura militar (1964 - 1985).

“O Brasil teve o Partido Comunista, mais forte e mais atuante, ali nos anos 20, nos anos 30, e mais à frente, com a figura de Luís Carlos Prestes e sua esposa, Olga Benário Prestes. Também houve aquele momento em que o Jânio Quadros renuncia [...] E na sequência, João Goulart assume e aí ele era considerado também uma ‘ameaça comunista’. Durante o período autoritário militar, a repressão ficou associada também ao combate ao comunismo, como se os ventos cubanos pudessem se espraiar aqui pela América do Sul”, explica Marques.

O cientista político complementa que no caso do período mais recente, tem-se um reforço do movimento de “combate ao comunismo”, a partir do pleito de 2018, com a eleição do presidente Bolsonaro. Marques salienta, porém, que o país nunca esteve nem ao menos próximo ao real comunismo, como teme parte dos brasileiros. “Dentro da retórica bolsonarista, em 2018, houve esse movimento de combate ao comunismo, muito reforçado pela perspectiva ideológica do Olavo de Carvalho, que foi um dos idealizadores desse movimento que nós estamos vivendo hoje.

Então, o Brasil, na prática, nunca chegou perto do comunismo, embora existam os partidos comunistas, e existam também as pessoas que são ideólogas desse modo de produção, desse sistema de pensamento, dessa perspectiva ideológica”, afirma.

A jornalista e doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Deysi Oliveira Cioccari, concorda com a visão de Marques, e destaca haver falta de “conhecimento histórico” de parte da população a respeito do significado do comunismo na prática.

"O Brasil não esteve à beira do comunismo. Isso já foi refutado por diversos historiadores. Mesmo o golpe de 64 precisou de mecanismos autoritários para se manter no poder, se derrotada a ameaça do comunismo que entregassem o poder aos civis. Mas não foi isso, obviamente, que aconteceu. Goulart pretendia fazer reformas, o que poderia fortalecer a esquerda, mas isso jamais colocaria o Brasil à beira do comunismo. Falta um pouco de conhecimento histórico aí sobre o que é realmente o comunismo", destaca cientista política e jornalista.

Informações originalmente extraídas da matéria "Comunismo: por que o brasileiro ainda tem medo da ideologia?", de Alice Araújo

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